Lady Bird – É hora de voar: mais do mesmo sabor tutti-frutti

Lady Bird – É hora de voar: mais do mesmo sabor tutti-frutti

Lady Bird, que em português ganhou o subtítulo de É hora de voar, que mais parece uma tentativa pouco criativa de resumir a trama, é a estreia solo na direção de Greta Gerwig, atriz e roteirista (ao lado de Noah Baumbach) do queridinho cult Frances Ha. O enredo tem por foco o cotidiano de Christine, que se autointitula “Lady Bird”, uma adolescente que vive os últimos meses do segundo grau, antes da entrada na legitimação do mundo adulto e da suposta libertação da universidade.

Se o filme ganha a simpatia do espectador com uma primeira sequência bastante boa, trata-se de um momento inspirado de um roteiro fraquíssimo, que mais parece uma colagem dos clichês próprios aos filmes de formação que têm por foco o fim da adolescência. A sensação é de que já vimos isso antes, e já vimos de forma mais bem acabada. Numa reunião com amigos críticos, chegamos em apenas 5 minutos a mais de dez títulos que executam muito melhor essa mesma linha narrativa básica, dos quais destaco Califórnia, por ser um longa bastante recente (2015), brasileiro, também semiautobiográfico e dirigido por uma mulher (Marina Person).

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O roteiro de Lady Bird, centrado nas experiências bastante mundanas da protagonista com familiares e colegas de colégio, é episódico e fragmentário, o que não seria um problema, houvesse alguma coesão narrativa ou desenvolvimento coerente dos personagens. Em vez disso, o que tem lugar é um encadeamento acelerado de acontecimentos (em geral, desinteressantes) recheados de diálogos requentados: a conversa entre amigas sobre sexo e orgasmo; os interesses amorosos e as eventuais decepções; a insegurança em relação ao grupo dos alunos populares; os problemas de autoestima. Todas essas situações dramáticas, apesar de não serem novidade alguma, poderiam ser melhor trabalhadas, mas elas se sucedem em tal ritmo que a sensação é de estarmos diante de uma minissérie condensada para o tempo de um longa-metragem.

Lady Bird

A cadência descompensada não parece respeitar nem o tempo emocional dos personagens (crucial numa narrativa com poucos acontecimentos marcantes e – presumivelmente – mais transformações internas) nem o processo necessário para suscitar o engajamento do espectador com os dramas da protagonista. Esses dramas, aliás, se resumem a um conjunto dos chamados white people problems, o que talvez não fosse completamente decepcionante, caso a trama conseguisse transmitir com visceralidade o peso dessas questões para uma jovem ou problematizasse seu cunho individual(ista) e egocêntrico. Ao contrário, a protagonista emerge como uma menina mimada, fútil, reclamona, autocentrada e francamente entediante, tornando difícil a identificação numa narrativa que claramente tenciona construir esse laço.

Em realidade, o filme parece postular que Christine é uma adolescente comum, quase afirmando que suas muitas falhas de caráter seriam apenas traço da imaturidade típica dos 17 anos. Assim, se a moça é incapaz de reconhecer os esforços da mãe, que trabalha longas horas sem descanso para pagar-lhe uma boa escola, ou a depressão crônica do pai; se ataca o irmão num surto racista; se trata a melhor amiga como uma peça descartável, esses comportamentos não são postos em perspectiva ou debatidos de forma aprofundada, o que prejudica o investimento emocional do público. De maneira similar, também as viradas do arco dramático que ela segue parecem abruptas e injustificadas, uma vez que não há quaisquer sequências que expliquem satisfatoriamente a transformação da adolescente.

A falta de tridimensionalidade de Christine é patente: além da vontade de deixar Sacramento ou de um vago talento para as artes dramáticas, prontamente abandonado em prol da companhia do grupo mais popular do colégio, a jovem não nutre quaisquer interesses ou desejos palpáveis. Na pele da personagem-título, a atuação da talentosa Saoirse Ronan é prejudicada por esses fatores.

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Se com Lady Bird, Gerwig conseguiu o incrível feito de ser a quinta mulher em noventa anos a ser indicada ao Oscar de Melhor Direção, ela escorrega bastante no trabalho tanto com os atores (por conta do ritmo por demais entrecortado e acelerado das sequências), quanto na escolha pouco inventiva dos planos. Também o uso da igreja como cenário-chave para o desfecho parece dar ao filme uma leitura religiosa e moralista que não combina com os demais elementos.

Lady Bird

Apesar disso, Lady Bird conserva algum rigor estético, especialmente nas tomadas que mostram os personagens inseridos no cenário das ruas e dos pontos turísticos de Sacramento, que a diretora parece conhecer como a palma de sua mão. Outro ponto positivo é a atuação de Laurie Metcalf, indicada ao Oscar, que rouba a cena no papel da mãe a ponto de desviar o interesse do público para os seus dramas (esses sim, muito mais interessantes). Há ainda alguns breves momentos de sensibilidade que se destacam, como o confronto entre a personagem central e um ex-interesse amoroso.

Lady Bird é aquele filme que todas nós adoraríamos amar. Um filme dirigido, escrito e protagonizado por mulheres que conseguiu quebrar barreiras – e eis aí a sua importância. Infelizmente, a força de seu impacto parece ignorar a extensão de seus problemas. No fim, o gosto é de mais do mesmo sabor de balinha tutti-frutti.

Lady Bird estreia hoje, 15 de fevereiro, nos cinemas.

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Formada em Cinema, doutora em Literatura Comparada, faz parte do coletivo de mulheres críticas de cinema Elviras e é uma das apresentadoras do vlog A Lente Escarlate. Em 2015, lançou Olhar o mar: Woody Allen e Philip Roth - a exigência da morte (editora Verve).
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