[COBERTURA] No Gods No Masters Fest: 3 dias “cultivando resistência” em novo espaço

[COBERTURA] No Gods No Masters Fest: 3 dias “cultivando resistência” em novo espaço

No Gods No Masters de 2018, rolou muita troca de experiências, construção de (auto)conhecimento, respeito mútuo, conversas e empoderamento. 

A Semente Negra, como é chamada a casa que abriga o No Gods No Masters Fest desde 2016, ganhou um novo endereço para a 3ª edição do evento: um sítio na cidade de Peruíbe, litoral sul do estado de São Paulo, em meio a mata atlântica, nas proximidades da Reserva Ecológica Juréia Itatins.

O espaço é grande, então deu para acomodar todas as barracas por lá mesmo – diferente dos outros anos, em que a galera acampava na praia. Foram três dias de festival (30 e 31 de março e 1º de abril) e também de convivência intensa: acordar juntos, tomar café da manhã juntos, almoçar juntos, participar das oficinas e debates juntos, assistir aos shows juntos… E tudo isso ao maior estilo faça-você-mesmo!

No Gods No Masters
Plaquinha com o aviso logo na entrada; respeito mútuo não inclui só seres humanos, fauna e flora estão incluídas. Foto/crédito: Bárbara Alcântara

Com dezessete bandas, quinze rodas de debate, doze oficinas, banquinhas com zines, artes expostas, flash tattoo , cozinha 100% vegana e artesanal e, infelizmente, alguns problemas estruturais (não passou um dia sem chover!), o NGNM atingiu com excelência a proposta oferecida:

“[proporcionar] um momento de encontro, onde vivenciaremos dias de inspiração, troca, aprendizado, diversão e conspiração, baseados em princípios de liberdade, usando ferramentas como decisões por consenso, relações horizontais, anarquismo, permacultura, música, faça você mesma, feminismo, queer, veganismo, cooperação e apoio mútuo.”

Foi bonito ver o pessoal convivendo de forma harmoniosa; cada um era responsável pela própria louça e todos cooperavam para manter o local organizado – na medida do possível, claro. Rolou um respeito bem grande em relação a oficinas e momentos que eram reservados apenas para mulheres, e teve muita discussão que veio para tirar o pessoal da zona de conforto e questionar os próprios privilégios.  

Dia 1 | 30/03

A sexta-feira já chegou daquele jeito: na manhã, debate “O Negro e o Punk/Hardcore” com Victor Garofano e Viny Rodrigues (Coletivo Sistema Negro), “Oficina de Bateria para garotas” com a Gabriela Santos que topou ajudar de última hora para cobrir a  Lary Durante (Hi Hat Girls Magazine) que não conseguiu comparecer, uma oficina de “Introdução ao Grafitti” com Veronica Nuvem e uma apresentação da Cortabrisa durante o almoço.

No período da tarde rolou a oficina “Cinema Comunitário & Criativo” com Sophia Ricci Noronha e as rodas de conversa “Cuidados e autocuidados coletivos” com Foz, “Anarquismo no século XXI” por Imprensa Marginal, Cibersegurança e antivigilância por Vulcânica e “Chega de assédio (debate aberto)”, pelo Coletivo Chega de Assédio.

O último debate rendeu tanta discussão, que o pessoal decidiu expandir e fazer mais uma roda com o tema “Masculinidades”, no dia seguinte.

No Gods No Masters
Duo “Sisters MindTrap” no palco, que deixava bem claro: “Aqui não há autoridades mas você mesma”. Foto/crédito: Ana Laura Leardini

Por volta das 17h, as primeiras bandas entraram. Untraps e  Sisters MindTrap agitaram o espaço, enquanto a galera dançava e se equilibrava – por causa da chuva, acabou formando uma lama meio escorregadia na frente do palco e a galera fazia o que podia para se manter em pé.

Escalada para fechar a noite, estava a In Venus – bem inspirada pelos debates e por todo o espírito do rolê. “É difícil encontrar um festival que tenha o mesmo tanto de mulheres e homens tocando.”, observou Cint, vocalista. “A gente consegue ver line up só com mina ou só com cara, mas dividindo assim, de igual pra igual, é muito difícil, então estamos muito felizes de fazer parte disso”.

