A proeza humana de “Shingeki no Kyojin”

A proeza humana de “Shingeki no Kyojin”

Um dos animes e mangás mais populares dos últimos anos, tendo conquistado diversos apreciadores da arte japonesa ao redor do globo, chegou nesse último sábado (21) a sua 3º temporada. Tendo como foco os gêneros de terror, fantasia e uma certa ficção pós-apocalíptica, as temporadas anteriores de Shingeki no Kyojin nos levaram a um recente check point e esperamos por mais explicações sobre como a situação presente na trama ocorreu.

Sinopse de Shingeki no Kyojin:

Há várias décadas atrás, a humanidade foi quase exterminada pelo súbito aparecimento de seres humanoides, conhecido como Titãs. Criaturas de tamanho enorme e de inteligência aparentemente baixa, que comiam humanos por prazer. No entanto, um pequeno grupo de seres humanos sobreviveu no interior de uma cidade protegida por paredes superiores a três vezes a altura dos maiores Titãs registados até à data.

Durante 107 anos, a cidade fortificada foi testemunha de ataques dos Titãs sem sucesso, até que um dia, o jovem Eren Jaeger e sua irmã adotiva, Mikasa Ackerman, foram testemunhas da aparição de um Titã colossal, fazendo uma abertura em uma das paredes exteriores da cidade, o que permitiu a entrada de um grande grupo de Titãs menores. Ambos os filhos presenciam o horror de ver sua mãe sendo comida viva por um deles. Desde aquele dia, Eren jurou vingança contra cada um dos Titãs. Criado e dirigido por Hajime Isayama e Tetsura Araki, Shingeki No Kyojin (Attack On Titan) foi ao ar em 2013, com animação do estúdio Wit Studio.

Antes de tudo, para não haverem mais mal entendidos, ressaltamos que a crítica abaixo foi feita com foco no anime e em suas 2 temporadas completas, bem como pelo lançamento da 3ª. Não foram analisados ou comparados os eventos do mangá.

Shingeki no Kyojin

A princípio, a trama de Shingeki no Kyojin parece cair na conhecida fórmula de “monstros vs. humanidade” tão recorrente no entretenimento japonês. Afinal, o próprio título já nos alerta do ataque de titãs como foco da narrativa, tal qual outras histórias da arte asiática mainstream, como a famosa franquia Godzilla.

Criada por Hajime Isayama e publicada desde 2009, a série teve inspiração em diversos elementos, inclusive em um encontro que o autor teve com um cliente bêbado, o que, segundo o mesmo, lhe mostrou que o “homem é o animal mais perigoso”, já sendo essa uma dica do grande mote da trama.

O traços do mangá foram passados de maneira fantástica ao anime, combinando com a temática forte da história. No mais, a gráfica das mortes e dos próprios titãs é completamente verossímil e, combinada com o enredo, nos faz pensar que estamos vivendo fatos reais e não uma ficção, sendo certo que a excelente construção é uma clara representação da modernidade trazida na trama.

Shingeki no Kyojin

Shingeki no Kyojin

Nos parece, na verdade, que o toque moderno da história de Shingeki no Kyojin se revela, principalmente, na maneira como os personagens e suas relações são tratadas. Há, desde o primeiro episódio – ou volume – da série, uma preocupação clara em apresentar as diversas faces emocionais e racionais dos personagens, sejam eles humanos ou titãs.

A política que regula o território humano – ao longo das três Muralhas: Maria, Rose e Sina – é feita através de um antigo absolutismo, estando o território total a mercê do Rei (Governo Central) e sendo cada distrito governado por diferentes Lordes, além das demais organizações, como a Divisão de Reconhecimento e o Exército Real.

Dentro dessa aparentemente forte estrutura de poder, tal qual o mundo real, vemos grupos distintos, especialmente quanto à maneira de se lidar com os temidos titãs. A Ordem das Muralhas – um espécie de entidade religiosa central da época – se mostrou um importante fator da trama e sua influência na forma como as relações humanas e humano-titãs se desenvolvem é notável, por exemplo, apesar de rejeitada por parte dos protagonistas.

Shingeki no Kyojin

Contudo, as diversas intrigas e questões pessoais e políticas do enredo de Shingeki no Kyojin acabam se tornando ainda mais importantes e significativas que os ataques de titãs. Afinal, é através dessas questões que nos aproximamos cada vez mais não apenas do porquê dos ataques, mas também do que são e de como surgiram tais criaturas. Isso, na verdade, é melhor exposto na figura do protagonista Eren Yeager, visto que podemos observá-lo tanto como humano quanto como titã.

É através de Eren – e da descoberta de sua condição de semi-titã – que as demais personagens começam a desvendar os motivos e mistérios da trama. Assim, quando Annie, Reiner, Berthold e Ymir se revelaram como titãs, nosso choque foi suprimido pela curiosidade. O enredo continuou de maneira a buscar desvendar essa questão – o que continua ao longo dessa nova temporada – não caindo no perigo de tornar a narrativa monótona após uma grande revelação.

