A mulher louca nos filmes de terror: o medo feminino tratado como loucura

A mulher louca nos filmes de terror: o medo feminino tratado como loucura

A histeria feminina é algo recorrente nos filmes de terror, principalmente nos mais antigos. Uma mulher que acredita em algo sobrenatural acontecendo é tratada como louca, até que as coisas realmente vão mal. A histeria, inclusive, era uma doença associada principalmente às mulheres que tinham algum tipo de “desvio de conduta”, sendo bastante comum no século XIX. Mulheres seriam naturalmente histéricas desde sempre, a partir do momento que questionam, que não agem conforme as pessoas estão acostumadas, conforme foi socialmente imposto, e etc.

Nós, que estamos assistindo, sabemos que essas mulheres não estão loucas e que algo ruim vai acontecer. Mas os outros personagens do filme se esforçam tanto para nos dizer que a “mocinha” está ficando louca, que quase acreditamos. Ficamos em dúvida se essas mulheres estão mesmo vivenciando aquilo, ou se é algo que está ocorrendo na cabeça delas.

Por que é tão difícil acreditar que algo está errado quando uma mulher diz que está errado? Mesmo que seja algo além da compreensão humana ou que a ciência não explica, se fosse um homem pedindo ajuda ou dizendo que existe um fantasma na casa, talvez acreditassem que o mal está mesmo à espreita.

Em Desafio do Além, de 1963, Dr. John Markway leva um grupo de duas mulheres e um homem até uma casa assombrada para participarem de um experimento. Dr. John é um homem exótico, mas é um estudioso e sabe do que está fazendo. Se ele diz que tem fantasmas naquela casa, por que não acreditar? Quando um homem acredita no paranormal, acreditam que seja algo exótico; porém, quando uma mulher o faz, é loucura, paranoia e histeria.

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“Desafio do Além” (1963)

No filme Sonhos Alucinantes, de 1971, Jessica acaba de sair de um hospital psiquiátrico. É levada por seu marido e um amigo a uma cidadezinha pacata, longe da movimentação da cidade, procurando conforto para a mente agitada da Jessica. Vários momentos do filme, Jessica questiona o que vê e o que sente, e nem ela consegue acreditar em si mesma. Porém, conforme o filme avança, o clima fica pior. As coisas parecem realmente erradas e nos permitimos acreditar na Jessica, mas não em seus amigos.

Em A Morte do Demônio, de 2013, remake/continuação da franquia de sucesso dos anos 1980, a nova protagonista é Mia, uma mulher que está se recuperando do vício em drogas. Mia sabe que há algo errado ali, ela sentiu, ela foi “abusada” pelo mal (em uma cena grotesca), mas ninguém é capaz de acreditar nela.

Em O Parque Macabro (1962), Mary sofre um acidente de carro e quando conversa com um psicólogo, ele sugere que ela talvez precise de um namorado. Mary sabe que não precisa de companhia, ela precisa deixar de ter medo, pois algo está errado: seja sua cabeça, seja errado com o mundo em que ela está vivendo. Ninguém acredita em Mary, até que ela começa a desaparecer.

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“A Morte do Demônio” (2013)
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Listamos esses três exemplos, mas existem vários e é muito comum vermos esse tropo em filmes de terror: mulheres que todos acreditam estarem paranoicas, mas que estão falando a verdade, pois elas sentem e sabem. E isso acontece em vários níveis. Se está ligado à ideia de “instinto feminino”, é algo a se refletir. Talvez, de forma mais geral, está ligado ao fato de ser difícil acreditar em uma mulher e utilizar isso como forma de fazer um suspense. Se pensarmos de acordo com a ideia geral, mulheres são sensíveis demais e o que elas falam não deve ser levado a sério, pois elas exageram.

Há a necessidade de uma mulher assumir esse local de questionamento?

Interessante notar algo oposto que ocorre em O Convite (2015), por exemplo, onde o homem assume o papel de paranoico. Ele é desacreditado até o final e nós acreditamos que ele está louco, porque o filme expõe sua loucura. O pesonagem tem vários motivos para acreditar naquilo, mas isso não significa que seja algo além de sua imaginação. Entretanto, não é só a imaginação. Neste caso, a diretora Karyn Kusama fez muito bem ao inverter os papéis, colocando um homem protagonista e mostrando que nem sempre a mulher precisa estar neste local de dúvida e questionamento. Porém, temos aqui um olhar feminino sobre o evento de histeria/assombro, e não de um homem. Em grande parte dos casos onde uma mulher sofre de ser desacreditada, é um homem que está por trás das câmeras ou da caneta.

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“O Convite” (2015)

Existe algo muito ruim em perpetuar essa imagem da mulher histérica/que não sabe o que fala/sensível demais que os filmes de terror carregam. Se a vida imita a arte ou a arte imita a vida, é difícil dizer. Mas o discurso que determinadas obras passam sobre o que é aceito como verdade, é algo percebido em diversos estudos. As narrativas constroem e destroem ideias, e continuam repassando a ideia de que mulheres não são dignas de serem acreditadas ou que são sensíveis demais e nem sempre falam a verdade. Isso é algo realmente perigoso.

Texto originalmente publicado em Fright Like a Girl. Imagem destacada: Filme “Sonhos Alucinantes” (1971).

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Formada em História, escreve e pesquisa sobre terror. Tem um afeto especial por filmes dos anos 1980, vampiros do século XIX e ler tomando um café quentinho.
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