No Gods No Masters
Dava para ver a alegria dos quatro integrantes da “In Venus” tocando no festival. Foto/crédito: Ana Laura Leardini

Faltou apenas acrescentar que, além do line up super bem equilibrado, quem estava cuidando dos equipamentos de som (sim, aquele trampo de roadie que geralmente é só cara fazendo), eram as minas! Correndo de um lado para o outro, carregando caixas de som, equipamentos, trocando cabos… Raridade, né?

A última a se apresentar, na verdade, acabou sendo a Bioma – que cedeu seu horário mais cedo à banda Sapataria, confirmada para o sábado, mas que precisou antecipar na correria já que uma das integrantes se acidentou e precisou voltar antes para São Paulo!

O nervosismo das garotas era nítido – até porque elas deixaram isso bem claro mais de uma vez – e o tempo era curto (mais bandas do que o esperado precisaram tocar no dia) mas elas não deixaram a desejar e fecharam muito bem a primeira noite, mostrando que sozinhas caminhamos bem, mas juntas muito melhor.

Dia 2 | 31/03

No segundo dia, a galera podia escolher entre “Yoga” com Aline Vendramello, logo pela manhã; o debate “Territórios e saúde pós-capitalista” com Alessandro Campos e Pedro Henrique Guerra; ou a oficina “Serigrafia em adesivos” com Leonardo Cucatti.

No Gods No Masters
O pessoal fez uns adesivos lindos na oficina de serigrafia, com os logos das bandas, e depois distribuíram para a galera que estava no evento. Foto/crédito: Bárbara Alcântara

“O conceito especista” por Vinicius Buenaventura, “Anarquismo & Ética: como superar as divergências entre os coletivos libertários?” por Antonio Carlos de Oliveira, “Caminhar para re-existir” por Felipe Arruda, e “Oficina de Fitoterapia” com Aline Vendramello e Andreza Poitena, também preencheram a programação da manhã.

Teve gente também que não optou por nenhuma e acabou indo tomar um banho de cachoeira, que ficava bem perto do sítio, já que o sol, meio envergonhado, ensaiava mostrar as caras.

À tarde rolou apresentação do duo Fabian Maddison e Josef Dobraszczyk durante o almoço, rodas de conversa sobre “Alimentação Consciente” com Coletiva Caminho Natural, “Ginecologia Autônoma e Feminista” com Bruxaria Distro, “Drogas, Prazer, Liberdade & Anarquismo” por Antonio Carlos de Oliveira, “Pode o sexo ser libertário?” com Caróu D., “Não somos todos iguais” com Bah Lutz.

À noite o palco ficou por conta de Neon Dharmas, Derrota, Better Leave Town e Bertha Lutz. Mesmo com a frente do palco ainda mais enlamaçado, ninguém ficou parado ou deixou de curtir o show de pertinho – nem mesmo Bah, vocalista da Bertha Lutz, que ainda desceu pro meio da galera pra cantar um “funk” feminista.

No Gods No Masters
Nenhum tipo de agressão seria tolerada, e não dava para dizer que não avisaram! Foto/crédito: Bárbara Alcântara

Dia 3 | 01/04

A chuva acabou atrapalhando um pouco os planos da galera, já que teve gente que ficou com a barraca alagada. Então algumas das atividades do último dia foram antecipadas um pouquinho, tipo o show (que era um dos mais esperados do dia) do Teu Pai Já Sabe?.

Mas a manhã caminhou da mesma forma: 8h café-da-manhã, 9h mais uma vez o “Yoga”, e as atividades se dividiram entre “Produtos Naturais para Higiene e Limpeza” com Coletiva Caminho Natural, “Espaços exclusivos no meio libertário?” com Brejo das Flores, “Capoeira Angola” com Edvaldo Gameth, “Você sabe o que é violência obstétrica?” com CasAurora, “Quantas cores você vê?”  por Carlos Tostes Mamá.

O almoço foi acompanhado pelo som do Samba Barbarismo, e à tarde as palestras e oficinas ficaram por conta de Alessandro Campos com “Os efeitos psicossociais do racismo”, projeto Icamiaba com “Defesa Pessoal para Mulheres” e a Coletiva Chega de Assédio, com outro debate sobre assédio, só que dessa vez fechado para mulheres e pessoas trans.

