Queer Eye: 3ª temporada destaca histórias de mulheres invisibilizadas

Queer Eye: 3ª temporada destaca histórias de mulheres invisibilizadas

Os cinco fabulosos do reality show “Queer Eye“, veiculado através da plataforma de streaming Netflix, estão de volta na terceira temporada! Antoni Porowski, Bobby Berk, Jonathan Van Ness, Karamo Brown e Tan France reúnem-se, desta vez, para conduzir não a uma mudança forçosa dos visuais e comportamentos de alguns moradores de Kansas City, Missouri, mas para que os participantes do programa se redescubram e construam novos estilos, modos de viver e de se auto perceberem.

Longe de constituir um formato tradicional de programa que se propõe a ajudar pessoas em estado de vulnerabilidade de forma assistencialista e indulgente, “Queer Eye” enxerga a humanidade dos participantes e conduz o público a envolver-se e conhecer as histórias e percursos existentes por trás de cada semblante mostrado. Não se tratam de especialistas em moda, decoração e beleza que moldam as pessoas e ditam o que é sentir-se bela ou belo, segundo um padrão de beleza hegemônico; pelo contrário, os cinco fabulosos refinam e despertam o olhar para a compreensão de que beleza é estar bem consigo próprio, é ser o que se quer ser, não importando os imperativos e normatividades da sociedade. Como disse o especialista em cabelo e pele, Jonathan, “beleza é quando você está conectado com seu próprio coração e não precisa explicar nada a ninguém porque você sabe que é bonito do seu jeito”.

Empoderamento e união feminina em “Queer Eye”

Jody em Queer Eye
Queer Eye (Imagem: Netflix/Divulgação)

Nesta terceira temporada de “Queer Eye“, além de desconstruir estereótipos e um modelo de masculinidade tóxica, verifica-se uma acentuada presença feminina entre os episódios. No primeiro, intitulado “Novas armas, os cinco fabulosos têm a missão de ajudar a agente penitenciária Jody a resgatar a autoconfiança e amor próprio perdidos em razão de uma ferida emocional não cicatrizada: a morte do irmão em um acidente. Jody confessa que não se sente bem consigo mesma e que a última vez em que se sentiu bonita fora há dez anos, na cerimônia de seu casamento. A participante revela que não se sente feminina, o que pode ser decorrência de ter crescido em meio a cinco irmãos homens.

A nossa cultura sexista e patriarcal, desde muito cedo, nos impõe um roteiro predeterminado do que é ser mulher, do que é sinônimo de feminino. Somos educadas e instruídas a não descuidar da aparência, a ser sexy o tempo todo, a competir com outras mulheres pelos holofotes e atenção dos homens na intenção de seduzi-los e a nos comportar como princesas delicadas. Enfim, somos bombardeadas ao longo da construção de nossa identidade de imperativos acerca do que é adequado e inerente ao ser mulher.

Muitas vezes somos moldadas a acreditar que para sermos amadas, felizes e atraentes, precisamos ter as medidas perfeitas da modelo que estampa a capa da revista ou ter sempre uma aparência impecável, não sendo permitido descuidar do visual que se convencionou socialmente e culturalmente como um paradigma único e inquestionável de beleza. Contudo, os cinco fabulosos reúnem esforços para clarear a visão de Jody no sentido de que não existe uma fórmula pronta do que é “ser feminina” e a feminilidade não está vinculada a ser uma mulher fatal ou ser bonita de acordo com os padrões de uma sociedade sexista e patriarcal. Nos dizeres da filósofa francesa Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, tornar-se”.

Cena de Queer Eye (Imagem: Arte Aberta/Reprodução)

Ao promover o encontro de Jody com outras mulheres de diferentes feições e culturas e estilos, Karamo (especialista em cultura e comportamento) busca esclarecer à participante que não existe um só jeito de ser mulher e que se pode e deve se redefinir o que, de fato, é ser mulher. “Feminilidade é o que ela quer que seja”. Assim, Jody, que até então sentia-se pouco feminina e masculinizada, toma a consciência de que não se deve haver uma delimitação rígida de espaços entre os gêneros, ou seja, entre o masculino e feminino. Ser mulher perpassa pela nossa própria experiência, olhar e construção interna da pessoa e mulher que almejamos nos tornar, sem imposições e interferências de terceiros ou do que a sociedade espera de nós.

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Descobrindo e permitindo o interior

Queer Eye
Cena de Queer Eye (Imagem: Netflix/Divulgação)

Já no episódio “Uma mulher poderosa“, é a vez de conhecermos a história de força e superação de uma jovem lésbica e negra de 23 anos, a garçonete Jess, que também vivencia momentos turbulentos de conflito de identidade e insegurança por não atender às pressões e ao roteiro do que as pessoas e a família projetavam para ela; numa sociedade marcada por preconceitos e pela concepção de que ser diferente significa inferioridade, ter a coragem de seguir a sua essência e ser fiel aos seus sonhos e seus princípios tem um preço oneroso e alto.

