10 canções feministas que retratam a importância da descriminalização do aborto

10 canções feministas que retratam a importância da descriminalização do aborto

O Delirium Nerd é um site feminista pró-escolha. Defendemos e lutamos pela descriminalização do aborto no Brasil em prol dos direitos reprodutivos das mulheres. Acreditamos que a escolha pelo abortamento cabe unicamente as mulheres do nosso país.

Sabemos que as mais violadas e afetadas pela legislação criminalizadora são as mulheres pobres e negras, segundo a estimativa feita pelo IBGE, pois as que possuem recursos financeiros realizam o procedimento em clínicas seguras. Portanto, independente de crenças, religiões ou opiniões contrárias ao aborto, cerca de 1 milhão de mulheres abortam todos os anos no Brasil e 47 mil morrem decorrente de práticas clandestinas, segundo a OMS.

A cada um minuto, uma mulher faz um aborto no Brasil, e a cada 2 dias, uma mulher morre por um aborto clandestino, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto, coordenada por Debora Diniz e realizada pela organização Anis – Instituto de Bioética e Universidade de Brasília.

Trouxemos 10  canções que discorrem sobre o aborto em defesa da saúde da mulher, com um viés pró-escolha. Repudiamos legislações criminalizadoras que contribuem com a morte e violações das mulheres. Segue a lista:

1) Artemísia – Carne Doce

Forte, sincera e visceral. Salma Jô, vocalista e compositora da banda goiana Carne Doce, é direta e clara ao tratar sobre a experiência do aborto na canção “Artemísia”, primeiro single do elogiado “Princesa”, de 2016. A letra é fruto de um aborto vivenciado pela própria Salma.

No final de 2012 , prestes a lançar com o grupo recém-formado e prestes a lançar o primeiro Ep, ela descobriu que estava grávida do marido e guitarrista da banda, Macloys. Após muitos conflitos internos, indagações e conversas com seu parceiro, Salma optou por interromper a gravidez. Em entrevista à revista Tpm, ela conta que o método escolhido foi via medicamento.

Em “Artemísia”, Salma parece dialogar com naturalidade com todo o processo até a decisão por um aborto – as afirmações sobre o seu corpo, sobre escolher ou não ser mãe e sobre a busca de como abortar, como nos versos:

“Não vai nascer/Porque eu não quero/Porque eu não quero e basta eu não querer”.

O clipe, performático e dotado de sensibilidade, faz do percursos de Salma Jô uma dança solitária, profunda e intensa.

Música escolhida por: Brenda Luíza Ferreira Vidal

2) Ani DiFranco – Hello Birmingham 

Ani DiFranco é uma cantora, poeta, compositora e multi-instrumentista norte-americana, que mescla folk rock com influências que variam do jazz ao hip hop. Nascida na década de 70, a artista tem até o momento mais de 20 álbuns lançados.

Em 1990, fundou o Righteous Babe Records, por onde divulga o próprio trabalho. De acordo com o site do selo, o projeto busca ser um pequeno negócio queer e ligado nas questões das mulheres, que coloca “música antes do estrelato roqueiro e ideologia antes do lucro”. O objetivo é que pessoas estejam em primeiro lugar – e não o pensamento corporativo.

Em Hello Birmingham, música do álbum “To The Teeth” (1999), DiFranco, que defende o direito ao aborto, condena dois diferentes ataques que ocorreram em 1998: o bombardeio à uma clínica de abortos em Birmingham, Alabama, e o assassinato do médico Barnett Slepian, que realizava abortos em Nova York – ambos nos Estados Unidos.

Na discografia da artista, existem diversas canções que tratam do tema, como o single “Play God”, lançado em 2016.

Música escolhida por: Maíra Valério

3) Anti-Corpos – Pró-escolha

Em Pró-escolha, da banda paulistana Anti-Corpos (que agora mora em peso na Alemanha), não há nada subentendido. A mensagem das meninas chega com a agressividade do hardcore punk feito por elas:

“Continuam morrendo, continua ilegal/O sangue segue escorrendo/A consequência é fatal”.

A introdução da versão de estúdio é feita com partes de um relato de uma vítima de descaso hospitalar (“Essa daí fez um aborto, deixa ela aí, ela tem mais é que sofrer mesmo, pra ela saber o que que ela fez, entendeu?“); A ideia é coletar informações e mostrar que a criminalização do aborto não impede o mesmo de acontecer, apenas penaliza a mulher (pobre) que o pratica.

A principal questão colocada em pauta é: aborto não tem a ver com crença, aborto tem a ver com saúde pública. Ele acontece clandestinamente e mulheres morrem porque não tem o tratamento necessário. Se a proibição não funciona para inibir e, sim, pra punir quem o faz, qual é a utilidade disso?

“Até gravidez passa a ser uma punição/ A todas vocês que exigem autonomia/ na decisão sobre o seu corpo, sua vida”.

Gravada em 2012, a 4ª faixa do álbum “Meninas pra frente“, infelizmente, continua sendo extremamente atual.