No final, subiu no palco Teu Pai Já Sabe?, mandando várias reais para a galera na plateia ao tocar em assuntos delicados para o público punk que, apesar de teoricamente desconstruído, continua reproduzindo homofobia, misoginia, racismo… Em seguida foi a vez da paulistana O Inimigo e, para finalizar, duas bandas gringas: a Ecocídio, diretamente de Buenos Aires (Argentina) e Adacta, lá da Bratislava (Eslováquia).  

Alguns problemas estruturais

É inegável que durante o festival problemas surgiram: muita lama, barracas alagando, filas colossais para usar o banheiro, poucas tomadas disponíveis, lanches acabando cedo demais, horários de oficinas, bandas e debates trocando, água caindo no equipamento de som etc.

O Fest foi muito divulgado esse ano”, explica Andreza Poitena, uma das idealizadoras do evento e do projeto, “e o sítio ainda não tá todo estruturado. A gente não esperava receber tantas pessoas.”. Para ela, a experiência foi boa para saber quais são as coisas necessárias para que o próximo ano seja ainda melhor – e eles saibam lidar bem com adversidades como chuva.

Como a intenção é que o sítio seja não só a sua casa, mas também o local oficial do festival, capaz de comportar outros eventos do tipo, a ideia é “construir mais banheiros fixos, construir algumas áreas fechadas de atividades”, e tudo nesse ano, para que esteja estruturado para o próximo ano.

E não para por aí. O intuito é que todos ajudem a construir esse espaço. No decorrer de 2018, eles pretendem começar atividades, oficinas e mutirões abertos, para que as pessoas aprendam a trabalhar com permacultura e bioconstruções, ajudando a estruturar a própria Semente Negra.  

O próprio festival acabou funcionando assim: a galera presente se ajudou e apoiou durante todo o tempo, fazendo com que, mesmo o que deu errado, terminasse muito certo – e o saldo final fosse muito positivo!

Punk, anarquismo, veganismo… afinal, o que é o No Gods No Masters Fest?

No Gods No Masters
“Enquanto você olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. Foto/crédito: Bárbara Alcântara

De acordo com o site, a No Gods No Masters é “uma distro, um selo, um ideal, uma proposta, uma estratégia… um estilo de vida”, conduzida por Josi e Andreza. Eles sempre tiveram contato com essa comunidade punk e anarquista. Tanto que são os antigos proprietários do Espaço Impróprio – que foi palco para inúmeros shows e eventos clássicos há menos de uma década.

Em algum período, decidiram não mais morar na cidade de São Paulo, mas sentiam falta de organizar esses eventos no estilo “faça-você-mesmo”, com troca de conhecimento e experiências. Foi daí que surgiu a ideia de criar o No Gods No Masters Fest, e a princípio abrir as portas de sua casa em Itanhaém (SP).

De acordo com Andreza, a proposta do festival é ser multilinguagens e ter várias frentes de luta: feminismo, veganismo, anarquismo, antirracismo etc. Principalmente, que ele seja construído em conjunto com o público – por isso eles começam a divulgar a data com antecedência, para que as pessoas enviem as suas propostas de atividades, suas bandas etc.

O que a gente nota no Fest é que às vezes a gente acaba falando de veganismo para pessoas veganas, falando de feminismo para pessoas feministas…”, lamenta Andreza. Mas esse ano, além de quase duplicar a quantidade de pessoas presentes, muita gente mandou proposta. “E isso foi muito legal porque tá somando coisas que a gente não esperava que teria; foi enriquecendo muito o fest.”  

E o saldo final é muito positivo: “a ideia é a gente poder estar aqui trocando experiência, aprendendo, para que a gente possa levar isso pro nosso mundo individual, e possa construir outras maneiras de viver e se relacionar. Tentar mudar o nosso entorno, ao menos, de alguma forma. O Fest é para inspirar as pessoas. A ideia é criar relações mais de amor, de resistência, e de por que não revolta?

Para conhecer mais sobre a proposta e ficar de olho em novidades (ou até mandar alguma sugestão de evento/atividade), é só acompanhar o site e a página do facebook deles!

Escrito por:

Feminista, bruxa e vegana. Estudante de jornalismo e de bateria. Apaixonada por gatos, filmes de terror, contracultura e roller derby. Cozinheira (e meio piadista) nas horas vagas.
Veja todos os textos
Follow Me :