“O Tempo Entre Costuras” e o poder da solidariedade feminina

“O Tempo Entre Costuras” e o poder da solidariedade feminina

A série O Tempo Entre Costuras, originalmente produzida para a TV espanhola em 2013, é uma adaptação da obra de Maria Dueñas e foi disponibilizada no catálogo da Netflix em 2017. O enredo mistura elementos reais com ficcionais e conta os percalços da vida de Sira Quiroga (Adriana Ugarte), uma jovem costureira de Madri que tem sua realidade transformada ao se mudar para o Marrocos, em companhia do homem amado.

Sira e a inocência perdida

Ao longo da narrativa percebe-se que a vida de Sira passa por fases distintas. No começo da história a moça é bastante ingênua, e mesmo indo direto para o abismo, não detém a caminhada.

Aviso: Se você pretende assistir a série e não gosta de spoilers, pule as próximas linhas e leia o próximo subtítulo

O enredo inicia-se na década de 1930. Sira, que desde a infância dedicava-se ao ofício da costura, iria se casar com o jovem Ignácio, vivido por Raúl Arévalo, um funcionário público que daria a moça uma vida estável e sossegada. No entanto, por obra do destino (ou do azar), Sira rompe o compromisso após se apaixonar por Ramiro Arribas, interpretado pelo ator Rubén Cortada.

À primeira vista, a relação de Sira e Ramiro era feliz. O rapaz era carinhoso e a cobria de mimos. Porém, após Sira receber do pai (um rico espanhol que não a havia reconhecida como filha) uma razoável quantia em dinheiro e jóias, os problemas começam. Ramiro passa a administrar a pequena fortuna de Sira e, sem consultar a noiva, decide que os dois devem se mudar para o Marrocos – na época um protetorado espanhol – em busca de uma pretensa proposta de emprego. Sem desconfiar que cairia em uma armadilha, Sira despede-se da mãe e deixa a Espanha. Pouco depois é deflagrada a Guerra Civil Espanhola.

Sira Quiroga (Adriana Ugarte) em "O Tempo entre Costuras"
Sira Quiroga (Adriana Ugarte) em “O Tempo entre Costuras” | Gif: reprodução

Ramiro era um “Bon Vivant”, que desperdiçava o dinheiro da noiva com mulheres e festas, sob o pretexto de conseguir investidores e negócios. Sira descontenta-se e a convivência do casal começa a se abalar com as constantes brigas. Nesta fase, ela mostra-se ingênua. Deixasse levar pelo sentimento que nutre por Ramiro e, mesmo após tantos disparates, o homem continua a administrar o patrimônio da jovem.

Lamentavelmente, no momento em que mais precisou de Ramiro, Sira foi abandonada, recebendo, simplesmente, uma carta de despedida e a responsabilidade em saldar todas dívidas que contraíram em um hotel de luxo no Marrocos. Impossibilitada de retornar para a Espanha por conta da Guerra Civil, Sira foi perseguida pela polícia e ficou sob a tutela da Embaixada Espanhola, em Tetouan. Sem amigos ou lugar para ficar, a moça se vê obrigada a morar na pensão de Candelaria, vivida pela atriz Mari Carmen Sánchez.

Consciente dos revezes que seus hóspedes passaram, Candelaria mostra-se solícita, sobretudo com Sira. Sabendo do talento de costureira da jovem, Candelaria usa de astúcia e consegue dinheiro para que a moça possa abrir um ateliê. E é justamente no ateliê que a vida de Sira se transforma e a jovem se envolve em intrigas políticas e arriscadas ações de espionagem.

Sira (Adriana Ugarte) e Candelaria (Mari Carmen Sánchez) na série espanhola
Sira (Adriana Ugarte) e Candelaria (Mari Carmen Sánchez) na série espanhola | Foto: reprodução

Uma “nova” Sira e as personagens femininas

A vida de Sira passou por diversas reviravoltas, porém, o abandono que sofreu e a consequente desconfiança que passou a nutrir pelos homens, não a impediram de batalhar por uma nova vida. Sira torna-se confiante e decidida, reconhecida pelas mulheres da alta sociedade como uma excelente modista, conquistando clientes fiéis e, entre elas, uma excelente amiga, que mesmo indiretamente é responsável por envolver Sira em uma rede de espionagem para combater o avanço do fascismo europeu durante a ditadura franquista.

A respeito desta fase, convém ressaltar que ela possui um dos melhores recursos narrativos presentes em O Tempo entre Costuras. Infelizmente, ainda é comum que escritores e roteiristas coloquem em seus escritos personagens femininos cuja função primordial é a de prejudicar outras mulheres, sobretudo as protagonistas. Não importa o quão difícil a situação esteja, elas farão o possível para deixar tudo ainda pior. Em O Tempo entre Costuras a situação é bem diferente. As mulheres são simpáticas e solidárias umas com as outras e, mesmo que de forma inconsciente, criam uma rede de apoio, na qual as ações são desinteressadas e pensadas unicamente para o bem-estar, sem necessidade de compensações posteriores.

A união feminina em "O Tempo entre Costuras"
A união feminina em “O Tempo entre Costuras” | Foto: reprodução

Candelaria é um belo exemplo a ser citado. Após sua aparição, vemos a jovial senhora ajudando Sira, incentivando-a a vencer medos e barreiras e orgulhando-se ao ver o quanto a jovem amadureceu e prosperou. Candelaria é muito mais que uma amiga, torna-se uma verdadeira mãe substituta para Sira.

