The End Of The F***ing World: uma história não convencional de autodescobrimento juvenil

The End Of The F***ing World: uma história não convencional de autodescobrimento juvenil

Ovacionada pela crítica especializada como uma das melhores produções dos últimos tempos, The End Of The F***ing World é uma série bastante peculiar. Baseada nos quadrinhos de Charles Forsman, foi lançada internacionalmente pela Netflix. A série britânica acompanha James (Alex Lawther), um garoto que acredita que é sociopata, e Alyssa (Jessica Barden), uma garota boca suja e grosseira. Num belo dia, os dois adolescentes desajustados decidem fugir de casa juntos. Com uma narrativa sofisticada e repleta de situações inusitadas, a série segue a tradição de produções britânicas que misturam humor, niilismo e os absurdos da vida.

O cinema e a televisão estão repletos de produções que relatam as jornadas dos descobrimentos de jovens desajustados em busca de um lugar no mundo. Mas não espere encontrar em The End Of The F***ing World mais uma dessas obras adolescentes de sessão da tarde. A série coloca o dedo na ferida da sociedade. Com 8 episódios, entre 18 a 25 minutos cada, a série foi a sensação desse começo de 2018, considerada pela crítica como “Bonnie e Clyde” da geração millennial.

Produzida por um jovem britânico de 34 anos, chamado Jonathan Entwistle, a produção foi exibida anteriormente no final de 2017, pelo canal Channel 4, do Reino Unido. Estreou na Netflix no dia 5 de janeiro e já conta com áurea de cult.

Isso não é uma história de amor convencional!

The End Of The F***ing World

O primeiro episódio de The End of The F***ing World já apresenta o que podemos esperar. Focado em James, a produção começa com uma auto apresentação do personagem. “Sou James, tenho 17 anos e tenho certeza que sou um psicopata”. Em câmera lenta, o garoto anda por uma rua com um olhar de estranhamento, e logo depois corta para uma lembrança de sua infância, onde através de uma narração descobrimos um pouco sobre a sua necessidade de sentir algo e de assassinar animais domésticos.

Sem nenhuma preparação, somos apresentadas a Alyssa, uma jovem bonita e com problemas em respeitar as autoridades. Os dois são da mesma escola, mas nunca trocaram uma palavra sequer. A apresentação de ambos ocorre de forma abrupta e pouco empolgante. 

No primeiro momento, podemos achar que Alyssa seria mais uma “Manic Pixie Dream Girl“, devido sua personalidade ativa e expansiva em comparação a um James passivo e calado, mas a série rapidamente quebra qualquer expectativa. A real intenção de James em permitir uma aproximação de Alyssa é a esperança de fazer dela sua primeira vítima de assassinato.

The End Of The F***ing World

Ambos formam um casal em descompasso, e no primeiro momento não existe amor, nem atração física; eles vagam anestesiados em uma jornada pela estrada, em busca de algo que eles nem saber bem o que é. Carregados pelos acontecimentos, ambos flertam com o perigo e a violência, e a espectadora, sem perceber, é envolvida em um turbilhão de emoções confusas que misturam humor ácido e cínico, com um tipo de niilismo pós-moderno.

Em uma jornada mais próxima de filmes como “Terra de Ninguém” e “On The Road” do que de filmes como “As Vantagens de Ser Invisível”, The End of The F***ing World surpreende em humanizar seus personagens aos poucos. Nenhum dos dois é muito admirável. Como na realidade, cada um cria uma espécie de personagem para si; da mãe de Alyssa – que renega a filha em detrimento de um modelo de família dos sonhos, ao pai compreensivo e permissivo de James – que acha que apenas carinho e atenção resolve os tramas do filho. A produção faz um bom uso da mudança de perspectiva da narração. Através de um fluxo de consciência, cada episódio é narrado do ponto de vista de um dos protagonistas, mostrando ao longo da temporada o desenvolvimento e as mudanças internas de cada um.

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Questões de gênero e vulnerabilidade

The End Of The F***ing World

Vulnerabilidade, em português, é um substantivo feminino, e isso não é por acaso. No decorrer de The End of The F***ing World vamos conhecendo aos poucos a origem do comportamento dos protagonistas. Um histórico de abandono familiar marca essas duas figuras, com destaque na trajetória de Alyssa, que sofre com o abandono parental e o desacolhimento da mãe. Em uma nova família que a rejeita, Alyssa sofre com os abusos sexuais constantes de seu padrasto, que faz questão de reforçar seu não pertencimento na nova família da mãe. Como uma forma de defesa, a adolescente reage a opressão através da criação de uma persona sexualizada e rebelde. Muitas meninas e mulheres acabam indo pelo mesmo caminho, como uma forma delas lidarem com a vulnerabilidade frente a um mundo que se apropria de seus corpos e emoções. 

Através do fluxo de consciência da personagem e a partir de uma tentativa de estupro que culmina no assassinato do agressor, vamos pouco a pouco observando a destruição dessa persona criada por Alyssa. Paradoxalmente, através de uma jornada violenta de risco iminente, a personagem descobre, por ela mesma e com ajuda de James, que o enfrentamento é uma forma de superação e autonomia.

No caso de James, a interiorização de suas dores, devido ao suicídio de sua mãe, pode ser compreendida como um resultado direto de uma construção da masculinidade opressora, que não permite aos meninos demostrarem suas emoções. Diferente de Alyssa, a persona criada por James (para si) remete a uma ideia masculina da negação de emoções e valorização da violência. Toda a idealização de quem ele é está baseada em uma busca pela violência,  como uma forma de gerar certa emoção, e ao se deparar com os frutos negativos de sua busca, ele sofre um impacto que o obriga a refazer sua personalidade.

The End Of The F***ing World

Apesar do seu tempo curto de tela, The End of The F***ing World diz muito em pouco tempo. Com atuações convincentes e um humor cáustico, a produção britânica deixa várias perguntas no ar, após o final de uma primeira temporada subjetiva e impactante. Com uma segunda temporada quase certa, os produtores da série têm a tarefa de ir além do hype deixado pela primeira temporada. Resta aguardarmos a construção de uma continuação tão boa como a primeira.

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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