7 motivos para ler “Uma Dobra No Tempo” antes do filme

7 motivos para ler “Uma Dobra No Tempo” antes do filme

Agora não há ninguém para me salvar. Eu mesma vou me salvar“. Há alguns anos seria difícil encontrar tantos livros que desenvolvessem histórias de mulheres ligadas à ciência. E apesar do aumento considerável de obras que tentam sair do estereótipo caseiro da feminilidade, ainda se verifica resistência da indústria do entretenimento. Publicado originalmente em 1962, Uma Dobra no Tempo traçou uma ruptura na literatura. Não apenas trouxe uma menina como protagonista, como inseriu na literatura infantil elementos da ciência moderna. O livro enfrentou sérios obstáculos para chegar ao público. Não era comum que livros infantis explorassem tanto a reflexões da sociedade contemporânea.

De fato, pode ser um pouco confuso explicar para uma criança a lógica das viagens interdimensionais, embasadas nas teorias de físicos como Fred Hoyle. Ainda era o tempo em que se acreditava que crianças careciam de histórias de contos fadas, fábulas e enredos simplificados. Eis, então, que surge uma mulher audaciosa, com uma proposta controversa. Um voto de confiança na capacidade de Madeleine L’Engle nos traz a este momento, a algumas semanas de adaptação que desperta grandes expectativas. Mas será que a obra condiz com o que se espera?

1. Mulheres escritoras e inovadoras

Uma Dobra no Tempo deveria conquistar leitoras antes mesmo do desenvolvimento da narrativa. Escrito na década de 60, é obra de uma mulher que, mesmo tendo abandonado a carreira temporariamente em função da família, apostou na sua originalidade. Madeleine L’Engle, acostumada ao ritmo enérgico de Nova York, mudou-se para uma pequena cidade rural após casada. Foi ali que a ideia para sua grande se desenvolveu, em meio às rotinas mais calmas e às noções de ciência que adquiria em seu tempo livre.

Durante anos, o livro foi recusado pelas editoras. Afirmavam que a obra era complexa demais para o público alvo. Questiona-se se as mesmas barreiras seriam impostas na eventualidade de um autor masculino. É provável que, pelo contrário, afirmassem ser genial incluir crianças nas reflexões modernas. Uma Dobra no Tempo, contudo, não desistiu. E um dia sua capacidade foi reconhecida.

A autora teve que realizar modificações para atender às necessidades editoriais. Ainda assim, foi uma aposta grande. Uma menina brincando com a ciência como protagonista na década de 60 e uma autoria que incluía uma geração nas teorias científicas pareciam uma audácia. Mas logo cativaram um público que já clamava por modificações – e novas visões de mundo.

A nova edição do livro, publicada pela Harper Collins, inclui o discurso de agradecimento de Madeleine L’Engle pela Medalha Newbery e um posfácio da neta da autora, através dos quais é possível ter maior conhecimento acerca do contexto da obra.

Madeleine L'Engle

2. Meninas podem trabalhar com ciência

Margaret Murry é uma adolescente, filha de um casal de cientistas. Embora não se destaque na escola, Margaret sonha em ser tão inteligente quanto sua a mãe. A cientista trabalha junto ao marido em teorias sobre viagem interdimensionais. Juntos, chegam ao conceito de tesserato – um hipercubo teórico de quatro dimensões. Mas quando seu marido some misteriosamente, ela precisa cuidar dos quatro filhos sozinha, além de enfrentar uma sociedade que a coloca como como mulher abandonada e trocada.

A teoria do tesserato pode parecer complicada inclusive para os adultos. Por esse motivo, é parcialmente compreensível o receio que algumas editoras possuíssem em relação ao livro. No entanto, Madeleine L’Engle tenta ser didática. Inclui desenhos e explicações simplificadas. Afinal, nem mesmo sua protagonista possuía esse conhecimento antes da narrativa se iniciar.

A teoria desenvolvida pelo casal conduzirá a trama de Uma Dobra no Tempo. Margaret precisará compreender o que sua mãe passou aos filhos para assimilar o que acontece à sua volta e assim resgatar seu pai de um poderoso inimigo.

3. Meninas não precisam ser comparadas

Justamente pelo desempenho de sua mãe, Margaret Murry sofre em não atingir as expectativas. Na escola, apresenta problemas de aprendizado. Sente-se inadequada, embora sua mãe tente lhe explicar que é apenas seu modo de compreender o mundo. A padronização imposta socialmente gera já em indivíduo em fase de amadurecimento o descontentamento com as suas “inadequadas” peculiaridades. E isto se agrava ainda mais quando envolve a figura da feminilidade.

Mulheres devem ser belas. Mulheres devem ser apaixonadas e apaixonantes. E os padrões modernos ainda inserem, no estereótipo da perfeição, a inteligência. Assim, mulheres devem conciliar beleza, família e profissão, sem chances para erros. Ao mínimo desvio do padrão, mulheres são equiparadas umas às outras em comparações acusatórias. O diferente é vislumbrado como falha de um sistema, o qual falha por si mesmo. E contra esse sistema a história se desenvolve.

4. Meninas não precisam ser perfeitas

Margaret Murry representa aquelas meninas que não conseguem se enxergar no padrão. Como qualquer adolescente, ela é ainda atormentada pelo anseio de pertencer à massa. Gostaria de se destacar na escola, gostaria de ser delicada, gostaria de ser como todas as meninas de sua idade. E talvez ela seja. Sua grande jornada, então, é aceitar suas falhas. E compreender que são as falhas que impulsionam as vitórias.

