Atypical é uma das produções originais da Netflix e apresenta a vida de Sam Gardner, vivido pelo ator Keir Gilchrist. Sam é um adolescente autista e a trama apresenta as dificuldades enfrentadas pelo rapaz no convívio social e, também, os conflitos presentes na família Gardner. Mesmo que a segunda temporada tenha melhorado o eixo narrativo envolvendo Sam, é possível dizer que ela foi marcada por extremos. De um lado temos o amadurecimento de Sam, agora preocupado com o destino que sua vida tomará após a formatura, e do outro temos Elsa Gardner, mãe de Sam, interpretada pela atriz Jennifer Jason Leigh, tratada como vilã e condenada por ter tido um caso extraconjugal. [CONTÉM SPOILERS]
Um novo Sam Gardner
Após um ano de espera, os fãs de Atypical se deparam com uma temporada de dez episódios (dois a mais que a anterior) e novos problemas a serem resolvidos. Algumas das situações apresentadas são positivas, especialmente no que diz respeito ao amadurecimento de Sam e suas preocupações. Ele ainda se sente inseguro em relação a garotas, mas este não é mais o foco dele. Agora, Sam está focado no futuro. Este é o ponto alto da trama.
O rapaz decidiu fazer faculdade e, ao longo dos episódios, vemos os percalços que ele enfrenta para encontrar o curso e instituição perfeita para si, além de conseguir se adaptar a todas as mudanças de rotina que está enfrentando e as que ainda estão por vir. Vale lembrar que o rapaz já não é mais paciente de Julia Sasaki (Amy Okuda), devido aos conflitos emocionais que Sam viveu com a terapeuta na primeira temporada. Foi preciso buscar uma nova estratégia terapêutica para ajudá-lo a lidar com as frustrações. Sam entrou em um grupo de apoio para pessoas autistas e é Ms. Whitaker (Casey Wilson), líder do grupo, que agora o ajuda na tomada de decisões.
Infelizmente, o autismo ainda é visto como um entrave pela maioria das pessoas e muitos não acreditam que um autista seja capaz de fazer o mesmo que as pessoas fora do espectro conseguem. Atypical consegue sensibilizar ao explorar o Transtorno do Espectro Autista de maneira positiva. No entanto, os erros de condução (especialmente os que envolvem o eixo narrativo de Elsa) empobrecem a história. Afinal, a fofura de Sam não é capaz de ocultar o julgamento machista de que Elsa é vítima.
Não importa se ela é mamãe ou não, a mulher está sempre errada
É comum que os roteiristas escolham algum personagem para canalizar a antipatia do público. Em Atypical, Elsa Gardner é a vilã. Desde a primeira temporada, Elsa foi retratada de modo a fazer com que as espectadoras antipatizassem com ela. Com sua dedicação excessiva a Sam, em detrimento da filha caçula e do marido, Elsa parecia preocupar-se apenas com o garoto, tomando decisões que beneficiavam exclusivamente a ele, sem pensar nas necessidades dos demais.
Entretanto, no desenrolar da primeira temporada, vemos que Elsa está sobrecarregada devido à negligência do marido. Doug Gardner, interpretado pelo ator Michael Rapaport, era um pai ausente. Incapaz de estabelecer um laço com filho, Doug escondia dos colegas de trabalho o autismo de Sam e chegou a abandonar a família após o diagnóstico de Sam. Mesmo assim, a antipatia contra Elsa não é aplacada e tal fato só piora quando ela decide ter um caso extraconjugal.
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A segunda temporada começa a partir dos conflitos ocasionados pela traição. Ao ficar sabendo do ocorrido, Doug abandona a família mais uma vez e Elsa tem que, temporariamente, lidar com os desdobramentos da situação sozinha. Por diversas vezes é chamada de traidora e mentirosa pelo marido e pelos filhos e, lamentavelmente, a situação não está ligada a uma questão de justiça, mas sim carregada de preconceitos relacionados ao papel social atribuído às mulheres.
Elsa é mulher e é mãe. Seu lugar é no lar, cuidando do marido e dos filhos, tendo apoio ou não. Não lhe cabe sofrer ou reclamar da sobrecarga de responsabilidades, pois, de certa forma, eles fazem parte de suas obrigações. Também não lhe é permitido viver aventuras ou sentir desejo. Não importa o quanto seu marido seja distante, omisso e frio. É papel dela se contentar com pouco e suportar a negligência e o abandono. E, mesmo que ela apresente um arrependimento genuíno, não merece ser perdoada. A Elsa Gardner resta apenas o julgamento sem oportunidade de defesa.
Doug passou a ser visto como um pai modelo, interessado em questões sobre autismo, em aprender e a entender as peculiaridades do filho. Seu histórico de negligência foi esquecido não apenas pelos produtores da série, mas também pelo público. Nos fóruns de discussões relacionados à série, é comum vermos postagens condenando Elsa e enobrecendo Doug. Triste perceber que, independentemente do empenho e da dedicação, a mulher precisa errar apenas uma vez para ser condenada, enquanto os homens podem pisar na bola o quanto quiserem. O arrependimento dele será sempre bem-vindo.
Um protagonista carismático não dá conta de salvar uma série quando um pai negligente é considerado herói e uma mãe zelosa acaba sendo condenada sem direito a perdão. Atypical melhorou na segunda temporada, mas não o bastante para que a fofura de Sam consiga sobrepujar o desprezo a Elsa.