The Woman in White: a união de duas irmãs numa sociedade patriarcal vitoriana

The Woman in White: a união de duas irmãs numa sociedade patriarcal vitoriana

The Woman in White é uma minissérie de 5 episódios exibida pela BBC One, entre os meses abril e maio de 2018. A produção televisiva é uma adaptação do romance homônimo do escritor britânico Wilkie Collins, publicado em 1860. 

Para os familiarizados com romances vitorianos como “Jane Eyre”, “O Morro dos Ventos Uivantes”, “Um Conto de Duas Cidades”, entre outros títulos consagrados, a trama de The Woman in White é um prato cheio. Estão presentes na minissérie muitos dos elementos tradicionais desse tipo de narrativa, como relações familiares intrincadas, segredos capazes de arruinar reputações, paixões proibidas, complôs e várias reviravoltas na trama. Tudo isso, unido ao clima de suspense, tensão e mistério que permeia todos os 5 episódios.

[AVISO: O texto pode conter alguns spoilers leves] 

A trama de The Woman in White

O enredo conta a história de um jovem pintor chamado Walter Hartright (Ben Hardy) que acaba de ser contratado por Frederick Fairlie (Charles Dance) para dar aulas de pintura às suas duas sobrinhas. As jovens são meias-irmãs por parte de mãe e ambas ficaram órfãs, restando apenas Frederick para cuidar das duas. Walter então parte de Londres para Cumberland, local onde fica a propriedade do Senhor Fairlie, mas no caminho é abordado por uma jovem vestida de branco que parece muito atormentada e pede sua ajuda. O pintor tenta prestar algum auxílio, mas não consegue fazer sentido das coisas que a mulher de branco diz e esta logo se assusta e foge. Uma carruagem se aproxima e Walter ouve que a jovem misteriosa escapou de um manicômio e está sendo procurada.

Hartright chega então ao seu destino e conhece Marian Halcombe (Jessie Buckley), a mais velha das sobrinhas de Frederick, uma jovem desafiadora que não tem medo de dizer o que pensa. Depois é apresentado à Laura Fairlie (Olivia Vinall), a irmã mais doce. No entanto, Laura possui uma semelhança assombrosa com a mulher de branco com quem Walter conversou brevemente.

The Woman in White

Apesar das tragédias familiares, as irmãs parecem viver bem e felizes. Walter também parece contente e os três se tornam amigos rapidamente. No entanto, o clima de paz e tranquilidade não dura muito, pois Laura se casa por força de um acordo familiar, o que muda completamente suas vidas. Não muito tempo após o casamento, já fica claro que seu marido não é o homem que aparentava ser, e que sua família e a mulher de branco estão conectadas por uma complicada teia de mentiras e segredos.

Narrativa não-linear

Uma das escolhas narrativas mais acertadas de The Woman in White é a alternância entre cenas do presente e do passado. A primeira cena que vemos é um tanto confusa e, a princípio, isso ocorre porque ainda não temos conhecimento dos elementos necessários para compreender aquele momento. Uma mulher é mostrada respondendo aos questionamentos do que parece ser um investigador e insiste que “aqueles homens” são os responsáveis por uma morte que foi declarada como decorrente de causas naturais. Não sabemos nesse momento quem é a jovem prestando depoimento, quem é a suposta vítima e quem são os homens a quem ela acusa.

The Woman in White

A partir daí a história segue fazendo cortes entre memórias passadas e a investigação conduzida no presente, o que é uma forma inteligente e eficaz de despertar a curiosidade da espectadora e prender sua atenção. Dessa forma, a audiência não precisa ser apresentada às personagens para depois ser conduzida ao momento de conflito, pois desde os primeiros minutos está claro que houve um crime e que possivelmente seus perpetradores não foram responsabilizados.

Mulheres que não se submetem

Outra característica marcante de The Woman in White, e talvez seu grande trunfo, é o protagonismo feminino. Pode-se dizer que a história gira em torno de 3 mulheres: as irmãs Laura e Marian, que são a cola narrativa para todos os eventos mostrados, mas também o mistério acerca da identidade da mulher de branco, embora haja muitos outros papéis femininos importantes na minissérie.

O roteiro não perde tempo em deixar claro que o papel de subserviência esperado das mulheres, sobretudo em meados do século XIX, em uma Inglaterra vitoriana extremamente conservadora, vai ser contestado. Em menos de 1 minuto de cena inicial, a jovem que está sendo interrogada questiona “Por que é que os homens destroem as mulheres a todo o momento e saem impunes?” É uma frase forte e que cumpre muito bem o papel de mostrar a espectadora que as relações de gênero são um importante fator na cadeia de eventos contados na obra.

