[+18] Primeiras Vezes: erotismo através do protagonismo

[+18] Primeiras Vezes: erotismo através do protagonismo

Publicado pela primeira vez na França em 2008 sob o título Premières Fois, Primeiras Vezes chegou em terras brasileiras em 2015 através da Editora Nemo. Com roteiro de Sibylline, o quadrinho traz traços de grandes nomes da HQ francesa em suas dez narrativas curtas sobre a “primeira vez”, retratadas do ponto de vista feminino.

Aviso: o conteúdo abaixo pode mostrar-se sensível para menores de 18 anos por apresentar conteúdo sexual, além de poder conter spoilers.

“Carnal, sensual, brutal, terno, obsessivo, solitário, soft…O sexo reúne uma gama infinita de primeiras vezes. Eis aqui dez exemplos.”

Com histórias diversas, desde a primeira relação sexual até a primeira vez num sex shop, primeiro fetiche realizado, primeiro swing e até mesmo a primeira vez de uma boneca inflável, a HQ, embora com uma proposta aparentemente feminista – intencional ou não – mostra-se igualmente falho e assertivo nesse quesito. Acompanhe a resenha capítulo por capítulo:

Primeiras Vezes

1. Primeira Vez

História-abertura da HQ, relata a primeira transa da personagem através de uma conversa pós-sexo com o seu parceiro. A narrativa encanta por sua sutileza, delicadeza da ilustração – essa creditada à Alfred – e surpresa causada pelo desfecho, que prova que é possível sim sexualidade e romantismo serem igualmente dosados numa relação, além de levantar um medo feminino muito comum.

2. Sex Shop

Ilustrada por Capucine, a personagem nos faz acompanhá-la por sua primeira experiência numa sex shop e com um brinquedo erótico. Em nosso papel de leitor e voyeur das histórias, descobrimos alguns métodos de masturbação feminina e nos identificamos com a ansiedade da personagem: será que as pessoas na rua estão percebendo a intenção dela? será que todos na sex shop estão olhando-a?. Merece destaque por retratar o poder da imaginação e a afirmação de que prazer também pode ser obtido sem a necessidade de outra pessoa.

3. Fantasia

Mulheres também tem fantasias sexuais: a terceira história da HQ traz um debate importante. Retratando a realização de um desejo sexual na arte de Jérôme d’Auviau, assistimos a preparação da personagem para o ato até a consumação da roleplay (interpretação de papéis). Mais uma vez nos deparamos com o ideal de cumplicidade num relacionamento.

4. 1+1

Amigas, Aline e Lili vão para um bar e após diversos mojitos acabam passando a noite juntas, configurando assim a primeira experiência lésbica da segunda personagem. Apaixonada, Lili passa dias pensando em Aline, que infelizmente acaba não correspondendo as expectativas. A arte fica por conta de Virginie Augustin.

5. 2+1

“Todos nós escolhemos nos parecer com clichês que conhecemos…” é uma das frases de destaque da história ilustrada por Vince. Num quarto do nono andar, no “nono céu”, a personagem torna-se cúmplice do marido na missão de fazer sua esposa obter o máximo de prazer possível – fato que nessa história concebe-se à pedido da parceira, interessante numa sociedade que propaga o estereótipo de que o ménage à trois é um tabu gerado pelo lado feminino da relação.

6. Inerte

De longe, a história mais impactante da edição, “Inerte” retrata a primeira vez da perspectiva de uma boneca inflável: sua retirada da caixa, seu dono experimentando e se apropriando de seu “corpo”, o comportamento totalmente desumano com o qual ele a trata e os pensamentos da boneca quanto à isso, revelando assim verdades cruas sobre o homem que a comprou. No traço de Rica, nos deparamos com diversos machismos e a crueldade do homem. “Os excessos são bons quando partilhados, não quando sofridos.”.

