[LIVROS] A Heroína da Alvorada: A conclusão de uma saga protagonizada por mulheres (resenha)

[LIVROS] A Heroína da Alvorada: A conclusão de uma saga protagonizada por mulheres (resenha)

Esperar por uma série é sempre complicado para os fãs. Não é sequer um problema de tempo de espera. Neste caso, as publicações não fugiram dos prazos comuns: um ano para cada livro. Na verdade, é uma questão de expectativas. Para a sorte daqueles que gostam, Alwyn Hamilton consegue fazer isso bem na trilogia A Rebelde do Deserto. A Heroína da Alvorada surpreende, prende e finaliza bem a saga de Amani.

Em 2016, a Editora Seguinte lançou A Rebelde do Deserto. Não aparentava ser uma série pretensiosa, mais uma fantasia juvenil, talvez, com propostas de uma protagonista diferente. E apesar de não fugir completamente dos clichês do gênero Young Adult, a autora demonstrou sua capacidade em inovar. Trouxe uma história relativamente diferente. Tem diversidade de personagens e mitologia, além de uma protagonista feminina que se desprende aos poucos dos estereótipos. Então, mais do que apresentar uma resenha da história, é importante apresentar quais os pontos positivos dessa saga por inteiro.

A Heroína da Alvorada
Na imagem: Os livros da trilogia de Alwyn Hamilton (na ordem): “A Rebelde do Deserto”, “A Traidora do Trono” e “A Heroína da Alvorada”.

O peso das escolhas

O livro começa do cliffhanger com o qual terminou o segundo livro, A Traidora do Trono. Diferentemente do livro anterior, A Heroína da Alvorada não teve que recriar um problema fora das páginas para retomar a história. A Rebelde do Deserto finalizou de forma relativamente tranquila, o que não deu muito espaço direto para a retomada do livro seguinte. Agora, contudo, uma importante demdji morreu para salvar a revolução, o príncipe Ahmad está preso, bem como a general Shazad.

Nesse momento de ausências, Amani toma a liderança do movimento. Mas conhecer o deserto não lhe concede a segurança necessária para prosseguir. Ela não tem a bondade de Ahmad, nem a inteligência de Shazad. Ela só tem o deserto – e nem mesmo a imensidão de areia parece colaborar com ela. Será que existe uma alternativa para os rebeldes, sobretudo quando os inimigos são internos e externos?

A capital está cercada por uma cortina de fogo. Uma invenção da princesa traidora, Leyla, para o benefício de seu pai, o sultão. Assim, os inimigos estrangeiros não podem entrar, tampouco podem os inimigos internos sair. O tempo corre contra os rebeldes restantes, mas uma atitude impensada pode representar uma represália ainda maior. Amani precisa, então, decidir até que ponto está disposta a arriscar não somente o deserto, mas a vida de tantas pessoas que, como ela, nunca conheceram uma realidade melhor.

Na primeira vantagem dos rebeldes liderados por Amani, o sultão ataca aquelas que são as primeiras vítimas de um sistema de opressão: as mulheres. A cada dia, uma jovem da idade de Amani é assassinada. Uma, duas, três… Amani sabe que não pode se render à chantagem dele, mas também não pode carregar em suas costas a morte de mais mulheres.

Que as mortes femininas não sejam em vão

E tantas foram mortas da história de Alwyn Hamilton. A mãe de Amani, Shira, Imin…. Tantas mulheres que nunca foram completamente livres, muitas das quais violentadas pelos homens dessa ficção não tão irreal assim. A autora não poupa em mortes. Quanto menos se espera, mais uma entra para a sua lista. E, ainda assim, não é possível recriminar a autora.

Alwyn Hamilton não utiliza as mortes de forma vã. São mortes escolhidas a dedo. Ainda que a narrativa seja sutil nas descrições, insere a cada livro mais críticas a uma realidade, da perda dos sonhos à perda da vida. Cada morte representa algo que acontece cotidianamente. Não é a justificativa para uma sensibilização masculina, como em tantas ficções. É, contrariamente, uma crítica. Algumas são denúncias, outras são recusas de dominação. E cada uma fortalece a luta de Amani, que não pode permitir que elas sejam esquecidas.