Shingeki no Kyojin
Eren Yaeger: Titã e Humano

Enquanto a primeira temporada de Shingeki no Kyojin foi direcionada a ambientação da leitora ou da telespectadora a trama, bem como ao crescimento dos personagens, a segunda focou na descoberta e obtenção de algumas respostas aos mistérios em volta dos titãs e do próprio território humano.

Apesar de totalmente inseridas na história, não deixamos de perceber algumas falhas presentes nas representações humanas da série, como a falta de representatividade étnica-racial e a representação peculiar das personagens femininas.

Não é claro, seja no mangá seja no anime, qual a região geográfica que o território humano ocupa, apenas sendo retratado um local envolto em florestas aparentemente de coníferas, o que nos leva a crer que a história não se passa em locais tropicais. Sabemos, porém, que tanto atualmente quanto antigamente não existem garantias da existência de apenas uma etnia ou raça em um certo território, não sendo válida uma possível explicação sobre a maioria esmagadora de personagens brancos na série.

Shingeki no Kyojin
A diversidade étnico-racial do elenco de “Shingeki no Kyojin”.

Inclusive, a única personagem não branca é Mikasa Ackerman, representando a – de acordo com a trama – rara espécime humana de asiáticos. É, porém, curioso pensar que, dentre as diversas raças e etnias do globo, a única a sobreviver foi praticamente a branca.

Mikasa Ackerman

Importante ressaltar que a possibilidade da trama se passar na Europa, visto que os nomes das personagens e a própria música da abertura trazem elementos germânicos, além do autor já ter revelado sua inspiração na cidade alemã de Nördlingen para o local, não afasta a possibilidade de existirem personagens não brancos na trama, principalmente aqueles diferentes da minoria modelo asiática.

Shingeki no Kyojin

A representação feminina em Shingeki no Kyojin

Quanto às personagens femininas, não negamos que Shingeki no Kyojin é uma das histórias de maior e melhor representação feminina da atualidade, tendo inclusive um OVA focado na história de algumas delas denominado Lost Girls, sendo as personagens femininas tão importantes quanto as masculinas e presentes em posições de destaque nas organizações do território humano.

Ainda assim, a maioria das personagens de destaque da trama e os únicos presentes nas posições de poder são personagens masculinos, deixando às mulheres os papéis, mesmo que não propositalmente, secundários. Ressaltamos ainda, para não haver confusão, que nos referimos ao fato de grande parte das personagens femininas estarem em posições subalternas em relação aos personagens masculinos, sendo certo que os verdadeiros postos de comando permanecem dominados por homens.

Shingeki no Kyojin
Fan-Art das Personagens Femininas da trama: Artista Desconhecido.

Um dos claros exemplos de tal sub-representação feminina é a soldado Mikasa. Apesar de considerada a melhor de sua classe de soldado e de ter habilidades de combate e pensamento rápido incríveis desde criança, seus triunfos são movidos pelo desejo obsessivo de proteger Eren. Todas as decisões que a mesma faz, desde que encontrou Eren, é em função deste.

Shingeki no Kyojin

No geral, como dito acima, a história de Shingeki no Kyojin é um exemplo de triunfo narrativo e humano, porém, esses fatores negativos não deixam de manchar aquilo que poderia ser um grande representante de uma nova face do entretenimento asiático, os quais se repetem no Live-Action japonês, que estreou em abril desse ano. Sabemos, é claro, que no caso do Live-Action é comum a escalação de atores japoneses para a adaptação de uma obra japonesa, mas no caso do anime que se dispõe aparentemente fora da antiga Terra do Sol Nascente, não há a mesma justificativa.

Shingeki no Kyojin
Pôster do Live-Action de “Shingeki No Kyojin”
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Tal qual na vida, sabemos que as ações humanas podem ser negativas e positivas, sendo que ambas as espécies se refletem tanto na construção da história em geral quanto na caracterização e no desenvolvimento das personagens. Ainda assim, o fato de se tratar de uma fonte de entretenimento em mangá ou em anime, não exime a culpa dos reflexos que a série traz e reproduz, sendo mais um exemplo de sub-representação de gênero e étnico-racial.

Por mais sonhador que isso seja, esperamos que a nova temporada de Shingeki no Kyojin possa sanar pelo menos uma parte dessas falhas. O primeiro episódio já nos indica que os mistérios e os novos personagens continuarão aparecendo para intrincar ainda mais a trama e, dessa forma, tornar ainda mais complexa a nossa busca pela resposta a questão dos titãs. Infelizmente, quanto aos problemas apontados acima, não há previsão de resolução. Nos resta apenas acompanhar.

ERRATA: Anteriormente era afirmado que o personagem Levi Ackerman, tal qual Mikasa, era de ascendência asiática, mas isso foi devidamente corrigido.

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