[MOSTRA DE SP] Balanço do Dia: “Pororoca”, “A Filha” e “Custódia”

[MOSTRA DE SP] Balanço do Dia: “Pororoca”, “A Filha” e “Custódia”

O Balanço do Dia do Delirium Nerd na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo conta com três filmes cuja temática tem enfoque em crianças para abarcar temas extremamente complexos. São eles: o romeno Pororoca, dirigido por Constantin Popescu, o alemão A Filha, primeiro longa-metragem da diretora Mascha Schilinski e o francês Custódia, filme de estreia do francês Xavier Legrand.

Balanço do Dia
Pororoca, de Constantin Popescu

Pororoca (idem, no original), dirigido pelo romeno Constantin Popescu, é um filme bastante complexo e extremamente ousado em termos de estilo. Logo nos minutos inicias, vê-se um longuíssimo plano sequência em que a câmera segue o protagonista e seus casal de filhos indo ao parque numa manhã ensolada.

Tudor Ionescu (Bogdan Dumitrache) se distrai ao falar ao telefone quando, de repente, sua filha Maria, de 5 anos de idade, desaparece. A direção de fotografia de Liviu Marghidan merece ser ressaltada. Toda a tensão dessa cena em que Tudor percorre o parque em busca de Maria vem principalmente da câmera na mão colocar o espectador junto ao ator numa correria frenética. O quadro fica sempre restrito ao que o ator observa, quase como se fizéssemos parte da mise-èn-scene.

Aliado ao apuro estético para conduzir a narrativa deste roteiro, que também é assinado por Constantin Popercu, tem-se a atuação fenomenal de Bogdan Dumitrache que lhe rendeu o Prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastián. Bogdan já havia se destacado no premiado Instinto Materno, de Cãlin Peter Netzer, outro potente drama familiar romeno.

Com um trabalho de som perturbador, o drama vai ganhando ares de thriller policial alcançando o clímax na cena final que novamente utiliza o recurso do plano sequência, imprimindo uma das cenas finais mais perturbadoras do ano.

Balanço do Dia
A Filha, de Mascha Schilinski

A Filha (Dark Blue Girl), escrito e dirigido pela estreante alemã Mascha Schilinski, é um potente drama alemão sobre separação dos pais do ponto de vista de uma menina de 7 anos de idade. Apesar da atmosfera naturalista do filme, há inúmeros momentos em que elementos de cinema fantástico são inseridos na narrativa para emular o universo lírico que as crianças criam para enfrentar seus problemas.

A direção de atores é algo que merece ser ressaltado. As mudanças de humor que a pequena Luca (Helena Zengel) exprime, alternando momentos de docilidade com explosões de raiva extrema, vão dando o tom da narrativa que se apoia nos sentimentos da menina para traçar o retrato de uma família em (re)construção.

Após dois anos de separação, Jimmy (Karsten Antonio Mielke) e Hannah (Artemis Chalkidou) decidem voltar à antiga casa de veraneio para reformá-la e vendê-la. Nesta viagem, o inesperado acontece e a chama da paixão reacende. Luca não consegue lidar com essa reaproximação dos pais e faz de tudo para separá-los. Os conflitos com a mãe são violentos e uma atmosfera de horror se instaura.

Um filme denso, extremamente bem conduzido, que utiliza uma trilha marcante a fim de construir uma narrativa que flutua entre o onírico e o horror para desenvolver de forma inovadora um argumento que já foi visto em diversos filmes.   

Balanço do Dia
Custódia, de Xavier Legrand

A violência doméstica faz parte do cotidiano de inúmeras mulheres ao redor do mundo nas mais diversas culturas. Custódia (Jusqu’a à la garde), escrito e dirigido pelo francês Xavier Legrand, trata deste tema ao colocar em perspectiva o ponto de vista do jovem Julien (Thomas Gioria) que está tendo a guarda disputada pelos pais.

O que num primeiro momento se apresenta como uma disputa pelo amor do filho, logo em seguida vai dando lugar ao que de fato se trata: poder dos homens sobre as mulheres. Antoine (Denis Ménochet) vai desvelando sua verdadeira personalidade logo na primeira visita que faz ao filho. A disputa no Tribunal nunca foi sobre poder estar com o menino, mas simplesmente continuar a ter acesso a vida de Miriam (Léa Drucker) sua ex-esposa.

A narrativa vai se adensando a medida que o filme avança, esmiuçando o roteiro que deixa várias lacunas que podem ser preenchidas pelo espectador. Afinal, quem nunca ouviu uma história de violência similar à apresentada no filme? Os números de feminicídio no nosso país são altíssimos. O Brasil registrou ao menos oito casos de feminicídio por dia entre março de 2016 e março de 2017, segundo dados dos Ministérios Públicos estaduais, totalizando 2.925 mortes.

O filme vai ficando claustrofóbico com um desfecho perturbador construído de forma crua, sem jamais apelar para o melodrama. O enfoque não é nos protagonistas, mas sim nessa relação opressora de uma homem que considera a ex-esposa sua propriedade. Custódia foi o vencedor do Prêmio de melhor direção e de melhor primeiro filme no Festival de Veneza.

Para ver os horários de exibição dos filmes, acesse o site da Mostra.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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