Muitas mulheres eram demdjis como ela. Mulheres que também tinham poderes e que morreram pelo direito de viver. Todas mulheres que se entregaram a uma luta. Elas viveram e amaram intensamente, mas nunca deixaram de lado seus ideais de liberdade.

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Uma história de união feminina          

A união feminina é algo que não se percebe de início na série. Amani começa revoltada, desejando uma vida melhor, mas ainda se posiciona contra várias mulheres. Apesar de todas viverem realidades muito semelhantes, não se libertam da lógica de competitividade. Ainda se contrapõem na expectativa de conseguir maridos melhores.

E então Amani chega ao acampamento rebelde. Conhece mulheres de personalidades diferentes. Delilah, Shazad, Hala, Imin, Amani. Todas são diferentes entre si, mas se unem no desejo de libertação. E as amizades ganham ainda mais força na conclusão.

“Tínhamos adquirido o hábito de salvar uma à outra, Shazad e eu, de nos protegermos. Só que eu não podia protegê-la no campo de batalha daquela vez. E ela não podia me salvar do meu destino.

– É – eu disse, passando o braço em torno dos seus ombros e dando um rápido beijo em sua bochecha. Como um gesto entre irmãs quando uma delas vai viajar para longe de casa por um tempo.

Só que não éramos irmãs. Tínhamos escolhido uma à outra […]”

Os homens de Alwyn Hamilton

Os personagens masculinos de Alwyn Hamilton também são narrados de formas interessantes e diferentes. Alguns homens como o sultão, escravizam e matam. Outros ludibriam, concedem desejos e somem como os djinnis. Alguns são filhos, e outros são pais – muitas vezes pais ausentes. Tanto o sultão quanto os djinnis deixam seus filhos nos braços das mulheres que os geraram, e não levantam seu papel de pai senão quando necessário.

É importante observar também o par romântico de Amani. Muitas histórias unem romanticamente a heroína a um poderoso herói. Mas Jin quase não se destaca na luta rebelde. Pelo contrário, se abstém em muitos momentos. Ainda assim, foi com ele que a autora decidiu juntar sua protagonista, e não com o altruísta Ahmad. Não há sequer um triângulo amoroso.

A surpresa disso decorra talvez de uma cultura dos Young Adult. Mas uma mulher não precisa estar com um homem de evidência pública na ficção. Uma mulher pode ter mais destaque que o homem que a acompanha. Pode ser ela a líder e pode continuar com ele, mesmo que reconheça que ele não é essencial à luta, em razão de um companheirismo. Amani ama Jin, escolheria ficar com ele se pudesse, mas jamais o colocaria à frente de sua causa. E em uma passagem ela precisa fazer essa escolha e surpreende.

A conclusão de uma guerra

A Heroína da Alvorada tem tantas frontes a serem resolvidas, que talvez corra demais na resolução. Existe a ameaça do sultão, a ameaça das nações estrangeiras, os djinnis, o irmão de Amani… Apesar disso, flui e conclui bem a história.

A mitologia construída por Alwyn Hamilton é o que conecta todas os pontos. É às lendas que Amani recorre quando uma luta entre forças poderosas se inicia, porque são elas que originaram todos os conflitos. E mesmo quando os conflitos iminentes são findados, o mundo não se torna perfeito. Um tirano pode ressurgir – mas uma mulher pode tirá-lo do trono e assumir a posição de poder. O preconceito pode continuar – mas alguém pode pregar novamente o respeito. A luta, enfim, é constante.

A autora finaliza com um importante epílogo sobre como todas as lendas foram antes experiências reais para cujos os detalhes poucas pessoas dão atenção. O príncipe se torna herói perfeito. O sultão se torna causador de todos males. A demdji de olhos azuis, a heroína destemida. Mas poucos são aqueles que procuram o lado reverso das histórias. Que olham a bondade, mas as dúvidas de um príncipe. Ou que reconhecem que um sultão, ainda que cruel, possa ter feito algo positivo. Ou olham a bandida de olhos azuis e veem as renúncias e as escolhas de uma mulher como tantas outras, que amou, que viveu, que lutou.


A Heroína da AlvoradaA Heroína da Alvorada

Alwyn Hamilton

384 páginas

Editora Seguinte

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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