A Vida dos Elfos: uma alta fantasia que lembra o universo onírico da Ghibli

A Vida dos Elfos: uma alta fantasia que lembra o universo onírico da Ghibli

A Vida dos Elfos é um livro incrível em vários aspectos. A começar pela autora, Muriel Barbery, mundialmente reconhecida pela sua delicada e tocante obra anterior, A Elegância do Ouriço (que virou filme).

A Vida dos Elfos é um romance de desenvolvimento lento e a cada capítulo muito pouco se revela sobre a trama geral. Tanto que mesmo ao fim da leitura, o antagonista e seus motivos não ficam tão claros.

O livro terá continuação e a história deste primeiro volume acaba com mais dúvidas e mistérios do que os soluciona. No entanto, nada disto é algo negativo ou um problema. O livro merece ser lido, e diremos por quais motivos!

A escrita de A Vida dos Elfos

De duas décadas para cá, temos tido um volume gigantesco de séries, trilogias e romances de alta fantasia. O gênero se tornou um nicho certeiro e alguns escritores(a) chegam a produzir dezenas de obras. No entanto, muitas vezes, a qualidade literária destes livros deixa muito a desejar e atingem, no máximo, leitores(a) eventuais e o público infanto-juvenil.

Felizmente, este não é o caso de A Vida dos Elfos. Muriel Barbery escreve de uma maneira incrivelmente bela – tanto que em certas passagens nos pegamos lendo, relendo e suspirando com a beleza das linhas. Algo assim é raro na literatura recente.

Nem sempre é bom comparar, mas se tivéssemos que colocar Barbery em uma espécie de pedestal literário, seria ao lado de Tolkien ou C.S. Lewis. Exagero? Talvez, mas garantimos que a experiência proporcionada pelas páginas deste livro não deve nada a nenhum cânone da alta fantasia e muito menos a qualquer literatura atual.

A tradução de Rosa Freire d’Aguiar consegue manter a delicadeza e beleza em cada linha. Por se tratar de uma primeira edição, há alguns errinhos quase imperceptíveis, que passarão despercebidos pela maioria das leitoras – nada que não possa ser corrigido nas edições posteriores.

A narrativa de A Vida dos Elfos se alterna entre as histórias de Clara e Maria, com intermezzos curtos intitulados de ‘‘Conselho Élfico Restrito”. As meninas são um tipo de personificação ou canal de comunicação entre o mundo dos humanos e o mundo élfico, mas não só isso.

Maria é um ser que representa a natureza (a terra, o ar, as matas, bosques, riachos, animais e tudo o mais que habita na natureza) e Clara, a Arte (a pintura, a música, a literatura). Elas ainda não se conhecem e moram distantes uma da outra, mas no decorrer da narrativa suas histórias se interligam e elas passam a se conectar cada vez mais, de um modo mágico.

Maria apareceu, ainda bebê, em uma região rural da Borgonha. Desde que chegou, a vida de todos os poucos moradores do local se transformou: todos vivem na mais absoluta paz, ajudam-se e se amam. As colheitas são sempre fartas, assim como a caça. Há comida e bebida em abundância, conforto e a relação de todos com a terra é profunda, antiga e sincera. A menina adora passar os dias a percorrer a mata, adentrar nos bosques e se misturar com os animais.

Ela é parte da natureza e até mesmo o padre da região, em vez de ver ali algo pagão e pecaminoso, entende que a terra, a mata e sua relação com os seres que ali habitam são coisas mais antigas e sagradas do que qualquer religião. 

 

Clara aparece na Itália, e desde a mais tenra idade se mostra um prodígio no piano. A garota toca qualquer coisa com facilidade, imagina paisagens, tem visões enquanto toca, e a música produzida por ela acalenta, emociona e alegra qualquer um que possa ouvi-la. No entanto, algo tenebroso planeja movimentos para destruir o mundo e todo esse equilíbrio e beleza, e as duas meninas são peças fundamentais neste jogo, ainda que não façam a menor ideia disso.

Durante os Intermezzos da narrativa, o Conselho Élfico Restrito planeja os próximos movimentos e faz um balanço da atual situação. No entanto, nada fica muito claro, cabendo às leitoras tentar entender qual mistério jaz por trás dos Elfos, sejam eles heróis ou antagonistas.

Conclusão

Como dissemos, apesar do livro ter menos de 270 páginas, não se trata de uma leitura rápida. A perfeição e beleza da escrita de Barbery exigem que cada linha senha lentamente absorvida – e cada linha tem uma beleza incrível. Essa beleza, vale dizer, é dupla: da história em si e da própria escrita, altamente poética.

A Vida dos Elfos cria um estado de espírito. O livro tem um clima bem específico e único. Ao ler, sentiremos nostalgia de um tempo que possa talvez nunca ter existido. De um tempo onde pessoas tinham uma ligação mais íntima e honesta entre si. Em que as pessoas respeitavam a terra e tudo o que ela proporciona e a arte não era apenas mero entretenimento mercadológico, mas um raro momento de contato com algo superior, quase sobrenatural, capaz de elevar qualquer espírito.

Algumas cenas de A Vida dos Elfos chegam muito a lembrar aquele mesmo clima das obras do Estúdio Ghibli, principalmente quando aparecem espíritos fantásticos da floresta. A bondade das pessoas em geral também é algo marcante e que remete às criações do estúdio japonês.

A obra ainda provoca profundas reflexões sobre o papel e importância da arte e da natureza atualmente, dias em que vivemos apressadas, cansadas, sem tempo, cercadas por concreto e produções “artísticas” que, na verdade, se tratam apenas de lixo reproduzido em escala industrial para unicamente gerar lucro.

Ficamos ansiosas pela continuação dessa jornada épica de Maria e Clara, na esperança de que a arte e a natureza, assim como a literatura, ainda possam salvar o mundo.


A Vida dos ElfosA Vida dos Elfos

Autora: Muriel Barbery

Tradução de Rosa Freire d’Aguiar

Companhia das Letras

Este livro foi cedido pela editora para resenha

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Fundadora e editora do Delirium Nerd. Apaixonada por gatos, cinema do oriente médio, quadrinhos e animações japonesas.
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