Enquanto os homens são ensinados desde sempre que suas falhas – sociais, estéticas ou intelectuais – podem torná-los maiores – vide o estereótipo do homem geek que ganha força com a experiência de homens como Bill Gates -, as mulheres são ensinadas que suas falhas as colocam muito atrás numa imaginária e imposta rivalidade. Em Uma Dobra no Tempo, enquanto Margaret torna-se uma insegura adolescente, seu irmão Charles Wallace torna-se arrogante na presunção de sua inteligência, apesar do preconceito que enfrenta.

Percebe-se, então, a diferença do tratamento conferido pelo gênero, embora a autora não explicite isso na obra. No entanto, Madeleine L’Engle, de fato, coloca a arrogância do ainda jovem Charles Wallace como um de seus obstáculos. Confiante em suas capacidades, o menino cega-se para o poder do inimigo. E cabe a Margaret, mesmo em sua insegurança, enfrentar a corrupção do mundo. Afinal, não é preciso ter nascido grande para se protagonizar histórias.

Uma Dobra no Tempo

5. Meninas podem ser inspiradas por outras mulheres

Enquanto livros infantis populares como Alice no País dos Maravilhas apresentam homens como inspiração para o amadurecimento de jovens meninas, Uma Dobra no Tempo apresenta três irreverentes mulheres. A jornada de Margaret Murry começa com o surgimento das senhoras Quequeé, Quem e Qual. As três misteriosas e mágicas mulheres oferecem a Margaret, Charles Wallace e seu amigo Calvin, a sabedoria e ajuda necessária para que o trio complete sua missão. Por meio de seu auxílio, os três viajam através de diferentes dimensões em busca do pai e do inimigo que precisa ser enfrentado.

Em Uma Dobra no Tempo, as três são descritas com tendo escolhido a aparência de bruxas. No entanto, esta é apenas uma forma arbitrária. Em alguns momentos, assumem formas assexuadas ou masculinizadas. Já no filme, a figura das três senhoras é alterada. As personagens ainda ganham caracterizações estranhas ao padrão, mas as formas com que se vestem ou as figuras em que se transformam rompem com a ideia de que mulheres poderosas possuem aparências assustadoras – o estereótipo das bruxas.

Uma Dobra no Tempo

6. Um mundo sistematizado

Não apenas discussões sobre a representação feminina podem ser levantadas pela leitura da obra. Madeleine L’ Engle utiliza a ciência para discutir questões morais em um mundo sistematizado. Aborda a automatização da vida, que cada vez mais é dominada pela compulsão de padrões. Discute a liberdade diante das imposições morais e o preconceito com as diferenças.

Em um mundo padronizado, a apatia se instaura. Os seres humanos tornam-se cegos para a sua própria essência. E os que se rebelam são julgados e torturados. Ao fim, ou se partem pela insistência da força dominante – tornam-se como cegos zumbis conforme o livro. Ou são isolados até que desistam da luta.

O inimigo, é uma força ditadora, por meio da qual a autora opões as forças do bem e as forças do mal. As referências conduzem a uma interpretação de que a autora pode privilegiar a religião católica em sua crítica ao sistema. Talvez parte seja influência da sua participação em atividades na comunidade religiosa. Contudo, ela deixa claro que sua intenção era mais discutir as implicações éticas universais do que propagar os ensinamentos de um grupo religioso.

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7. Uma adaptação promissora

A adaptação do livro está prevista para o final de março deste ano. O roteiro é assinado por Jennifer Lee, e a direção fica a cargo de Ava DuVernay – a primeira diretora negra a ser nomeada para o Globo de Ouro de melhor direção (com Middle of Nowhere) e a primeira a ter seu filme indicado para o Oscar de melhor filme (com Selma). No elenco, nomes como Oprah Winfrey, Reese Whiterspoon e Mindy Kaling.

O filme conta com uma equipe de mulheres impactantes e com diversidade. Uma obra sobre a luta entre o bem e o mal em um mundo dominado pela padronização não poderia ser diferente. E o ponto mais alto da adaptação é a escolha de uma protagonista negra, interpretada por Storm Reid. No livro, a protagonista é branca. Entretanto, nada na obra impede que a história seja vivida por uma menina negra. Inclusive é ainda mais significativo, dadas as imposições e os preconceitos vivenciados pelos negros, e a necessidade de representatividade.

Pelo trailer, outras modificações foram realizadas além da caracterização da protagonistas e das senhoras Quequeé, Quem e Qual. Nada, contudo, parece interferir na mensagem da obra. E tudo leva a crer que será um filme mágico, visualmente bonito e com uma discussão interessante, apesar de voltado para o público infantil.

Uma Dobra no Tempo faz parte de uma série de cinco livros. No Brasil, também foi publicado o segundo volume, Um Vento à Porta. Há também continuações sobre a vida adulta de Margaret, as quais foram alvo de críticas feministas. Em defesa de suas escolhas, Madeleine L’ Engle evoca o discurso da liberdade de escolha das mulheres, ainda que seja a reprodução de um padrão. Porém, não é possível emitir uma opinião sem ler a obra, e isto não exclui os pontos positivos da obra analisada.

Sobre a adaptação, a diretora Ava DuVernay comentou em entrevista: “Este é um filme feliz em tempos obscuros.


Uma Dobra no TempoUma Dobra no Tempo

Madeleine L’Engle

Editora Harper Collins

240 páginas

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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