Música escolhida: Bárbara Alcântara

4) No Apology – Anti-Flag

Lançada em 1999 pelo álbum “A New Kind of Army” da banda Anti-Flag, “No Apology” trata sobre denúncia social, argumentando que a ilegalidade do aborto não impedirá que ele aconteça, tratando desde o fato de mulheres de classes sociais elevadas viajarem para abortar, em países que são pró-escolha, enquanto outras ficam esperando a possibilidade do ato um dia ser permitido, trazendo como consequência óbitos durante o procedimento em clínicas clandestinas. A canção discute também como certas visões políticas utilizam o cristianismo como contra-argumento e falso moralismo.

Formada em 1988, pelo cantor e guitarrista, Justin Sane, Anti Flag é uma banda americana de punk rock reconhecida pelas suas letras carregadas de ativismo, por causas como anti-guerra, anti-imperialismo, luta de classes, direitos humanos e diversas outras – em seu site podemos encontrar links para nove organizações aliadas, que vão de de ambientalismo à direitos civis. A banda conta com onze álbuns lançados, sendo que seu décimo segundo, o “American Fall”, será lançado em pouco mais de um mês.

Música escolhida por: Vivian Fernandes

5) Ilegal – No te va a gustar

No te va a Gustar é uma banda de rock uruguaia formada por nove homens, em 1994. Em 2006, o grupo lançou a música “Ilegal”, que conta a história de garota que fica grávida e decide abortar. A canção critica a hipocrisia social ao proibir a prática. E parece que surtiu efeito. Desde 2012, o aborto é legal no país vizinho. Um dos integrantes do grupo, Emiliano Brancciari, disse que a ideia era justamente discutir o tema porque o aborto é uma prática que acontece com mais frequência do que se imagina e coloca em risco a vida das mulheres menos favorecidas economicamente.

É interessante mostrar que os homens também se preocupam com essa questão e contribuem para discutir sobre a causa, bandeira levantada por organizações feministas ao redor do mundo desde o século passado. A luta é árdua e a batalha está longe de ser vencida. Precisamos de todo o apoio possível!

Música escolhida por: Adriana Ibiti

6) Sally’s Pigeons – Cyndi Lauper

“She left one night with just a nod, was lost from some back alley job.

I close my eyes and Sally’s Pigeons fly, she never saw those birds again.” 

(“Ela partiu uma noite com um simples aceno, se perdeu num trabalho de fundo de quintal.

Eu fecho os meus olhos e os pombos de Sally voam, ela nunca mais viu aqueles pássaros novamente”)

Canção de 1993, escrita por Cindy Lauper e Mary Chapin, lançada no álbum “Hat Full of Stars”. Conhecida por temas polêmicos, Lauper havia tratado de masturbação feminina no hit “She Bop”, de 1984. Sua música “Girls Just Want to Have Fun” é reconhecida como um hino empoderador e um alerta sobre a opressão vivida por algumas jovens em seus relacionamentos: “Some boys take a beautiful girl and hide her away from the rest of the world” (em tradução livre: “alguns rapazes ‘pegam’ uma garota bonita e a escondem do resto do mundo“).

Leia também: 

>> Dirty Dancing: Aborto, sororidade e direitos

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>> Aborto em “Sex And The City”: a decisão consciente nas mãos de populares personagens femininas

“Sally’s Pigeons” é inspirada na história de uma amiga de infância de Cyndi, que se submeteu a um aborto de forma precária e morreu. A letra da música não dá muitos detalhes, mas podemos supor que foi um caso como o de Jandira Magdalena dos Santos Cruz.

Uma jovem carioca que em 2014, sem poder recorrer a legalidade para interromper sua gravidez, teve que se submeter a um aborto numa clínica clandestina e acabou morrendo.

A história de Jandira é abordada no documentário “Meu corpo, Minha Vida”, de Helena Solberg. Obrigatório, o filme está disponível online para assinantes no GNT Play.

Música escolhida por: Candida Sastre

7) Ventre Livre de Fato – MC Luana Hansen

“Ventre livre de fato” é uma canção que tem muita força e carrega em sua mensagem a importância da legalização do aborto, já que muitas mulheres, especialmente as negras e pobres, morrem ao fazerem esse procedimento na clandestinidade, ou seja, sem segurança, qualquer apoio e temendo serem presas ou mortas. A melhor parte da música é a estrofe que diz “Hipocrisia, para desconhecido é punição/Mas se for da família é só tratar com discrição“, porque esse trecho expõe como o aborto é tratado no Brasil.

Música escolhida por: Thaís Campolina (escreve para o site Ativismo de Sofá e uma das realizadoras da Virada Feminista Online)

8) Isobel – Dido

Em uma entrevista concedida em 2000 à revista Entertainment Weekly, a cantora inglesa Dido afirmou que sua música “Isobel” era sobre o tema do aborto. A letra relata a história de uma mulher, que parece ser próxima da narradora, provavelmente uma amiga, cujo carro foi encontrado vazio em meio às árvores onde ambas costumavam se balançar na cidade de Ennis, na Irlanda.

