O Babadook: os piores demônios são os internos

O Babadook: os piores demônios são os internos

A depressão, transtorno de ansiedade e outras doenças similares ainda são tabus na sociedade. Apesar de cada vez mais prevalentes no mundo atual, e de pesquisas constatarem que a dor psicológica ativa as mesmas regiões no cérebro que a dor física, a reação que pessoas que sofrem dessas doenças costumam receber é “você precisa se esforçar mais“, “já tentou ter pensamentos mais positivos?“, e assim vai, como se a doença não fosse real, mas apenas um capricho da pessoa que alega o sofrimento. 

A grande sacada de “O Babadook” é usar o gênero de terror para retratar a jornada de sua protagonista, que em Hollywood tradicionalmente seria um drama. Amélia, após seis anos da morte do marido, ainda vive o luto e tem dificuldades de lidar com seu filho pequeno, que nasceu no mesmo dia do terrível episódio. 

O menino tem pesadelos com o monstro Babadook, que ele acredita que virá para matar os dois (ele e sua mãe), e começa a adotar comportamentos cada vez mais agressivos para tentar se proteger, o que o faz ter problemas para se relacionar com os outros. Enquanto isso, Amélia ainda luta com a culpa de ter dúvidas sobre seu amor pelo filho e o medo de não ser uma mãe perfeita, sem saber que atitudes tomar para melhorar a situação.

Emulando a maneira como a sociedade trata as doenças mentais, o filme joga com a ambiguidade do monstro ser real ou não, e se os eventos acontecem de verdade ou apenas na imaginação dos personagens. Apesar de também usar vários clichês do gênero, como barulhos sinistros, lâmpadas piscando, casa vazia e escura, objetos que aparecem misteriosamente e até mesmo um pouco de gosmas e vômitos, a força da representação de monstros como os demônios internos torna a história o mais assustadora possível.

O sofrimento mental de Amélia não é aquele costumeiro de filmes de terror, em que um agente externo perturba a personagem até que ela enlouqueça. A loucura vem da vida real, de situações do cotidiano que se instalam e atordoam quem as vive. E quer monstro mais difícil de enfrentar do que aquele que mora dentro de nós?

Babadook
Essie Davis impecável como Amélia em O Babadook.

O filho também passa por suas próprias questões, sendo inevitável não espelhar de certa forma os conflitos que a mãe vive. O Babadook os assombra, e não os deixa dormir, mas tampouco ter forças para levantar da cama. E a diretora Jennifer Kent brinca com a perspectiva, invertendo o papel dos dois lá para o meio do filme, e fazendo-nos enxergar como as perturbações de cada um afetam profundamente o outro.

Como costuma acontecer, a doença vai os isolando cada vez mais. O filho é expulso da escola, Amélia perde o emprego, e eles afastam as pessoas que eram mais próximas deles. Sozinhos e praticamente presos em casa, é a situação ideal para o Babadook se instalar de vez, alimentando esse clico tão difícil de quebrar.

Representado por um cartoon de fraque e cartola, o monstro nem é tão assustador quando de fato aparece. A diretora escolheu usar o clichê da possessão como metáfora para mostrar que a doença se apoderou de Amélia. Porém, o mais aterrorizante é que ela não é completamente incorporada pelo monstro. Apesar de já não conseguir controlar-se muito bem, ela permanece consciente das coisas que faz, o que a inunda de ainda mais culpa e desespero.

Leia também:
[OPINIÃO] Síndrome de Arlequina: o perigo por trás da identificação com a personagem!
[SÉRIES] Twin Peaks, David Lynch e a exploração do corpo feminino
[SÉRIES] Please Like Me: Uma série de comédia sobre saúde mental que você precisa conhecer

[A PARTIR DAQUI HÁ SPOILERS]

Nem tudo está perdido, porém. O final demonstra uma visão muito lúcida sobre as doenças mentais, ao fugir dos maniqueísmos do tipo “o monstro foi derrotado e tudo ficou em paz” ou o pessimista “o monstro venceu e não há como se livrar dele jamais“. Em um momento de desespero, Amélia consegue arrumar forças para finalmente dizer “não” ao Babadook.

Ela não vai se render, ela não vai mais admitir perder para o monstro. Sem esperar tal reviravolta, o monstro é que fica amedrontado e se esconde no porão da casa. A partir daí, o filme não mostra qual solução Amélia adota para conseguir melhorar, mas enfatiza que daquele ponto em diante ela conseguiu encontrar o equilíbrio e as forças para lidar com a situação.

O Babadook” não esconde que recaídas podem acontecer. Apesar de já muito melhor, Amélia passa a levar comida para o Babadook no porão, numa alusão ao autocuidado e a uma tentativa de administrar a doença. Mas às vezes ele reaparece e tenta assustá-la novamente. Ela não nega o medo que sente, mas consegue acalmar o monstro. “Ele está quieto hoje“, diz ela ao filho. O filme leva a crer que essa passou a ser uma atividade cotidiana, uma ação necessária na busca pela melhora. E um dos primeiros passos que Amélia dá pela libertação do passado é finalmente comemorar o aniversário do filho, que nunca ganhou uma festa por a data coincidir com a morte do pai e ser uma lembrança muito dolorosa para a mãe.

Com esses pequenos passos, “O Babadook” mostra que há uma luz no fim do túnel. Esperemos que um dia a sociedade se conscientize de vez da gravidade das doenças mentais, cada vez mais propiciadas pelo modo de vida atual, e dê o suporte necessário às pessoas que sofrem delas, para que elas não tenham que enfrentar esses difíceis períodos tão sozinhas.

Escrito por:

88 Textos

Cineasta, musicista e apaixonada por astronomia. Formada em Audiovisual, faz de tudo um pouco no cinema, mas sua paixão é direção de atores.
Veja todos os textos
Follow Me :