[CINEMA] O Orgulho: A força das palavras e a perda da identidade cultural (crítica)

[CINEMA] O Orgulho: A força das palavras e a perda da identidade cultural (crítica)

O Orgulho, novo filme de Yvan Attal, coloca a cantora pop francesa Camélia Jordana, na pele da jovem Neila, protagonizando uma história sobre a sociedade francesa diante de uma nova realidade que assombra a Europa: a Imigração. Do mesmo diretor de “Nova Iorque”, “Eu te amo”, “Viveram felizes para sempre”, o longa-metragem está em cartaz no cinemas e teve sua estreia em 19 de julho.

O Orgulho (Le Brio, nome original em francês) apresenta um recorte na vida de Neïla Salah, uma jovem francesa de origem árabe que mora em Creteil (comuna francesa situada nos arredores de Paris), cujo seu maior sonho é ser advogada. Neila, interpretada pela iniciante e já ganhadora do prêmio César de Melhor Atriz Revelação, Camélia Jordana (cantora pop francesa) dá vida à jovem determinada e cheia de personalidade que entra para a renomada Faculdade de Direito de Paris. Neila enfrentará Pierre Mazard (vivido pelo talentoso Daniel Auteuil), professor conhecido por seu mau comportamento.

O Orgulho

A jovem vive numa comunidade árabe com sua mãe (Nozha Khouadra), onde cresceu ao lado de outros jovens e amigos de infância, também filhos de imigrantes. Por viverem numa comunidade de imigrantes, onde muitas dessas famílias além de falarem sua língua de origem mantém viva sua cultura e religião natal, muitos jovens sofrem com a língua francesa. Mesmo nascidos na França, têm dificuldade em falar corretamente o idioma francês. Isto, somado ao clima de xenofobia instaurado no país, além dos conflitos gerados pela intolerância religiosa e cultural – de ambos os lados – acaba marginalizando uma grande parcela dos filhos de imigrantes, dificultando seu ingresso no mercado de trabalho e sua adaptação à sociedade.

A partir da relação de Neïla com o professor Pierre, o filme constrói o cenário bélico e da intolerância que os filhos de imigrantes enfrentam em muitos países da Europa. O diretor usa a palavra (língua) como o elo dessa relação entre aluna e professor, ilustrando o quão importante é para as sociedades a carga cultural e de signos que uma língua-mãe tem para um povo.

O Orgulho

Desde o primeiro encontro entre Pierre e Neïla, a carga de preconceito racial e cultural do professor é destilada sem rodeios em direção à garota. Pierre faz uso de palavras bem escolhidas e usa toda a soberba e beleza da língua francesa para humilhar a jovem e deixar claro a diferença cultural entre eles, além de traçar uma linha com o objetivo de distingui-los: de um lado, a imigrante, do outro, o “legítimo francês”.

Pierre não mede esforços para agredir a nova aluna. Chama-a de “Fátima”, fazendo alusão as suas origens e cita costumes árabes de forma pejorativa, tornando a vida da jovem um inferno. Porém, parece que o professor já manifestava um comportamento inadequado com alunos pregressos, e Neïla foi a escolhida da vez. A questão que torna o assunto nevrálgico e faz do filme algo além de uma história de superação é o fato da jovem ser uma imigrante, trazendo à tona todo o preconceito dessa relação mal resolvida entre franceses, em torno da imigração. É dentro dessa ótica burguesa, conservadora e preconceituosa que Neïla e Pierre construirão uma relação de amor, amizade e aprendizado mútuo, onde as palavras são os vieses centrais.

O Orgulho

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Debate sobre o filme

A Pandora Filmes, em parceria com a Caixa Belas Artes, patrocínio do Jornal Estadão e apoio da Aliança Francesa, organizou uma sessão gratuita para a exibição do filme, no dia 17 de julho (terça-feira) em São Paulo, seguida de um debate. O jornalista do Estadão, Luiz Carlos Merten, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Rodrigues, foram os convidados para conduzir o debate.

No debate que aconteceu logo após o filme, Gilberto Rodrigues direcionou nosso olhar às questões políticas e culturais que aparecem na película, mencionando a perda da identidade cultural que acomete o imigrante, o medo religioso por parte dos franceses (que sofrem com ataques terroristas), e a estranheza mútua entre povos tão diferentes culturalmente, em relação aos seus valores e às suas crenças.

O Orgulho
Debate sobre o filme “O Orgulho” com a presença de Luiz Carlos Merten e Gilberto Rodrigues. Foto: Gabriela Savóia

Vale mencionar que a “estranheza” é algo que temos diante daquilo que não conhecemos e que, por vezes, nos munimos de armas para evitarmos o contato com o desconhecido: seja por medo, ignorância, orgulho ou qualquer outro sentimento que nos dê a sensação de desconforto. Luiz Carlos Merten jogou luz à história delicada e humana que se constrói na relação entre Neïla e Pierre.

Apesar de recomendarmos o filme, esperávamos um final menos clichê e que respeitasse mais as raízes culturais da protagonista. Talvez a intenção do diretor seja mostrar que há uma possibilidade de plena convivência entre franceses e os imigrantes, e que a palavra pode ser esse elo de ligação. Mas Neïla acaba perdendo certa identidade cultural, na medida em que, ao se tornar uma advogada, passa a alisar os cabelos, usar saltos, deixando características de sua origem de lado. Não sentimos, dessa forma, uma absorção de culturas e tampouco uma aceitação, mas sim um afrancesamento da personagem – se é que essa palavra existe. Em tempos de intolerância, racismo e xenofobia, o longa-metragem seria mais interessante ainda se Neïla tivesse seu mérito reconhecido sem se curvar aos ditames franceses.

Indicamos logo abaixo um artigo bem didático sobre o tema:

>> A França, os imigrantes e a identidade nacional

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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