GLOW: A luta pela liberdade de brilhar como mulher

GLOW: A luta pela liberdade de brilhar como mulher

A um olhar desatento, pode parecer que GLOW, série produzida pela Netflix, é apenas uma comédia em que mulheres são sexualizadas usando roupas justas em lutas corpóreas. Todavia, desde as primeiras cenas a série se revela mais do que isto. O teor cômico e, por vezes, exagerado da série criada por Liz Flahive e Carly Mensch entretém, cativa, conquista o público e o entrega a uma série de reflexões sobre o posicionamento da mulher na década de 80 e ainda hoje, sobre a luta cotidiana para mostrar que as mulheres possuem força para ganhar batalhas, ainda que a sociedade tente dizer-lhes que não.

[CONTÉM SPOILERS]

Ruth Wilder (Alison Brie) é uma atriz fora dos padrões, que não se contenta com os frustrantes papéis femininos que lhe são oferecidos e acaba recusada constantemente. Sua vida pessoal segue o mesmo ritmo da profissional, na medida em que se envolve com um homem casado. Mas quando tudo parece estar fora dos trilhos, ela decide tentar um papel no show intitulado GLOW (Gorgeous Ladies Of Wrestling, traduzido como Garotas Lindas da Luta Livre), dirigido pelo reconhecido Sam (Marc Maron) e produzido pelo mimado Bash (Chris Lowell).

O show não é nem de longe o ideal de trabalho de Ruth. Em primeiro lugar, Ruth não consegue encarar a luta livre como um ato de representação. Em segundo lugar, diante de tantas atrizes aparentemente “inadequadas”, Ruth começa a se enxergar como todos os diretores a enxergaram anteriormente. Em terceiro lugar, Debbie (Betty Gilpin), sua antiga melhor amiga, faz parte do show. Não que Ruth tenha algo contra Debbie, a promissora atriz que largou as novelas para ser mãe em tempo integral. Na verdade, Ruth é que magoou Debbie.

Ruth Wilder (Alison Brie)

Debbie não planejava entrar no caminho de Ruth depois de ter descoberto que a traição da amiga. Ainda que o marido, Mark (Rich Sommer), tenha tido uma grande parcela de culpa, era impossível para ela ignorar a atitude de Ruth.

Diante da sua realidade, porém, aceitar a oferta de Sam para trazer a rivalidade com Ruth às telas parecia uma das únicas opções. Afinal, estava em dúvida sobre o divórcio, com um filho de 6 meses e nenhum emprego em vista, já que largara tudo para ser dona de casa. Juntas, elas se unem a um grupo heterogêneo de mulheres. Em GLOW, cada uma desenvolve ao seu modo uma narrativa que visa questionar o posicionamento da mulher na sociedade e adotam personagens capazes de representar essas discussões durante as lutas.

Assim há Sheila (Gayle Rankin), a mulher-lobo, que quebra os padrões de aparência ao assumir a identidade de loba. Durante anos encarou um processo de aceitação para então encarnar a pessoa que ela desejava ser. Justine (Britt Baron), uma adolescente que entra no mundo da luta-livre em busca do pai que nunca conheceu e também encara seus primeiros relacionamentos. Rhonda (Kate Nash), que parece ser apenas mais uma atriz ludibriada por um diretor, mas na verdade demonstra ter pleno controle sobre a situação e não colocar homens na frente das amizades. Cherry (Sydelle Noel), uma mulher negra que usa a luta-livre para mostrar que sua cor e seu sexo são sua história, mas não sua limitação.

Glow

Sobre Ruth e Debbie, a relação tinha tudo para se tornar uma clichê rivalidade entre protagonistas. Ruth aparenta ser a típica mocinha de comédia romântica. Esforçada para ser engraçada, esforçada na tentativa de sucesso, mas acaba sempre perdendo e se envolvendo com o homem errado.

Ela, contudo, caminha de forma diferente. Seu envolvimento nada tem de romântico, e em momento algum o sentimento chega a ser sugerido. Ela tampouco se envolve para magoar a amiga, mais bem sucedida que ela. Ruth é apenas uma mulher que quer alcançar o sucesso profissional e ser feliz, independentemente da existência de um homem ao seu lado, e que, no processo, acaba machucando alguém de quem gostava. Ao fim da temporada, mais um dilema é vivido pela personagem, que encara a dúvida de fazer ou não um aborto.

O tema é tratado de forma interessante em GLOW, ainda que não aprofundada. Se no início da série o tema foi abordado através da personagem Cherry, que sofreu um aborto espontâneo e carrega a dor dessa perda, no fim o tema é abordado através do abordo induzido de Ruth.

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Talvez o mais importante da discussão realizada em GLOW seja a abordagem compreensiva da escolha. Cherry mostrou o aborto como uma frustração para aquelas que desejam ser mãe. Ruth mostrou o aborto como uma escolha de uma mulher livre e sensata que não deseja a maternidade. O ato não foi retratado como sendo egoísta ou insensível, tampouco a maternidade foi crucificada. Tentou-se, no entanto, mostrar realidades diferentes e abordar o aborto como uma possibilidade de mulheres donas de seus corpos.

Retomando, Debbie, também, não é ao todo o que se espera. A mulher mãe e recém separada encara o dilema de conciliar os âmbitos da vida em uma sociedade em que o homem não somente é perdoado por seus erros, como é priorizado. Mark a trai, mas arranja formas de dizer que a culpa da traição era a ausência de uma mulher que teve um filho recentemente.

Debbie (Betty Gilpin)

Quando descobre que Debbie está reconstruindo a carreira, julga e ameaça – afinal, por ser homem, o divórcio lhe seria mais benéfico. Debbie passa de mulher exemplar a mulher condenável, tendo que redescobrir não somente como viver fora do papel de mãe, mas também como lidar o julgamento alheio.

A rivalidade utilizada como narrativa principal do programa fictício, sob a fachada da guerra fria (URSS x EUA) torna-se então um detalhe diante de tantos conflitos maiores. E conforme a série avança, é colocada em segundo plano pelas próprias personagens, que priorizam o progresso do show e a união do grupo. Assim, o que inicialmente era um grupo de mulheres competindo com as outras torna-se um grupo de mulheres experimentando o autoconhecimento, a aceitação e a sororidade.

GLOW

Importante mencionar que GLOW é baseada em uma série real de 4 temporadas, exibida de 1986 a 1990, sobre a liga de luta-livre feminina dos Estados Unidos. A série, que passa no teste de Bechdel, finaliza com um gancho para uma segunda temporada, já idealizada pelas criadoras, mas ainda não confirmada pela Netflix.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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