Always Shine: competição feminina e a “mulher que temos que ser”

Always Shine: competição feminina e a “mulher que temos que ser”

Não é de hoje que vemos no cinema produções com personagens femininas competindo entre si. A questão é o motivo de tal competição. Estamos habituadas a ver lindas garotas diminuindo umas a outras por atenção masculina ou tentando impor sua superioridade perante a outra a partir de padrões físicos ou de moda. Mas Always Shine foge desse lugar comum.

Estreando no ano passado (2016) no Tribeca Film Festival, Always Shine tem direção de Sophia Takal, e nos traz uma misturinha bem gostosa do drama de Rainha do Mundo (Queen of Earth – Alex Ross Perry, 2015) com traços da subjetividade de Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr. – David Lynch, 2001), além de ter muita semelhança de roteiro com esses dois títulos citados.

A trama baseia-se no reencontro das amigas e aspirantes a atrizes, Anna (Mackenzie Davis) e Beth (Caitlin Fitzgerald), numa viagem de fim de semana para as montanhas de Big Sur, Califórnia. Já nos primeiros minutos de filme notamos as grandes diferenças de personalidade entre as duas. Beth faz o tipo mais calma (ou controlada?), meiga e sutil, enquanto vemos Anna na sua primeira aparição já discutindo com um mecânico, falando muito palavrão, com seu batom forte e expressões marcantes.

 Always Shine

Não demora muito para que comecemos a notar a fragilidade da relação entre as duas. Anna, apesar de apresentar uma “personalidade forte” (muitas aspas, porque odiamos essa expressão), demonstra muita insegurança sobre sua beleza e capacidade. É visível sua inveja perante a carreira em ascensão de Beth, pela vida aparentemente estruturada da amiga. Mas se engana quem pensa que Beth está às mil maravilhas. Constantemente estereotipada em papéis que recebe como a garota frágil e indefesa, que tem sua sexualidade explorada para ser aquele símbolo de bela/recatada, ela parece estar cansada de ter sua carreira baseada apenas em sua aparência. E acredita-se que seja uma crítica a isso que a citação a seguir foi colocada (talvez ironicamente) logo no início do filme:

“É um direito de nascimento de uma mulher ser atraente e encantadora. De certo modo é o seu dever… Ela é o vaso de flores na mesa da vida.” – John Robert Powers – Secrets of Poise, Personality and Model Beauty

Tal situação também incomoda Anna. Incomoda-a por fazê-la acreditar que para conseguir sucesso – tanto profissional quanto amoroso – ela deve se adequar ao mesmo perfil de Beth. E ela não está totalmente errada. Após uma atitude desesperada e drástica de mudar sua vida, ela percebe uma notável melhoria. Logo de início se vê a total diferença em como é tratada. E é claro, não poderia faltar aquele discurso masculino de:

Você não é como as outras garotas. Não esperava gostar tanto assim de você. Sabe, na primeira vez em que nos conhecemos, pensei que você fosse esnobe, mas por algum motivo, continuei pensando em você. Então você veio ao bar e eu fiquei contente. E eu te acho realmente ótima. Eu acho você delicada e doce. […] Você é simplesmente uma pessoa especial, Beth.”

Mas as consequências e lembranças dessa total mudança são devastadoras. É a partir desse ponto que a produção deixa de ser um drama pra se tornar um verdadeiro thriller indie. Com uma intensa trilha sonora, um bom jogo de imagem e com bastante subjetividade no roteiro pós-clímax, vamos adentrando ainda mais na cabeça de Anna.

Lendo comentários sobre, podemos ver que os espectadores ficaram bem divididos quanto à raiz dos acontecimentos consequentes: psicológico, metafórico ou real? Independente da verdadeira intenção da diretora e do roteirista quanto a isto, é um ótimo retrato da expectativa e pressão que colocam sobre como uma mulher deve ser e se portar.

 Always Shine

O fato de ser um suspense e a jogada de colocar as personagens como atrizes foram excepcionais para refletir sobre padrões impostos e competição entre mulheres. Além, é claro, de ser um tremendo thriller de uma diretora iniciante com muito protagonismo feminino, que por sinal, devem todas receber palmas pelo trabalho entregue. O filme vale muito a pena ser visto e, a partir de hoje, faremos de tudo para acompanhar essas três mulheres!

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“O senhor não imagina bem que eterna variação de gênio é aquela moça. Há dias em que se levanta meiga e alegre, outros em que toda ela é irritação e melancolia.” (Ressurreição, Machado de Assis). 20 anos, estudante de Engenharia e que prefere passar o dia vendo filmes do que com a maioria das pessoas.
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