Rosa Luxemburgo – Pensamento e Ação : uma vida que não cabe em livros

Rosa Luxemburgo – Pensamento e Ação : uma vida que não cabe em livros

Uma referência indispensável nos estudos de sociologia, história, política e pensamento crítico, Rosa Luxemburgo foi uma revolucionária extensamente biografada. Mesmo que muitos de seus escritos tenham se perdido em meio às guerras, contra-revoluções e a inevitável passagem do tempo, parte dessa memória do povo alemão seria destruída nas fogueiras nazistas. Em 1933, o poder das palavras de Rosa Luxemburgo ainda era considerado subversivo – sua obra e seu pensamento resistem e ressoam nas condições políticas e no desenvolvimento da atualidade ao mesmo tempo como presságio e utopia.

Presságio, pois sua defesa da classe trabalhadora e análises em relação aos movimentos revolucionários de 1890 a 1919 nos aproximam de uma compreensão da realidade sócio-política atual; e utopia, pois a ética de seu pensamento socialista e o comprometimento com as ferramentas de análise da dialética marxista são, ao mesmo tempo, inspiração e estratégia política refinada.

“A história mundial dá a impressão de ser um insípido romance de terceira categoria, no qual efeitos chamativos e episódios sangrentos disputam a cena. Porém, não se pode deixar esse romance sem lê-lo. Não duvido nem um instante da dialética da história.” – Rosa Luxemburgo

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

A edição da biografia da revolucionária, escrita por um amigo e companheiro de luta Paul Frölich, em 1939, se destaca não só por ser um relato de épocam como também por conter a aproximação pessoal com a história de Rosa. Desde 1921, dois anos após sua morte, Paul Frölich, em conjunto e por iniciativa de Clara Zetkin, ajudou a criar, dentro do Comitê Executivo da Internacional Comunista, uma comissão para recuperar a obra e o legado de Rosa Luxemburgo. Encarregado de selecionar e elaborar o material, já em 1925, Frölich publica o primeiro volume da série de obras completas da pensadora.

A aproximação entre o biógrafo e a biografada traz nuances especiais nessa edição e revela como o pensamento de Rosa pôde ser aplicado e permaneceu relevante no decorrer da história, assim como apresenta uma versão próxima da persona da polonesa-alemã e nos oferece uma versão íntima de sua trajetória. Por meio de cartas, trechos de artigo, transcrições de discursos e publicações, conseguimos discernir a potência e eloquência de Rosa Luxemburgo, que escreve de forma honesta e crítica e expressa uma visão de mundo por meio de suas palavras, que transparecem uma inteireza de personalidade e uma internalização da revolução que ela buscou não só na Polônia, Rússia e Alemanha, mas para os trabalhadores internacionalmente.

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Sua atuação crítica nos movimentos que se sucederam nesses três países, pela queda do tsarismo e união do campo na Rússia, na independência e na formação operária da Polônia, e como membra e líder da social democracia da Alemanha, a tornou um símbolo do internacionalismo da luta dos trabalhadores. Rosa Luxemburgo é, acima de tudo, fiel ao proletariado e toda sua produção foi consistente nessa defesa e no combate ao imperialismo.

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

Suas anotações não carecem de senso de humor, até mesmo quando sua escrita acontecia dentro das celas: Rosa foi presa em Frankfurt, em 1914, julgada e condenada pelo Tribunal Criminal por incitamento à desobediência civil, por conta de um artigo publicado em que ela condenava o imperialismo, “Militarismo, guerra e classe trabalhadora”. Libertada um primeira vez, ela seria encarcerada novamente; foi na prisão que escreveu Folheto Junius, que se tornaria a base teórica para a Liga Spartakus, grupo que compôs no futuro o Partido Comunista Alemão.

“Meu recurso foi negado com base em uma descrição detalhada da minha maldade e incorrigibilidade e o mesmo se deu com um requerimento de, pelo menos, um período de férias. Pelo visto, devo esperar até vencermos o mundo inteiro.” *

Nascida em família judia, na pequena cidade de Zamóść, na Polônia, em 1871, Rosa desde pequena era conhecida por seu pensamento perspicaz, seu comprometimento com a leitura e sua ânsia por conhecimento. Aos cinco anos de idade já lia e escrevia perfeitamente e no ginásio foi privada da medalha de melhor aluna da classe por conta de sua atitude rebelde. Foi no ginásio também que ela ingressou na militância, se filiando ao Partido do Proletariado. As condições de vida para militantes judeus na Polônia foram se deteriorando e Rosa foi obrigada a deixar o país para escapar de uma ordem de prisão, indo estudar na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça, onde suas atividades revolucionárias não pararam.

