CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×06: First Blood

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×06: First Blood

A segunda de The Handmaid’s Tale está quase na metade. Com um final impactante, o sexto episódio intitulado First Blood (Primeiro Sangue), vem dentro da proposta da temporada de explicar pontos da sociedade pré-Gilead e como se deu a transição do sistema. Talvez apresente um desenvolvimento sem grandes surpresas, embora bastante interessante para a compreensão do contexto.

O título pode remeter a tantos elementos. Pode ser uma referência ao primeiro filho ou à “perda da virgindade” (ao menos numa concepção conservadora e heteronormativa). Ou até mesmo ao primeiro sangue derramado numa onda de violência. Afinal, toda violência começa em algum ponto. Nem sempre parte do lado opressor, mas qualquer gota pode ser utilizada como o estopim de uma série.

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Handmaid's Tale

A função de uma mulher

Para Gilead, a principal função de uma mulher é a maternidade. O corpo feminino é um corpo à espera da concepção, momento no qual o objetivo da vida feminina se cumpre. Consequentemente, a instituição do matrimônio é direcionada à procriação. A vida conjugal é pautada por relações mecânicas, guiadas por práticas violentas.

A jovem Eden (Sydney Sweeney) foi criada sob o pensamento de que deveria casa-se e gerar um filho. Mas seu marido, Nick (Max Minghella), se recusa a tocá-la. Isto é um ato inconcebível em sua mente. Como pode ele se recusar a exercer a função que lhe foi incumbida pelo deus de Gilead? Ao se recusar, ele não está apenas se condenando, como impedindo que ela concretize seu destino.

Eden, então, começa a cogitar as razões pelas quais Nick não deseja consumar o casamento. Contudo, ela ainda não conecta o fato a uma possível relação entre Nick e Offred (Elisabeth Moss). Percorre, porém, outras possibilidades tão perigosas quanto. Cogita, na verdade, que ele seja homossexual (ou transgressor da sexualidade), o que poderia colocá-lo em perigo perante as autoridades.

Assim, seguindo um conselho de Offred, Nick e Eden se sujeitam a uma prática de violência. Não existe desejo ali. Não existe liberalidade, pois ambos são obrigados a cumprir com um papel, mesmo que acreditem ser de livre vontade. A dor do “primeiro sangue” (do mito de que toda mulher sangra ao se relacionar sexualmente pela primeira vez) é ignorada pela determinação. E se repetirá até que os frutos esperados sejam alcançados.

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A expectativa de ser mãe

Ter um filho também é a expectativa de Serena Joy (Yvonne Strahovski), que tem ganhado mais destaque na temporada. Surpreendentemente, ela começa o episódio condescendente com Offred. É mais compreensiva diante do compartilhamento de uma maternidade.

No entanto, o distanciamento ainda permanece. Serena continua a ser uma esposa, enquanto Offred continua a ser uma aia. Seus momentos de pretensa empatia não são totais. São, na verdade, uma tentativa de se tornar mais próxima do filho que outra mulher carrega.

E isso porque a maternidade foi um sonho retirado de Serena por uma ação violenta. A série, assim, conecta a perda de Serena da possibilidade de ser mãe biológica ao estopim da tomada de Gilead. A resistência pela violência pode ser o início de uma repressão ainda pior.

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O primeiro sangue derramado

A Serena Joy do livro é uma mulher mais velha, que falava de participação feminina, mas sob um viés conservador. A ação feminina promovida por ela era em apoio às medidas misóginas do que viria a se tornar Gilead. Apesar das diferenças, a Serena Joy da série não difere muito nesse ponto. E por mais que às vezes demonstre certo ressentimento pela sua própria falta de liberdade, ela ainda acredita que Gilead era a salvação.

Era um dia naquela sociedade de falsa liberdade para Serena Joy. Um dia em que ela foi levar a sua palavra sobre o lugar da mulher na sociedade ao que ela acreditava ser uma bolha de pessoas privilegiadas: os universitários. No entanto, ela não foi bem recebida. Pelo contrário, homens e mulheres gritavam revoltosos. E em sua saída, um tiro em seu ventre.

Apenas a verdade pode salvar a América agora”. Ela diz a Fred (Joseph Fiennes). Mas salva de quem? Dos terroristas. Não apenas dos revoltosos, da oposição. Mas das pessoas que, ao discordarem da sua verdade, são consideradas criminosas. Das pessoas que, ao divergirem, aterrorizam o Estado. E Serena não acha que a polícia seja suficiente para punir aqueles que lhe impediram de se colocar no papel definido para as mulheres, o de mães. Ela acredita que apenas um deus pode fazer isso.

O primeiro sangue foi de Serena. No entanto, não tardou que este sangue fosse utilizado como justificativa para um massacre. A justiça de Serena e Fred não permitia contraditório, apenas punição. A morte é a medida da salvação.

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O que sobra depois da explosão

O final é focado em Fred, um personagem que andava distante. Suas aparições eram quase sempre indiferentes, um contraste à sua posição de poder. Descobre-se, porém, que a ausência de foco era proposital. Fred era indiferente em uma reação às atitudes de Offred.

Quando a “bondade” de Serena é interrompida bruscamente, Offred procura o comandante Fred para obter notícias de sua primeira filha. Estar esperando um novo filho, não a torna indiferente com Hannah. E o desejo de notícias pode leva-la a atitudes mais extremas. Diante da falta de liberdade, vender-se parece um preço pequeno quando a recompensa é valiosa.

Infelizmente, nem sempre é possível resistir da forma como se espera que resistam. Offred conclui que sua filha vale mais do que sua repulsa pelo comandante Fred. E ela sabe que, mesmo submetida ao torturante regime de Gilead, ela ainda tem algum poder.

Em cima desse poder, a resistência sobrevive. Ela espera pelo momento em que poderá se rebelar, mesmo que seja preciso derramar o primeiro sangue da revolta. Fica à espera da primeira explosão pública da luta. E o que vem depois da primeira explosão?

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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