Viva a Vagina: rompendo com os tabus do corpo feminino

Viva a Vagina: rompendo com os tabus do corpo feminino

Com o intuito de desmistificar o corpo feminino e conscientizar as mulheres acerca de seus corpos, Nina Broochmann e Ellen Støkken Dahl, estudantes de medicina e educadoras sexuais, tomaram a iniciativa de escrever um livro para repassar o conhecimento científico de forma acessível. Entre mitos e tabus, existe um sistema reprodutor importantíssimo. Então, Viva a Vagina!

Um corpo ou um objeto?

O corpo feminino é visto ora como máquina reprodutiva, ora como fetiche. No entanto, pouco é o incentivo na educação acerca de seu funcionamento. Para além da aparência, o corpo feminino, como qualquer corpo, é dotado de complexidade. Não é um objeto dotado apenas de funções externas, pronto para sua utilização social.

O corpo feminino possui mecanismos particulares. O livro mostra como, biologicamente, é diferente do corpo masculino. A educação promovida, porém, parece esquecer neste momento as diferenças existentes. Dedica-se a destrinchar um modelo de corpo masculino, enquanto permite que mitos sejam reproduzidos no que concerne ao corpo feminino.

Querem algo mais perigoso do que pessoas que possuem controle sobre seus corpos? A negação do conhecimento abre margem para que os outros decidam o que fazer dos corpos alheios. Quando não se conhece o próprio corpo, como negar ou confirmar uma informação ou conduta em relação a ele? Por isso, livros como Viva a Vagina são tão importantes. Nas palavras das autoras:

“É hora de dar um basta na hegemonia masculina na pesquisa científica.”

Mais conhecimento na era da internet?

É possível que alguns se perguntem acerca da necessidade de um livro como este diante do “conhecimento infinito” do Google. Afinal, hoje em dia qualquer um acha qualquer coisa na rede de busca. Não? O problema das buscas é que nem sempre os resultados oferecidos são os mais apropriados. O mecanismo de busca funciona mais por acesso do que por veracidade. E quando a cultura continua a reproduzir mitos de origem machista ou verdades do senso comum como se fossem ciência, torna-se difícil identificar o que é comprovado ou não. Ou mesmo que ainda não seja comprovado integralmente, o que possui alguma coerência.

Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl lançaram, em 2015, o blog Underlivet (termo para partes íntimas). E como mencionam na introdução ao livro, apesar da aparente saturação do tema saúde sexual, a procura no blog foi considerável e o feedback positivo. Isso revelou que o acesso concedido pela internet ainda não consegue superar o comportamento enraizado na cultura. Não obstante todos os avanços feministas, mulheres ainda continuam a desconhecer seus corpos, e se sentem inseguras diante de tantos padrões estabelecidos por uma sociedade que opta por ideais vazios. Mídia e a cultura elegem um corpo como o ideal, mas como elas bem destacam, não existe apenas um corpo. Existem corpos variados, por dentro e por fora. E todas deveríamos aprender a aceitá-los, cuidá-los e curti-los.

“As escolhas que as mulheres fazem com relação ao próprio corpo e à sexualidade fazem parte de um contexto maior: Forças culturais, religiosas e políticas querem pautar nossas escolhas, sejam ligadas a uso de preservativos, identidade de gênero ou práticas sexuais.”

De dentro para fora ou vice-versa

As autoras não pretendem conhecer mais do que conhecem. Reconhecem que são apenas estudantes, quando da publicação do livro, na tentativa de compartilhar um conhecimento restrito a alguns grupos. E assim colocam em sua obra mais do que apenas informações sobre a parte interna e a parte externa específica dos corpos femininos. Colocam também reflexões sobre os papéis delas, os biológicos e os instituídos culturalmente, em uma crítica à tradição. Segundo elas, “a medicina pode se tornar compreensível, divertida e, sobretudo, […] se pode falar das partes mais íntimas de um corpo sem um pingo de vergonha“.

Dissecam didaticamente o sistema reprodutor feminino. Apontam as partes componentes para que as leigas também tenham conhecimento dos elementos que lhes fazem parte. Muitas mulheres ainda não conhecem sequer a anatomia de seus corpos, pela falta de incentivo e pelos tabus criados em torno do corpo feminino. As próprias autoras revelam ter esclarecido muitos dos mitos enraizados apenas durante a elaboração do livro. E por que uma vagina, se não é erótica, é assombração?

Viva a Vagina
Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl

Mito, verdade, tabu

O primeiro grande questionamento do livro é a revelação de um dos maiores mitos a determinar as condutas femininas. Por que a obsessão com a virgindade feminina? Em diversas culturas, a virgindade é o símbolo da pureza. O hímen é vislumbrado como uma flor a ser concedida a um amor épico – e somente a ele, sob o risco de condenação moral da mulher. Grandes narrativas são elaboradas em torno de um conceito muito utilizado para tolher a liberdade feminina. E essas narrativas ofuscam o conhecimento do que é um hímen, de seus aspectos, e do que ocorre com ele.

