[OPINIÃO] Se o Grammys quer falar #MeToo e #TimesUp, eles têm que tratar da questão da objetificação

[OPINIÃO] Se o Grammys quer falar #MeToo e #TimesUp, eles têm que tratar da questão da objetificação

No último domingo, uma quantidade de mulheres vestiram rosas brancas na premiação dos Grammys em solidariedade à campanha “Time’s Up” (O tempo acabou). Janelle Monae introduziu a poderosa apresentação de Kesha cantando “Praying,” uma música sobre sua luta contra seu abusador, Dr Luke, dizendo, “Eu me sinto orgulhosa de estar ao lado não só de uma artista, mas uma jovem mulher que junto com minhas irmãs nesse palco, constituem a indústria da música.” Monae acrescentou:

Nós viemos em paz, mas nós queremos falar de coisas sérias. E para aqueles que se atrevem a nos silenciar, nós oferecemos duas palavras: “Tempo acabou”. Nós dizemos que ‘o tempo acabou’ para a desigualdade salarial; o tempo da discriminação acabou, o tempo do abuso e de qualquer forma de violência acabou. E o tempo acabou para o abuso de poder — porque, perceba, isso não está acontecendo só em Hollywood; Não acontece só em Washington. Está dentro da nossa indústria também.

A noite não foi vazia de mensagens que desafiassem o sexismo, mas levando em conta “aquela coisa” que ainda domina a cultura pop, essas mensagens não encontram muito eco. “Essa coisa”, é claro, é a objetificação.

As palavras de Monae e a música de Kesha estavam em forte contraste com as imagens objetificadas de mulheres apresentadas na performance de Luis Fonsi e Daddy Yankee’s de “Despacito.” Ver dois homens completamente vestidos serem rodeados por mulheres semi-nuas que dançam sensualmente é parte do curso da indústria da música. Mas se nós realmente queremos acabar com os tratamentos sexistas que as mulheres enfrentam na música, a objetificação das mulheres precisa acabar.

A sutileza das rosas brancas significam pouco em uma indústria que ampliou seu foco em corpos femininos sexualizados nas últimas décadas. De Robin Thicke’s com sua “Blurred Lines” até a celebração de clubes de strip no clipe “Partition,” de Beyoncé, o problema do sexismo na indústria da música vai além da questão da representatividade desigual (ainda assim, mulheres ganharam apenas 11 dos 84 prêmios concedidos pelo Grammy esse ano) e do abuso e assédio que atinge as mulheres em todos os lugares.

A grande ironia da indústria da música é que os corpos femininos são usados para a obtenção de lucro — para vender músicas de homens e mulheres sem distinção — mas mulheres verdadeiras que ocupam esses corpos são ainda incrivelmente marginalizadas na indústria. Lady Gaga, Kesha, e Lana Del Rey foram nomeadas para o prêmio de Melhor Vocal, em álbum de música Pop esse ano, mas o Grammy foi para o homem mais entediante já nascido, Ed Sheeran. Para ser honesta, eu penso que a maioria das músicas Pop são dolorosamente enfadonhas, mas de alguma forma os homens ainda dominam esse meio, mesmo sem possuir biquínis dourados e habilidades de pole dance.

Um estudo encabeçado por Stacey L. Smith, uma professora associada da Universidade do Sul da Califórnia e fundadora do Annenberg Inclusion Initiative, observou as 600 músicas do top das paradas entre 2012 e 2017, e descobriu que apenas 22.4 por cento dos 1,239 artista eram mulheres. Além disso, somente 12.3 por cento dos 2.767 compositores creditados nessas canções eram mulheres, e Ben Sisiro do The New York Times reparou que as produtoras mulheres contabilizam apenas 2 por cento em uma sequência de 300 músicas desse mesmo período. Das 899 pessoas que foram nomeadas na últimas seis cerimônias do Grammy, 9,3 por cento eram mulheres.

O fato de estarmos assistindo mulheres praticamente nuas “compondo” a performance dos homens, em uma cerimônia que já é por si só uma representação da supremacia masculina, só nos mostra o quanto ainda nos falta conquistar. Qual é o propósito de tudo isso, honestamente, se nós continuamos a aceitar mulheres como objetos e mercadorias — sem validade a não ser que estejam excitando os homens?

Se voltarmos às raízes de tudo isso, devemos entender que mulheres são tratadas como inferiores em grande parte porque fomos reduzidas a ferramentas para o uso dos homens. Nós existimos para nos reproduzir para os homens, para cuidar dos homens como esposas, para fornecer prazer sexual aos homens e para vender produtos a eles. Quando colocamos mulheres nuas ou semi-nuas ao lado de homens, isso serve para reforçar o status de poder desses homens. Esses homens se beneficiam do uso do corpo das mulheres (que são descartáveis — apenas corpos, afinal de contas) e do status delas de objetos sexuais. Transferindo essa ideia para o movimento #MeToo, ele têm denunciado homens quase diariamente e os responsabilizado por tratarem mulheres exatamente da forma que foram ensinados pela cultura pop, pela indústria do sexo, e é claro, pela indústria da música.

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Não é apenas de representação que precisamos. Nem de apenas nomear e culpar homens abusivos. Não é de apenas performances poderosas. Enquanto áreas como a indústria da música continuar a representar mulheres como objetos sexualizados, nossa cultura nunca vai ter sucesso em confrontar questões como o assédio sexual e o estupro. Enquanto estivermos glorificando clubes de strip — lugares que os homens vão para não ter que tratar mulheres como seres humanos completos, lugares que lhes dizem, “Sim, essas mulheres estão aqui pra você” — nós vamos continuar a replicar a mesma dinâmica que levou as mulheres a experimentar muitos de seus momentos #MeToo. Esse imaginário não vende apenas música, ele vende misoginia. Uma responsabilidade real demandaria que nós olhássemos além do homem individual e em direção a uma mudança cultural.

Texto escrito por Meghan Murphy para o site Feminist Current, com tradução de Mariana Amaral, publicado originalmente em QG Feminista.

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