[CINEMA] Djon África: sobre diáspora e identidades que flanam (crítica)

[CINEMA] Djon África: sobre diáspora e identidades que flanam (crítica)

Na noite gelada da última quarta-feira teve início a 7ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, que privilegia o cinema brasileiro e mundial autoral e independente. Para a abertura, os organizadores exibiram o longa-metragem Djon África, que marca a estreia em longas ficcionais, da dupla portuguesa Filipa Reis e João Miller Guerra. Nessa co-produção Brasil-Portugal-Cabo Verde, Miguel Moreira, que já havia participado antes de curtas documentais dos diretores, aqui empenha um tour de force para chegar a Cabo Verde, em uma tentativa de rastrear o pai que ele nunca conheceu. Apesar de ter nascido em Portugal, suas origens, seu passado e toda a sua ancestralidade estariam situados no continente africano.

Cidadãos diaspóricos estão quase sempre entre lugares e a sensação de não pertencimento à determinada cultura acaba por deslocar suas memórias e sensações que flanam num eterno devir. Em Portugal, Djon é visto como uma ameaça e não consegue exercer sua cidadania em plenitude. Em Cabo Verde, Tibars é visto como estrangeiro. O longo nome do protagonista Miguel Djon Tibars já é um indicativo de que mais do que o pai desconhecido, o personagem principal está em busca de si, de pertencimento, de afetos positivos que em Portugal não encontrava. Mas será que no continente africano seria diferente? É sobre essa busca que o roteiro se desenha.

Djon África

O carisma do ator não profissional que protagoniza o longa é inegável, mas é na potência do encontro com uma senhorinha em Cabo Verde, que o convida a conviver com ela, que o filme cresce e se colore. Alguns maneirismos na construção da imagem de uma África idealizada pelo protagonista, soam caricatas ao usar figuras femininas fetichizadas, como alegorias voyeurísticas. Apesar disso, a fotografia amplia os horizontes de Miguel e dos personagens que vão cruzando seu caminho, numa paleta de cores terrosa que emana um possível retorno às suas raízes.

Vale lembrarmos do filme “Nossa Estrangeira” (2010), dirigido pela cineasta franco-burquinabe, Sarah Bouyain, onde as relações apresentadas são mais complexificadas, principalmente em relação aos personagens coadjuvantes e o roteiro mais interessante, no que tange a esse incômodo experimentado pelo não pertencimento.

Ao fim e ao cabo, o longa Don África nos deixa como uma sensação de inevitabilidade um pouco incômoda e que viria a justificar o nomadismo de homens que podem ter a liberdade de não se fixarem nem residencialmente, nem culturalmente, pois a reprodutibilidade da vida estaria a cargo das mulheres. A montagem compartilhada por Ricardo Pretti, Luiza Homem e Eduardo Serrano, privilegia um naturalismo que emula a bagagem documental dos diretores e auxilia na construção da atmosfera que dá o tom do filme.

https://www.youtube.com/watch?v=u1U2OONjJEc

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120 Textos

Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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