Inspire, Expire: sororidade e um convite à reflexão sobre temáticas atuais

Inspire, Expire: sororidade e um convite à reflexão sobre temáticas atuais

O que uma mãe solo islandesa que atravessa dificuldades financeiras e uma refugiada oriunda de Guiné-Bissau prestes a ser deportada têm em comum? O filme “Inspire, Expire” apresenta uma trama que entrelaça os caminhos dessas duas personagens que, a priori, vivem situações distintas. O longa-metragem é um filme islandês, dirigido por Isold Uggadottir, que está sendo distribuído pela Netflix no Brasil.

A narrativa trata de temáticas sociais de extrema relevância e imprescindíveis para serem discutidas no cenário político mundial e nacional contemporâneos, em que ondas conservadoras e de extrema direita avançam e tentam atenuar direitos fundamentais das classes sociais historicamente subalternizadas. O roteiro entrecruza as histórias de vida de Lara (Kristín Þóra Haraldsdóttir) e Adja (Babetida Sadjo), mães solo que apesar de cometerem falhas morais e até ilícitas, suscetíveis a toda pessoa humana que sofre abandono social e carência de ordem material, desdobram-se para cuidar sozinhas dos seus filhos.

Inspire Expire

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As dificuldades que uma mãe solo passa, muitas vezes, tão condenada moralmente pela sociedade, são muito bem exploradas na narrativa, abrindo margem para discussões importantes. Lara está desempregada com um filho para criar e alimentar, não conseguindo quitar as dívidas necessárias para se ter uma vida digna mínima, como as despesas com o aluguel. Na iminência de ser despejada em razão dos atrasos no aluguel, Lara empacota a mobília e leva o filho consigo. Na busca de um local para ficarem, sem êxito, eles passam a morar dentro do próprio carro e a alimentarem-se precariamente com comidas para degustação de supermercados.

O amor incondicional pelo filho é o motor responsável para que Lara não sucumba e encontre forças onde nem sabia que existia. A protagonista, que já apresentava um passado problemático relacionado à dependência química, esforça-se ao máximo e consegue uma vaga de trainee para trabalhar como fiscal da alfândega de um aeroporto. No intuito de mostrar compromisso com a função laboral e ser contratada de forma permanente, Lara tenta ganhar pontos com os seus superiores e, ao verificar que havia ilegalidade no passaporte de Adja, uma mulher negra oriunda de Guiné-Bissau, ela aciona os seus chefes, resultando na detenção de Adja pelo governo islandês. É nesse contexto desagradável em que as duas personagens têm suas histórias entrelaçadas.

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Cumprida a pena de detenção, Adja é conduzida para um abrigo temporário de imigrantes em situação de ilegalidade no país, reencontrando, por ironia do destino, Lara (a pessoa que a delatou às autoridades). Sem apresentar ressentimentos, característico de sua personalidade leve e resiliente, Adja, apesar de estar separada de sua filha e desprovida de um lar, encontra o filho de Lara que havia desaparecido e ao perceber posteriormente que mãe e filho estavam morando precariamente em um carro, oferece abrigo a ambos para dormir. É a partir desse gesto de humanidade e sororidade feminina que nasce uma relação de amizade e assistência mútua entre as duas protagonistas.

A problemática dos refugiados

Não é de hoje que os também chamados apátridas são vistos como uma ameaça por políticas de governos xenofóbicos, contudo, nos últimos anos, tem-se registrado a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Ao contrário do estereótipo que é disseminado pelo governo norte-americano de Donald Trump, em âmbito internacional, pela grande mídia, como também por setores de extrema direita, em nível nacional, os refugiados que estão fugindo de crises humanitárias, econômicas e conflitos armados, em regra, assumem subempregos, descartados pela população local e têm as relações de trabalho mais precarizadas.

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Alguns grupos sociais são estruturalmente mais silenciados do que outros. O filme “Inspire, Expire“, portanto, para além de olhar para as vidas sofridas e heroicas de mães solo que fazem verdadeiros malabarismos para superar as violências simbólica e material e dar uma vida digna aos seus filhos, ainda levanta a importante questão social sobre a migração de populações sob o prisma de Adja.

Teste de Bechdel

O teste de Bechdel foi idealizado, em 1985, pela quadrinista Alison Bechdel e tem por objetivo analisar se um filme traz personagens mulheres importantes e participativas. Ou seja, questiona se a participação feminina tem relevância no enredo de filmes a partir dos seguintes questionamentos:

  • O filme tem duas ou mais personagens com nomes?

  • Elas conversam entre si?

  • O assunto da conversa é algo que não seja homem ou assuntos relacionados a romances?

Assim sendo, respondendo os três questionamentos acima, o longa “Inspire, Expire” passa facilmente (e com louvor) no teste de Bechdel, pois os personagens masculinos que surgem na trama têm uma importância muito secundária, já que a narrativa centraliza-se na história e relação de sororidade entre duas mulheres distintas, oriundas de grupos sociais diferentes, mas que têm em comum uma força descomunal, cada uma ao seu modo. Como também, as falas das personagens não discorrem sobre homens, sendo também protagonistas de suas falas e diálogos.

Por tudo isso, “Inspire, Expire“, para além das qualidades técnicas, apresenta uma mensagem reflexiva muito importante e pertinente nos tempos políticos atuais, como também nos convida a enxergar grupos sociais estereotipados como a mãe solo, a mulher negra e refugiada, com humanidade e empatia.

https://www.youtube.com/watch?v=If9kYXSUE-E

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18 Textos

Jornalista, pós-graduada em Comunicação, Semiótica e Linguagens Visuais, estudante de Direito, militante femimista, autora do livro A Árvore dos Frutos Proibidos, desenhista, cinéfila e eterna aprendiz na busca do aprender a ser.
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