The Americans: espionagem numa poderosa trama onde soluções fáceis não existem

The Americans: espionagem numa poderosa trama onde soluções fáceis não existem

The Americans (FX, 2013 – 2018) é uma série que pode ser assistida através de dois vieses: da clássica série de espionagem, brilhantemente construída, onde o trabalho é sofisticado, minucioso, além de acompanharmos as dificuldades excruciantes. Não apenas acompanhamos, como sentimos que essa dificuldade existe, pois o roteiro nunca se utiliza de saídas fáceis. E ao mesmo tempo, a série pode ser vista através de toda a sua sutileza ao falar outra linguagem: a das emoções. Relacionamentos. Sonhos quebrados. Relacionamentos que nascem fadados à morte desde o princípio.

Aviso: O texto contém pequenas revelações que não estragam o prazer de assistir a série

A série conta a história de Elizabeth (Keri Russell) e Phillip Jennings (Matthew Rhys). Nela, não há preto e branco, o Mal e o Bem. A espectadora não se sente induzida a torcer por bandeira alguma, havendo imparcialidade na condução da história. Tons de cinza predominam a todo momento, ninguém está de todo certo ou errado, sendo o roteiro cuidadoso o suficiente para nos apresentar motivos que levam os personagens a tomar suas decisões e deixar-nos à vontade para torcer pelo sucesso de qualquer um dos lados. O império dos Estados Unidos, ou a então grandiosa União Soviética.

Joe Weisberg, o criador, foi influenciado pelo incidente dos Ilegais, em 2010, onde dez agentes russos de uma rede de espionagem foram presos nos Estados Unidos. Contudo, a década de 80 foi escolhida para desenrolar os acontecimentos na série. Um fator decisivo foi a campanha do Presidente Reagan contra a União Soviética, à qual chamou em seu famoso discurso, em 1983, de “Império do Mal”. Contexto histórico é parte intrínseca da narrativa, propulsor das ações de espionagem. Igualmente, as tecnologias mostradas seguem uma linha bastante aproximada da real, usando terminologias que vão para além da ficção.

Os Jennings

The Americans

Tida como uma das melhores séries das últimas décadas, o começo pode ser complicado para quem não aprecia um ritmo mais denso e o clima de quietude que antecede grandes acontecimentos. A narrativa se desenvolve tomando tempo para apresentar os personagens através do roteiro afiado e de atuações competentes: Keri Russell e Matthew Rhys lideram o elenco como forças paralelas complementares. Phillip é emocional e transmite suas emoções de modo mais expansivo, Elizabeth mantém uma postura de seriedade, que vai desde a linha tensa dos seus ombros e é quebrada apenas pela famosa veia prestes a explodir na testa, em momentos nos quais precisa controlar sua raiva e emoções mais fortes.

O cerne familiar dos Jennings é composto por seus filhos, Henry (Keidrich Sellati) e Paige (Holly Taylor), existindo uma fuga do corriqueiro ao nos trazer uma jornada sólida para ambos. Temporada após temporada, há uma preocupação em evoluir ambos, inserindo Paige na trama de espionagem de forma fluída. Os escritores trabalham-na desde tenra idade até a prematura maturidade forjada pela ocasião. Sua natureza curiosa e de liderança a coloca em conflito com Elizabeth, sendo Phillip o intermediador entre mãe e filha. Eventualmente, há um alinhamento, dispensando qualquer rivalidade feminina desnecessária. Ambas dividem cenas que estão dentre as melhores: de confidência e aprendizado, um recorte do forte laço entre mãe e filha, ávida a conhecer mais de sua origem.

The Americans
Paige (Holly Taylor) e Elizabeth (Keri Russell)

Para pintar as origens, existem flashbacks dos protagonistas, ambos com motivações igualmente fortes para abandonar seu país e iniciar uma vida no limiar do perigo, como agentes infiltrados em solo americano. O roteiro entrelaça bem o passado do casal e suas personalidades, que quando somados às interpretações elogiadas, faz entender o que os move sem ser necessário que o texto esmiúce tudo em detalhes fatigantes. Inúmeras as ocasiões onde “The Americans” faz uso de outros elementos para contribuir com a carga dramática: imagem e som são partes tão importantes quanto o roteiro. Às vezes, tudo que se precisa é da poderosa trilha sonora, cenografia primorosa e permitir que o/a ator/atriz faça sua parte.

