[CINEMA] Fragmentado: A objetificação de Mulheres no desenvolvimento de grandes vilões

[CINEMA] Fragmentado: A objetificação de Mulheres no desenvolvimento de grandes vilões

Fragmentado (“Split”) é um thriller dirigido por M. Night Shyamalan, também responsável pela direção de “Corpo Fechado”, filme a que Fragmentado faz referência – e essencial para a compreensão do final do filme e de uma possível continuação. O protagonista da história, Kevin Wendell Crumb, é interpretado por James McAvoy, que consegue, com uma interpretação sensacional, dar vida a um homem diagnosticado com 23 personalidades em um enredo que poderia ser tão bom quanto a atuação, mas peca em clichês.

Fragmentado
Kevin (James McAvoy)

[CONTÉM SPOILERS]

A história se inicia com o sequestro das adolescentes Casey (Anya Taylor-Joy), Claire, (Betty Buckley) e Marcia (Jessica Sula). Quando saíam de um aniversário, as três jovens foram abordadas por Kevin e levadas ao cárcere, onde descobrem que estão diante de um homem com múltiplas personalidades. A manutenção da situação de cativeiro não se dá por motivos sexuais, como se poderia esperar, mas por uma crença sobrenatural que ronda pelo menos três personalidades de Kevin, as quais se unem para impedir que as demais as coloquem nas trevas novamente.

Fragmentado
Aqueles que desconhecem o trabalho do diretor, pela premissa e trailer da história, podem ser levados a acreditar que o thriller é guiado pela racionalidade no desenvolvimento da psicopatia do protagonista. A maior parte da obra, de fato, não indica que algo sobrenatural se esconde por trás das 23 personalidades de Kevin – das quais apenas 8 são apresentadas. Assim, a maior parte do filme segue de forma inteligente e interessante para aqueles que gostam do tema.

A partir da metade de Fragmentado, porém, há uma quebra de ritmo, com a inserção do sobrenatural através da crença de três personalidades – Dennis, a personalidade com TOC que possui obsessão por ver meninas jovens dançando seminuas, Patricia, uma mulher controladora, e Hedwig, uma criança de 9 anos que deseja se iniciar no contato com mulheres – que são mantidas nas trevas – fora do controle – pelas demais. Dennis, Patricia e Hedwig acreditam que a multiplicidade de personalidades é uma etapa do desenvolvimento humano e que Kevin é capaz de desenvolver uma personalidade capaz de inúmeros feitos impossíveis aos humanos comuns a quem chamam de “Fera”. Para trazer à vida essa fera, eles precisam sequestrar meninas que não tenham passado por sofrimentos e que, por esta razão, seriam dignas de servirem como oferenda.

Fragmentado
Caso Fragmentado tivesse desenvolvido a questão da psicopatia e obsessão de um homem dotado de 23 personalidades com jovens meninas, talvez tivesse obtido um resultado mais coerente ou, pelo menos, menos passível de críticas negativas. No entanto, o que o enredo demonstra é que, como tantos outros filmes, se utiliza de clichês quanto ao sexo feminino para construir um grande vilão masculino. As atitudes de alguns homens em relação às mulheres devem ser vistas como negativas, passíveis de constituir grandes vilões, mas devem ser acompanhadas de uma problematização, não como mero entretenimento, nem como detalhes na vida de um homem.

Em primeiro lugar, há um protagonista e vilão que sequestra três adolescentes do sexo feminino. Sabe-se que a fera precisa se alimentar de seres que não tenham passado sofrimento e infere-se que a personalidade de Dennis conclui automaticamente que devam ser mulheres a servirem de alimento a esta fera. A neutralidade da oferenda é apenas levemente cogitada ao final do filme, quando mais alimento é necessário. Esta escolha, claro, poderia ser motivada pelo desejo que este homem adulto tem de ver meninas dançando. Ele não as toca, mas sente prazer em sexualizar esses corpos jovens.

Fragmentado
Dennis não conseguiria combater as demais personalidades de Kevin sozinho. O plano, na verdade, é compartilhado por outras duas: Patricia e Hedwig. Patricia, a única personalidade mulher apresentada neste primeiro filme, é descrita como uma mulher controladora e que tenta parecer maternal com as meninas mantidas em cárcere, ao mesmo tempo em que é rígida. A única mulher das personalidades de Kevin, portanto, coloca-se contra outras mulheres, não obstante seja desenvolvida de forma estereotipada. E Hedwig é uma personalidade espelhada em uma criança de 9 anos, que já reproduz a visão sexualizada das jovens em cárcere ao pedir beijos – recordando que em um corpo adulto – e querer dançar com elas.

Não somente as personalidades de Kevin, contudo, são vistas como cruéis em relação às mulheres, o que poderia ser positivo ao filme se fosse problematizado e melhor conectado com o fato de que mulheres sofrem com a violência constantemente e em diversos cenários por obra de homens. Uma das jovens é vítima de abuso desde a infância, e todo o seu sofrimento é ressuscitado durante o cárcere, bem como o confronto entre a moral – “não matarás” – e o desejo de matar o agressor. Condenada por seu próprio sofrimento, é absolvida pela fera, que enxerga nela os sofrimentos de sua própria infância – todos causados, como era de se esperar diante do desenvolvimento do filme, pela mãe de Kevin.

A ideia do diretor era a de desenvolver este personagem que poderá se tornar um grande vilão em um próximo filme, sem enredo elaborado ainda, cuja história provavelmente terá conexão com a de Corpo Fechado. Todavia, o personagem que poderia ser um vilão psicologicamente bem construído e inovador, mostra-se novamente como um personagem construído sobre bases machistas e estereotipadas, um personagem cuja origem passa pela violência contra a mulher, utiliza-se desta para desenvolver uma personalidade cruel, mas limita-a a esta justificativa, sem abordá-la como um mal social. As vítimas, como quase sempre, tornam-se apenas enfeites de uma história sobre seres mais poderosos.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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