The Woman in White

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O coração da narrativa é, sem dúvidas, a relação entre as irmãs Marian e Laura. Assim que Walter chega à propriedade do Senhor Fairlie e conhece Marian, ela mesma reconhece que as duas teriam tudo para não se gostar e a única coisa que têm em comum é o fato de que nasceram da mesma mãe. O pai de Laura era um homem rico, o pai de Marian era pobre. Laura é vista, com razão, por todos como uma jovem encantadora e de bom temperamento enquanto Marian é percebida como a irmã de gênio mais difícil e admitidamente fala mais do que se espera de uma dama. Laura de fato tem um jeito dócil enquanto Marian é sempre muito assertiva e o contraste entre as duas fica ainda mais evidente pela aparência. Marian tem cabelos escuros, usa calças e coletes, já Laura tem cabelos loiros e está sempre usando vestidos.

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No entanto, nos enganamos ao pensar que diante dessas características tão opostas apenas Marian será retratada como uma pessoa de opiniões fortes e que Laura se mostrará como uma pessoa ingênua e dependente, por possuir os traços vistos como “tipicamente femininos”. O roteiro é bem-sucedido em mostrar a força, a inteligência e a inconformidade de ambas diante do tratamento que recebem dos homens que as cercam, principalmente do tio e, posteriormente, do marido de Laura. As diferenças de personalidade entre as irmãs são tratadas com respeito e em nenhum momento as características de uma ou de outra são retratadas como superiores.

Relacionamento abusivo

Outro grande tema abordado em The Woman in White é o relacionamento abusivo. Laura e Marian, assim como todas as mulheres daquela sociedade vitoriana, não têm muitas opções além de deixar que seus responsáveis decidam seu futuro. A obediência aos homens da família e, depois do casamento, ao marido, é a norma. Os casamentos das mulheres da alta sociedade eram quase sempre arranjados como uma transação de negócios, pensada da melhor forma para gerar lucros e preservar a reputação e os títulos de nobreza em jogo. Era impensável que um pai, ou outro homem responsável por uma jovem, permitisse que ela se casasse com um homem de título ou posses inferiores ao dela.

Laura Fairlie não é muito diferente. A jovem acaba, por pressão familiar, em um casamento completamente abusivo. Seu marido, Sir Percival Glyde (Dougray Scott), é um homem mais velho e cheio de segredos. Se esconde sob a aparência de homem bom e honrado, acima de qualquer suspeita, mas na realidade é um homem sem escrúpulos e capaz de quase tudo para proteger sua reputação. Glyde tem um melhor amigo de quem é muito próximo, Count Fosco (Riccardo Scamarcio), casado com Madam Fosco (Sonya Cassidy).

The Woman in White

Os Foscos e Glyde possuem interesses em comum, interesses esses que entram em conflito direto com os de Laura e Marian. As cenas ambientadas na casa de Glyde são extremamente tensas, vemos uma variedade de manipulações, abusos mentais e físicos sendo cometidos contra as irmãs, na tentativa de assegurar o sucesso dos planos de Glyde e Fosco. Aqui fica ainda mais evidente a força do afeto que as irmãs têm uma pela outra, pela forma como tentam se proteger e garantir que a outra não sofra.

De uma forma geral, a experiência de acompanhar a minissérie The Woman in White é muito positiva. Seu maior acerto é colocar as mulheres no centro da história e valorizar a forma como elas se relacionam umas com as outras. Mas também deve-se mencionar a construção da narrativa enquanto uma história de mistério e cheia de suspense. Realmente a trama consegue prender a espectadora e manter a curiosidade aguçada para desvendar os vários mistérios presentes na narrativa.

O maior ponto negativo de The Woman in White talvez seja justamente a quantidade de subtramas presentes. São tantos segredos e complôs, muitos que tiveram início em um tempo anterior ao da narrativa, que em alguns momentos pode acabar confundindo a espectadora. Outra reclamação possível é que os desfechos de alguns personagens parecem apressados demais ou menos explorados do que deveriam. No entanto, a inteligência com que a narrativa é construída e o carisma das personagens são suficientes para se sobrepor aos pequenos e eventuais tropeços.

Autora convidada: Lorena Macedo é estudante de Letras, Corvinal com ascendente em Sonserina (e acha que isso diz tudo sobre sua personalidade), apaixonada por cultura pop e aficionada por literatura inglesa do século XIX.

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