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

Mas foi no processo revolucionário da Rússia, em 1905, que sua influência e prestígio como pensadora se intensificaram e ela passou a ser crítica das táticas do movimento dos trabalhadores e escreveu duas partes de uma série de ensaios, intitulada “A hora revolucionária: como prosseguir”, se mudando para Varsóvia a fim de acompanhar de perto os desdobramentos do levante revolucionário. Ao retornar à Alemanha, em 1906, Rosa percebe a guinada que o Partido da Social Democracia Alemã (SPD) dá em direção ao parlamentarismo, se distanciando dos movimentos de massa. Nesse contexto, ela passa a dar aulas de Introdução à Economia Política na escola de formação da Social Democracia e daí surgem um dos seus trabalhos mais conhecidos, “A acumulação de capital”, em que a autora expõe o processo global da produção capitalista em suas relações concretas e seu limite histórico objetivo.

Sua trajetória de luta é marcada pela força: mesmo sofrendo com frágeis condições de saúde desde a infância, Rosa desafiava a si mesma fazendo parte de levantes. Ela atuou na construção de base do movimento dos trabalhadores, se opondo como linha de frente às forças do reformismo e da contra-revolução, que fatalmente se instauraram na Rússia Soviética após a revolução e construíram as bases do nazismo que Rosa não viveu para ver, mas descreveu suas estratégias e ideologias no momento em que a burguesia e o imperialismo se rebelavam contra as forças do povo na Alemanha – sua segunda casa. Sua produção também desafiava os limites do cárcere, seus escritos eram contrabandeados e publicados à revelia da repressão, suas ideias eram combatidas e recebiam resistência tanto dentro dos partidos socialistas quanto por seus opositores. Sua postura crítica, entretanto, nunca foi abalada.

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

É curioso que, ao longo de toda a narrativa da biografia, a luta pela libertação das mulheres não seja mencionada como parte do ativismo de Rosa Luxemburgo. Apesar de sua relação de profundo companheirismo e conexão intelectual com Clara Zetkin ser citado em diversos momentos, não há uma investigação da contribuição entre as duas sobre a questão específica das mulheres trabalhadoras nessa edição. O mundo de Rosa Luxemburgo (contrariando as remetentes das cartas que ela enviava) parecia ser habitado majoritariamente por homens – e não duvido que o tenha sido, afinal, a presença de mulheres no ativismo e em posições de liderança nas organizações sempre foi boicotada ou diminuída pela história.

A edição também é rica em pontos de vista, com um prólogo da primeira edição brasileira, um prefácio da primeira edição alemã, escrita por Paul Frölich, fotos de arquivo e posfácio da estudiosa brasileira Isabel Loureiro. A obra é posta em diversos contextos, desde sua publicação, em 1939, passando pela re-edição, em 1948, até a análise, de 2018. É uma obra dialética, que assim como o pensamento de Rosa Luxemburgo, relaciona uma profunda compreensão das forças sociais existentes no século 20, com a realidade atual e as forças presentes no capitalismo e burguesia de hoje.

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

A mensagem final é de resistência ativa, um otimismo necessário para se continuar a luta anticapitalista e restaurar o fôlego em tempos de trevas. “O cortejo triunfal da barbárie chegará ao seu limite. O Aqueronte voltará a fluir. Do espírito de Rosa Luxemburgo se erguerão os vencedores“. A esperança talvez seja necessária, porque a história nos mostra que a luta é permanente.

“Sabe, Soniucha, quanto mais isso dura, quanto mais a indignidade e a monstruosidade que acontecem todos os dias ultrapassam todos os limites e todas as medidas, mais tranquila e firme interiormente eu me sinto, do mesmo modo que diante de um elemento, uma nevasca, uma inundação, um eclipse do sol, não podemos empregar critérios morais, e apenas podemos tomá-lo como algo dado, como objeto de investigação e conhecimento.” *2

Rosa Luxemburgo
Foto: Isabelle Simões / Delirium Nerd

*Passagens íntimas de correspondências no cárcere na Alemanha, em 1918, em que abatida, Rosa desabafa com a amiga Sonia Liebknetch

*2 Rosa Luxemburgo, carta para Sophie [Sonia] Liebknetch, Breslau, 16 de nov. 1917, em Isabel Loureiro (.org.), Rosa Luxemburgo, v.3, cit., p.309. (N.E)


Rosa LuxemburgoRosa Luxemburgo – Pensamento e Ação

 Paul Frölich (Autor)

Boitempo Editorial

378 páginas

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Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

37 Textos

Feminista Raíz
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