7. Swing

Um casal experiencia o despudor de uma casa de swing – ou casa de orgia – pela primeira vez, ilustrados a partir da imaginação de Olivier Vatine. Logo no início o parceiro é levado por outra mulher e a personagem se torna mais voyeur dos acontecimento do que participante ativa, consequência de sua timidez perante à situação. Enquanto recebe sexo oral de outro homem, ela assiste à mulher ser tocada por seu parceiro e diversos outros homens – escolhidos pela mesma – e promete para si mesma: “mas da próxima vez…ela…vou se eu.”.

8. Submissão

Aqui temos o primeiro contato da personagem com práticas da cultura BDSM (bondage + disciplina, dominação + submissão, sado + masoquismo) através de seu encontro com um homem até então pouco conhecido por ela e que passa a ser seu dominador. No traço de Cyril Pedrosa acompanhamos o afloramento daquele lado sexual, até então resguardado, desde a primeira transa até o desenvolvimento de uma relação afetiva entre submissa e dominador.

9. Sodomia

Mais uma história que traz um tabu cuja discussão deve ser realizada por se tratar de um assunto carregado de estereótipos e machismos: homens também sentem prazer anal. A personagem adquire um strap on (cintaralho) e junto à ela esperamos que seu companheiro chegue em casa para que o novo acessório seja utilizado, mais uma vez abordando a cumplicidade entre casal, com ilustração na arte de Dominique Bertail.

10. X-Rated 

Com um dos traços mais diferentes do volume, Dave McKean desenha uma situação que se inicia com o parceiro se masturbando ao assistir pornô e desenvolve-se para sua parceira juntando-se à ele após acordar com o barulho da televisão, o ato sexual entre os dois e termina com uma inversão de papéis: a transa termina, o homem vai dormir e dessa vez quem se toca perante o vídeo é a mulher. Destaque para ausência de falas e as imagens quase que realistas inseridas.

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Primeiras Vezes
“Conta…Como foi a sua primeira vez?” | Imagem: Amazon France (Divulgação)

O objetivo da autora é oferecer um ponto de vista feminino ao universo sexual, reafirmando o papel da mulher como detentora de desejos e responsável por suas ações, quase como um manifesto à favor da liberdade sexual feminina e também escancara alguns machismos e tabus que muitos se negam a ver: seja a violência com a qual a boneca de “Inerte” é tratada por seu dono – que revela qual tratamento ele daria à mulheres reais caso assim o fosse permitido – seja no prazer anal obtido pelo parceiro da personagem de “Sodomia”. Todas as mulheres apresentadas em Primeiras Vezes são fortes e sabem o que quer, fazendo com que o leitor sinta-se privilegiado por obter acesso à sua vida, suas ações e pensamentos.

Apesar de todos os pontos positivos e da identificação que pode ser sentida por mulheres que o lerem, o livro torna-se falho quando percebemos que 7 das 10 experiências vivenciadas envolvem relação afetiva entre os participantes – em sua maioria são casais héteros num relacionamento estável. As únicas histórias que fogem desse padrão são “Sex Shop”, cuja relação é entre a mulher e seu sex toy; “1+1” única história com interação totalmente lésbica que teve um desfecho consideravelmente triste e “Inerte”, com a boneca inflável e seu dono.

Mesmo em “2+1”, que se trata de um ménage à trois, a personagem é contratada por um casal para o ato. Embora todas as narrativas envolvam mulheres se descobrindo sexualmente e partindo para uma liberdade, há a presença masculina como uma espécie de “porto seguro”, que abre espaço para a interpretação de que a mulher pode, mas que seja com um amigo/namorado/esposo – o que não é problema algum, desde que exista a consciência de que nem toda mulher precisa de um relacionamento com alguém para fazer o que bem entender.

Primeiras Vezes, apesar de tudo, é um ótimo pedido para mulheres que se encontram em relacionamentos e não esqueceram de que mesmo na cama é a igualdade sexual que dita as regras.


Primeiras Vezes

Primeiras Vezes

Sibillyne

Editora Nemo

112 páginas

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Estudante de Produção Cultural, social media na Cérebro Surdo Produções e colunista no portal Timbre. Também proprietária das melhores fotografias em cafés.
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