A música dá a entender que Isobel foi embora do país para realizar um aborto – a Irlanda possui uma das legislações sobre aborto mais misóginas da Europa, e o procedimento é proibido mesmo quando a gravidez é fruto de estupro, incesto ou o feto apresenta anomalias graves–, ou, então, que buscou fazer um aborto clandestino e inseguro, pois Dido canta: “espero que esteja bem/ e que o que fez esteja certo/ oh, tem sido um inferno tão imenso/ desejo tudo de bom para você/ espero que esteja segura esta noite”.

O carro abandonado de Isobel gera a sensação de que o pior pode ter ocorrido: a sua morte, final comum para milhares de mulheres ao redor do mundo que precisam se submeter a um aborto ilegal e inseguro. A narradora, em um gesto de sororidade, também pede que a amiga não se culpe e não se castigue, diz que a ajudará a passar pela situação amando-a mais, e dá a entender que o homem que a engravidou não era forte o suficiente. Uma canção singela sobre abandono, medo, solidão e a luta das mulheres para acessarem um direito que deveria ser básico.

Música escolhida por: Vanessa Prateano

10) Meu Corpo é Meu – Dominatrix

Em uma conversa com a filósofa Marcia Tiburi, Elisa Gargiulo, vocalista da banda Dominatrix, comenta que se reconhecia como feminista desde criança. A consciência feminista surgiu dentro do lar, quando começou a questionar os atos repressivos que sofria dentro de casa junto com sua irmã, atos decorrente do seu gênero, por ser mulher.

Dominatrix surgiu em 1995 como um ato de resistência, e foi uma das bandas precursoras do riot grrrl no Brasil. A canções falam sobre temas que são considerados tabus até mesmo nos dias atuais; para refletirmos o quanto ainda precisamos e muito do feminismo. São canções que questionam temas como aborto, violência doméstica, estupro e sororidade.

“Meu Corpo é Meu” é uma canção que traz o aborto como discussão central. A compositora, Elisa Gargiulo, expressa o peso que as mulheres carregam quando optam pela realização do aborto em um país onde a autonomia dos seus corpos não é respeitada; o julgamento moral de uma sociedade que enxerga a mulher como uma incubadora pertencente ao Estado, e nada mais.

“O aborto é infração moral
E as consequências dos seus atos são: castigo e pena
Tranca e cala a voz na prisão

De um tempo difícil que leva do julgamento ao fato
Inverso olhar de quem na mente e ventre
não tem nada a temer”

O prosseguimento da gravidez é visto, então, como uma forma de penitência pela prática do sexo, algo que a mulher precisa enfrentar e sofrer as consequências, sejam quais forem, e não como uma escolha consciente que cabe somente a ela e a ninguém mais. Para a mulher, resta o reconhecimento em duas palavras: assassina e ré.

“Agredida ou em risco, é assassina e ré”

Ao homem a pena é mais branda, ou melhor, muitas vezes nem existe. Para o homem é “aceitável” e até “perdoável” socialmente o abandono paterno, que acarreta inúmeras consequências na vida dos filhos e filhas. Ele continua com seus projetos, sonhos, desejos, enquanto a mulher que opta conscientemente pelo aborto, resta aceitar e prosseguir com a gravidez indesejada.

Para a mulher, não é permitido o planejamento de sua vida, não há escolha, apenas o julgamento e silenciamento. Quando a mulher possui recursos financeiros, realiza o procedimento em clínicas seguras, quando não tem dinheiro ou paga pelo procedimento em clínicas clandestinas obscuras, resta sangrar e morrer sozinha.

A canção exalta uma afronta ao conservadorismo do Estado, ao ressaltar “Puta é aquela que se dá pra quem se dá sem o seu aval misógino, mas meu corpo é meu“, uma vez que enxergam o nosso prazer como errado e o nosso corpo como algo pertencente ao Estado.

Your Body is a Battleground” (“Seu Corpo é um Campo de Batalha”), como já afirmava a arte feminista de Barbara Kruger. Nosso corpo continua sendo todos os dias um campo de batalha e resistência, seja nos abusos que sofremos nos espaços públicos, seja no silêncio em um cômodo de uma clínica clandestina sangrando.

Música escolhida por: Isabelle Simões

28 de setembro é o dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe e o presente que o legislativo brasileiro quer dar às mulheres neste mês é a proibição do aborto até mesmo nos casos já permitidos em lei. No mesmo dia também é lembrada a Lei do Ventre Livre, que foi promulgada no dia 28 de setembro em 1871, e considerava livres todos os filhos de mulheres negras escravizadas no Brasil.

Visando ocupar as redes sociais para ampliar e aprofundar o debate, além de incentivar a mobilização feminista para atos de ruas em resposta ao ultraconservadorismo, durante todo o dia 27 de setembro ocorreu a II Virada Feminista Online #PrecisamosFalarSobreAborto. Você pode conferir todo o conteúdo publicado neste link, onde ocorreu, inclusive, transmissões ao vivo com convidadas de outros países. 

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