[LIVROS] Minha Vida Fora dos Trilhos: Uma menina em sua descoberta do passado (Resenha)

[LIVROS] Minha Vida Fora dos Trilhos: Uma menina em sua descoberta do passado (Resenha)

Minha Vida Fora dos Trilhos é um romance da escritora norte-americana Clare Vanderpool, também autora de Em Algum Lugar nas Estrelas, ambos publicados no Brasil pela editora Darkside. A história se passa no Kansas, local de residência da escritora, e une traços de sua história familiar à ficção, nesta narrativa que se divide entre o passado e o presente de uma menina de 12 anos.

O ano é 1936. Abilene Tucker é enviada por seu pai, Gideon, para passar o verão em Manifest, após se machucar gravemente durante a vida itinerante que os dois levam. Como a exploradora que aprendeu a ser com o pai, salta do trem em movimento para vislumbrar o que os meses de verão lhe reservam na pequena cidade sob os cuidados de um pastor e encara uma nova vida.

Ainda que acredite nas palavras de Gideon de que ele retornará para buscá-la, todos parecem considerar que sua presença será permanente. Rotina escolar, novos amigos… E Abilene é relutante em considerar esta perspectiva. Gideon não a abandonaria. Todavia, não pode se negar a interagir com este diferente povo que, de algum modo, fez parte da história de Gideon e, consequentemente, da sua.

Um dia, Abilene descobre objetos e cartas de 1917 pertencentes a um rapaz chamado Jinx, bens que escondem uma história coletiva.  Junto com suas colegas Lettie e Ruthanne, Abilene se empenha em quebrar o silêncio que ronda a cidade de Manifest. E a bússola que ela carrega sempre torna-se o pontapé para construir o caminho de um novo lar.

O livro intercala capítulos da vida de Abilene com narrações da história de Jinx e seu amigo Ned, sob a justificativa de que estão sendo contadas a Abilene pela Srta. Sadie, uma vidente para quem a menina começa a fazer trabalhos. Há também notas de um jornal fictício e cartas de Ned para Jinx. Tal formato dá dinamismo à história e possibilita que se compreenda a história de Abilene.

Abilene foge do estereótipo de pré-adolescente do sexo feminino. Aos 12 anos, é aventureira e não compreende bem as palavras do pai de que estava sendo mandada para longe por já ser uma “mocinha” – o que, no fim, não é a verdadeira motivação.

“Quando há sofrimento, procuramos um motivo. E é mais fácil encontrar esse motivo dentro de si mesmo.”

Minha Vida Fora dos Trilhos

Criada longe da mãe, que desapareceu quando ainda era pequena, ainda que não seja expresso no livro, parece haver certo distanciamento entre Abilene e as demais personagens femininas. De fato, ela cresce em um ambiente masculino, tendo como contato principal apenas Gideon. Todavia, aos poucos se insere em relações com mulheres diversas, as quais, ao seu modo, tomam parte na história que ela tenta construir sobre Gideon, sobre Jinx, sobre Manifest, sobre si.

Mesmo com determinada relutância, acaba fazendo amizade com Lettie e Ruthanne, duas meninas com quem compartilha a curiosidade pela vida. As três estão determinadas a desvendar os segredos de uma Manifest que vivenciou a Primeira Guerra Mundial e que viu seus cidadãos serem enviados para combates além das batalhas cotidianas. Juntas, elas descobrem que o passado afeta as gerações futuras. No caso de Manifest, uma cidade de mineradores explorados pelas ambições de poucos e uma cidade herdeira dessas pessoas.

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Talvez pela idade da protagonista, o livro ganhe um ar infantil, o que não lhe retira importantes mensagens. Não é apenas um livro sobre a influência do passado. É também um livro sobre união, sobre compartilhar vivências, histórias, sonhos e sobre lutar para que a vida seja diferente. Manifest, de manifestar, revelar, fazer conhecer, revela a mensagem de que o silêncio anula a identidade. Calar-se perante o passado significa entregar-se a um presente vazio.

“Acho que é uma questão de fugir da sua sombra ou olhar para ela de frente na claridade.”

A única crítica seria em relação à construção das personagens. O ar mais infantil da história também se expande a um desenvolvimento mais superficial de alguns personagens, como Shady, Gideon, a srta. Sadie e mesmo Abilene, os quais poderiam ser melhor explorados.

Abilene, por exemplo, em momento algum manifesta seus pensamentos sobre a ausência da mãe, embora comente que ela partiu quando ainda era pequena. E nas entrelinhas, parece depositar esse sentimento de ausência na figura da srta. Sadie, uma mulher misteriosa. O papel da srta. Sadie, por outro lado, ainda que tomo um rumo interessante, é o de uma figura materna impotente, enquanto outras facetas poderiam ser abordadas.

Confira a trilha sonora criada pela DarkSide Books especialmente para o livro:

Apesar disso, Minha Vida Fora dos Trilhos é um livro com certa profundidade. A história em si revela mais do que o que é revelado nas palavras expressas. Clare Vanderpool consegue fazer um bom jogo com as palavras e os eventos, atando praticamente todas as pontas deixadas ao longo narrativa – mesmo que nem todas sejam explicadas de forma sofisticada ou muito bem elaborada. Assim, é uma história agradável e tocante, capaz de gerar reflexões diversas.

“Se existe mesmo algum universal […] é que existe poder numa história”


Minha Vida Fora dos Trilhos

Autora: Clare Vanderpool

320 páginas

Editora: Darkside

Este livro foi cedido pela editora para resenha

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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