A (des)construção de Elizabeth como o coração da trama

The Americans

Keri Russell, de sua parte, nos traz a excepcional Elizabeth. Na contramão de muitas produções, onde se divide tempo de tela num casal, aqui inexistem cortes narrativos ou mal aproveitamento da personagem. Caminhamos com seus traumas, mostrados em cenas incômodas não por sua brutalidade em explicitude, – tendo a série cuidado ao tratar de temas mais fortes como o abuso e a violência contra mulher – mas pelo excelente trabalho de Russell e do diretor, em transmitir as mais íntimas das emoções com o olhar de Russell, além das expressões faciais e do trabalho corporal. Atriz completa, que dá molde para uma espiã complexa, faz entendermos o porquê é citada por Phillip como “a agente mais dedicada e leal que já trabalhara para a Agência”. E a despeito de sua imagem dura, não fica limitada a um estereótipo.

The Americans

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“The Americans” nos proporciona momentos de vulnerabilidade, conexões íntimas e a derrubada de antigos conceitos e constante evolução. As cenas onde é trabalhado o amor nutrido por sua família preenchem os olhos, para em seguida sermos arrebatadas pela força com a qual é tenaz, conduz vingança, e esbanja sexualidade. Elizabeth é centro e coração da série, é nela onde as decisões mais importantes recaem. É na convicção com a qual conduz as missões e protege a família que testemunhamos o desfazer e o reconstruir da personagem pelos desafios ao redor, que cresce exponencialmente no espaço de seis temporadas.

Narrativas enervantes nascidas de construções bem elaboradas

Mulheres exercem funções importantes em “The Americans”. Seus desfechos podem ser amargos. Suas ambições bem trabalhadas e desenvolvidas, apesar do ambiente de predominância masculina. Em 1980, havia pouco tempo desde que mulheres começaram a ser parte das agentes do FBI, fato que ocorreu apenas em 1972. Já na USS da série, há uma maior participação feminina. Elizabeth e Phillip respondem à Claudia, superior de ambos, interpretada pela cativante Margo Martindale.

The Americans
Claudia (Margo Martindale)

Existem ainda outras personagens integrantes da Inteligência Soviética e também funções consideradas de ideal romântico, sendo uma das histórias preferidas do público a de Martha, secretária do FBI cuja vida se interliga à de Phillip. Martha é romântica, determinada e o carisma de Alison Wright a tornou um sucesso.

Algumas outras personagens são narrativas importantes ao agente, que usa do método da conquista para angariar informantes duradouras. Um desses plots em especial é enervante, mas a série sabe o que faz, desenvolvendo consciência própria nos constantes conflitos morais de Phillip. Conflitos que nos levam ao seu relacionamento com Stan Beeman (Noah Emmerich), agente do FBI e seu vizinho, o contraponto direto dos infiltrados, principal defensor dos interesses dos Estados Unidos na série, o qual chama de melhor amigo. Mas, seria Stan apenas mais uma ferramenta, ou amizade verdadeira com outro fim, caso não estivessem de lados opostos? Difícil responder. E ao mesmo tempo impossível não ter sua interpretação própria. Nas entrelinhas reside a mágica de “The Americans”.

The Americans
Martha (Alison Wright) e Phillip (Matthew Rhys)

Uma aclamada série sobre vulnerabilidade

The Americans” fala sobre uma época onde a desconfiança impera e o pragmatismo está acima da esperança. Mas ela ainda existe, numa nova geração, talvez. Sem a amargura de dois lados antagônicos que viveram em conflito por muitos anos. É uma série sobre família, sobre mulheres fortes, vulneráveis, que usam e são usadas. Sobre homens frágeis que se escondem por trás das aparências e caem em joguetes de poder. Um presente que o criador e toda sua equipe nos trouxeram e angariou vários prêmios, tendo uma espetacular última temporada que deu a Matthew Rhys, escritores e produtores, o reconhecimento merecido. Quanto a Keri, ficamos com um trecho de Matthew ao receber o Emmy de melhor ator pelo encerramento da série: “eu não tenho as palavras para lhe fazer justiça.”

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Escrevo onde meu coração me leva. Apaixonada pelo poder das palavras, tentando conquistar meu espaço nesse mundo, uma frase de cada vez.
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