Depois de “perder a virgindade”, as mulheres são acometidas pelos perigos da gravidez. E com eles surgem mais histórias, da ovulação aos métodos preventivos. As autoras questionam, por exemplo, as informações acerca dos anticoncepcionais, assunto que tem ganhado cada vez mais destaque conforme se descobrem efeitos colaterais. Seriam eles vilões ou aliados das mulheres? Diante de tudo o que se aborda, é preciso ter clareza suficiente para que a mulher tome a melhor decisão para o seu corpo e para a sua vida.

A fantasia rouba o lugar da realidade, e geralmente é uma fantasia que tende a castrar as ações da mulher. Nina e Ellen reforçam a crítica à cultura sexual que se impõe sobre os corpos femininos ao comentar que “o fato de mulheres se queixarem de nunca terem conseguido um ‘orgasmo vaginal’ mostra como a compreensão da sexualidade feminina tem sido definida pelas necessidades do homem através dos tempos“.

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Uma parte de todas as mulheres

Tudo começa pelo aparelho genital. Desde o nascimento, ele está lá, visível e invisível. Mas conforme se avança na idade, segundo as autoras, o fascínio é substituído pelo terror. Então, para que se compreenda as histórias, é preciso antes compreender a anatomia, além de ir cada vez mais adentro do corpo feminino.

Da vulva à vagina, uma descrição e também uma abordagem acerca do famoso “ponto G”. Então, analisa-se o misterioso clitóris. “Esse belo órgão foi ignorado, menosprezado e escondido por muito mais tempo do que deveria. É só depois de perceber como o clitóris se estende e envolve todas as nossas partes íntimas que entendemos a maravilha desse aparelho com que somos equipadas“. Mas a anatomia não ignora o ânus e tampouco os órgãos internos, a partir dos quais as autoras inserem outros questionamentos, como gravidez, doenças e até mesmo que chamam de “dicas cabeludas”.

Aos poucos, desconstroem o imaginário e desmistificam as secreções e a menstruação, consideradas anti-higiênicas mesmo quando dentro da normalidade. Abordam a TPM para revelar que a perspectiva de que as mulheres são “incompetentes, hormonais e indigestas” é uma tática de dominação e menosprezo machista, usada de forma incorreta do ponto de vista fisiológico. Sim, os hormônios interferem no organismo feminino, mas isso não define nem resume ninguém. Portanto, é preciso também entendê-los em suas funções.

Um corpo, porém, não é apenas um corpo isolado. Um corpo interage com outros corpos. Um corpo se relaciona sexualmente, em uma prática que não necessariamente é representada pela indústria pornográfica ou pela mídia. E as autoras reforçam a ideia de que a atividade sexual saudável e prazerosa pressupõe a aceitação do seu corpo, em sua individualidade. Por isso a defesa de que as mulheres conheçam sua anatomia, as interferências hormonais, os prós e os contras de cada método contraceptivo, dicas de como cuidar do seu corpo e de como se dar prazer e conhecimento dos que riscos a que estão sujeitas.

Viva a Vagina!

Embora a análise tenha girado em torno de reflexões levantadas pelas autoras, o livro de fato oferece muito conhecimento acerca da biologia do corpo feminino, não obstante também faz críticas e apontamentos à perspectiva cultural. Contudo é difícil resumir todos os assuntos abordados, dada a variedade da abordagem. Algumas informações são de fácil conhecimento e não apresentam novidades, mas é importante ressaltar que cada mulher experimenta uma realidade e o conhecimento de uma não pressupõe o conhecimento de todas.

O mais interessante do livro é reunir tanta informação em um único lugar e através de uma linguagem fácil, não obstante as reflexões críticas levantadas pelas autoras. Nada é muito aprofundado, pois o intuito não é produzir pesquisa científica, mas transmitir um conhecimento essencial a todas as mulheres.

Viva a Vagina tenta celebrar o corpo feminino como, acima de tudo, um corpo. O livro oferece informações sobre a anatomia, explica funções e possibilidades de órgãos e outros elementos. Aborda as doenças a que o sistema é suscetível, além de indicar tratamentos e cuidados. E tenta desconstruir uma verdade criada no cerceamento da vida das mulheres.

Através do conhecimento e da conscientização, Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl tentam devolver às mulheres o controle sobre sua sexualidade, em busca do equilíbrio na relação com seus corpos.

“Em nosso cotidiano sexualizado, às vezes pode ser fácil esquecer que o corpo é mais do que aparência e desempenho, e que um corpo nu nem sempre tem a ver com sexo. É fácil definir seu próprio valor de acordo com o que consegue na cama e, sobretudo, com base na sua aparência. Pensar nas coisas que faltam em nós mesmas tende a consumir nossa atenção. Você não é obrigada a ter uma performance ou fazer certo tipo de sexo só porque os outros esperam isso de você. O mais importante é que aprenda a sentir prazer consigo mesma e seu corpo, do jeito que você é, tanto sozinha quanto com um ou mais parceiros. Nem todo mundo é igual e vai conseguir tudo. No final das contas, o corpo é apenas um corpo, mas é o único que você terá, por isso é muito valioso”


Viva a VaginaViva a Vagina

Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl

344 páginas

Editora Paralela

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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