Outro belo exemplo é a marroquina Jamila, interpretada por Alba Flores. Inicialmente apresentada como ajudante na pensão de Candelaria, Jamila torna-se assistente no ateliê de Sira e, algumas vezes, envolve-se em suas missões de espionagem. Jamila está sempre pronta para ajudar e apesar de ser apenas uma personagem coadjuvante, tem brilho, fato relacionado a excelente interpretação de Alba Flores.

Jamila (Alba Flores) em "O Tempo entre Costuras"
Jamila (Alba Flores) | Foto: reprodução

Rosalinda Fox é outro belo exemplo de personagem feminina presente em O Tempo entre Costuras. Rosalinda, vivida pela atriz Hannah New, surge na narrativa como cliente de Sira, interessada em conseguir belos vestidos para impressionar a alta sociedade marroquina. Com o tempo, os laços entre Sira e Rosalinda se estreitam, e a jovem costureira acaba por descobrir que a simpática inglesa de cabelos claros têm planos muito mais ambiciosas do que apenas frequentar festas e jantares badalados. Apesar de ser amante do alto comissionário Juan Luis Beigbeder (Tristán Ulloa), Rosalinda repassava informações para os aliados, e foi graças a ela que Sira se tornou espiã.

Sira (Adriana Ugarte) e Rosalinda (Hannah New)
Sira (Adriana Ugarte) e Rosalinda (Hannah New) | Foto: reprodução
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O crescimento de Sira Quiroga em “O Tempo entre Costuras”

A atuação de Adriana Ugarte foi fundamental para que o espectador simpatizasse, vivesse as emoções e acompanhasse o crescimento de Sira. Expressões faciais, sorrisos e olhares foram se refinando ao longo dos capítulos, dando a ilusão de que o tempo havia passado. Sira cresceu ao longo da história. De mocinha ingênua e apaixonada, tornou-se confiante, decida, audaciosa, corajosa e a aventureira.

Um dos ganhos da personagem se deu justamente no campo afetivo. As experiências vividas com Ramiro levaram Sira a, inicialmente, não confiar nos homens e não desejar novos relacionamentos. Contudo, Sira encontrou um novo amor, porém, não mais se deixou levar por desejo e sentimento. Tornou-se madura ao perceber que o amor deve ser exigente. Amou primeiramente a si mesma e, só então, foi capaz de abrir-se para um novo relacionamento, dessa vez, um em que pudesse se sentir valorizada, segura e usufruindo de igualdade.

O Tempo entre Costuras
Cena de “O Tempo entre Costuras” | Gif: reprodução

Outro ganho de Sira está na sua atuação como espiã. De menina assustada e insegura, Sira foi se transformando em uma mulher corajosa, capaz de enfrentar qualquer desafio para alcançar seus objetivos. Vale ressalvar novamente o talento de Adriana Ugarte. Paralelo ao excelente trabalho fotográfico e aos enquadramentos inusitados, temos um ganho na questão dramática. Tomadas feitas a partir de esconderijos ou das fugas de Sira, somadas as expressões Ugarte, tornaram a série ainda melhor.

Dividida em 17 capítulos, a série O Tempo entre Costuras tem excelente fotografia e atuações. O enredo se desenvolve lentamente, permitindo que a ação seja saboreada pela espectadora. Quem assistir vai sorrir, se emocionar e se encantar pela história de Sira Quiroga.

O real e o imaginário

O Tempo entre Costuras mescla situações reais e imaginárias. Não apenas no que diz respeito ao contexto histórico em que a história está inserida. Alguns personagens foram inspirados em personalidades reais: Rosalinda Fox, Juan Luis Beigbeder, Ramón Serrano Suñer e Alan Hillgarth.

Rosalinda Powell Fox era casada com Peter Fox. Após separar-se do marido, Rosalinda mudou-se para o Marrocos e tornou-se amante de Juan Luis Beigbeder. Irreverente e aventureira, atuou como espiã em favor dos aliados.

Juan Luis Beigbeder, interpretado pelo ator Tristán Ulloa, foi o alto comissionário do Marrocos. Permaneceu no cargo até ser deposto pelo próprio Francisco Franco e substituído por Ramón Serrano Súñer.

Interpretado por Eleazar Ortiz, Ramón Serrano Suñer era cunhado de Franco. Foi nomeado ministro por seis vezes, entre os anos de 1938 e 1942, chegando a ocupar o cargo de ministro do governo e de assuntos exteriores. Com o tempo, Ramón Serrano Suñer se tornou um dos homens mais poderosos na Espanha durante o regime franquista.

Por fim, temos Alan Hillgarth, vivido por Ben Temple. Alan era coordenador do serviço secreto britânico na Espanha, entre os anos de 1940 e 1944. Foi graças à influência dele que a Espanha não se aliou com Hitler na Segunda Guerra Mundial.

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Nerd, pedagoga, escritora, leitora, gamer, integrante da casa de Lufa-lufa, amante de ficção científica (Star Trek, Star Wars e Doctor Who) e literatura fantástica. Deseja ardentemente que o outro lado da vida seja uma grande Biblioteca.
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