Desde os 16 anos, Jess foi obrigada a se tornar independente e viver por conta própria, pois seus pais adotivos souberam que a filha era homossexual e de prontidão expulsaram-na de casa sem que ela pudesse nem mesmo arrumar suas malas. Então, Jess, que foi acolhida por uma amiga, além de conviver com o acúmulo de opressões por ser uma mulher negra e lésbica, também teve de aprender a lidar com o desprezo dos pais simplesmente por ser quem ela é.

Queer Eye

Quando se é jovem é difícil entender que um dia a sua família pode te rejeitar, você supõe que as pessoas que você ama vão te amar incondicionalmente”, diz Tan, o especialista em moda. Aqui, a missão dos cinco fabulosos é resgatar a confiança de Jess para que ela aprenda a se enxergar como uma mulher negra forte e bonita e tenha a percepção de que o abandono da família não tem a ver com um defeito ou falha dela, mas com a homofobia e intolerância da própria família. O problema não é ela e sim os outros.

Outro grande feito do programa foi que após a exibição do episódio alusivo à história de Jess, um espectador lançou uma campanha por meio de crowdfunding para arrecadar dinheiro a fim de que a jovem pudesse retornar à universidade. Jess começou a estudar Ciência da Computação na Universidade do Kansas, usando seu próprio dinheiro para financiar o curso, mas mais tarde foi forçada a abandonar a escola devido ao aumento das dívidas. Desde que a página foi lançada, em 16 de março de 2019, foram arrecadados US$ 94.182 com muitas pessoas também deixando mensagens de encorajamento à jovem, segundo informações veiculadas no Independent.

A alegria e o poder da força fraternal em “Queer Eye”

Queer Eye
Cena de Queer Eye (Imagem: Netflix/Divulgação)

Um outro episódio que conta as histórias de mulheres fortes é “O churrasco de Jones“. Trata-se de duas irmãs negras que se tornam as únicas mulheres empreendedoras do ramo de churrasco em Kansas City. As irmãs Deborah e Mary Jones trabalham diuturnamente fazendo churrasco há mais de 35 anos e acordando às três da manhã para exercer o ofício que lhes foi transmitido pelo pai. Os cinco fabulosos, então, entram em ação para ajudar as irmãs a perceberem que precisam se amar e cuidar mais delas mesmas.

Queer Eye

O especialista em design, Bobby, tratou de reformar o espaço físico onde funcionava a churrascaria das irmãs, dando uma nova vida ao Jones Bar-BQ. O restaurante apertado que mal comportava as duas irmãs foi readaptado para comportar mais ajudantes, refrigerado e ganhou uma área aberta para que os clientes pudessem sentar enquanto aguardavam os pedidos, evitando a fila quilométrica de antes.

Outra mudança com um toque dos fabulosos foi que as irmãs Jones puderam engarrafar o famoso molho de churrasco, por elas produzido com uma receita secreta de família, no intuito de distribui-lo para as vendas, disponíveis em todo o país – e, de acordo com as próprias irmãs, as vendas já alcançaram um alto patamar. O molho Jones Bar-BQ já se tornou um sucesso entre a clientela não só por ser saboroso, mas por representar o registro de uma história de pioneirismo e empoderamento de duas irmãs negras que ousaram adentrar num território maciçamente ocupado por homens nos EUA, o ramo do churrasco.

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As lições de “Queer Eye”

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No decorrer da terceira temporada, os cinco fabulosos inspiram com sua empatia, respeito e sorrisos e mostram que sempre tem um jeito pra tudo na vida – se feito com amor, carinho e paciência. O que “Queer Eye” enfatiza muito nos episódios é que, geralmente, nós quem colocamos empecilhos e obstáculos no nosso caminho, quando na verdade a solução só está dentro de nós, pronta pra aflorar. Os cinco profissionais conversam com as pessoas que atendem e procuram entender e compreender suas vidas e o que as fazem não conseguir alcançar seus objetivos, demonstrando suporte e auxílio para que as metas sejam atingidas. A lição mais importante, nesse caso, é que você tem que se amar – é um processo e tudo deve ocorrer no seu tempo – e fazer por você e por mais ninguém!

A série também dá algumas dicas de decoração, culinária, beleza e moda ao fim dos episódios, o que é ainda mais interessante, já que, enquanto o episódio está rolando, é muito divertido pegar os aprendizados e aplicar na própria vivência; a sinceridade do grupo também é um item muito valioso, pois eles mostram que estão prontos a ajudar se a pessoa quiser essa ajuda – eles são claros e apontam o que pode e precisa ser melhorado para que a qualidade de vida daquela pessoa passe de “apenas ok” para ótima e feliz.

Queer Eye

Outro tópico que merece ressalva é a forma como o Karamo trata as peculiaridades de cada “caso”, inclusive a religião – é inspirador vê-lo dedicado a entender o ponto de vista da pessoa e conseguir falar e passar a ela o que ela precisa ouvir naquele momento de sua vida.

Queer Eye“, portanto, não é apenas mais um reality show norte-americano com um formato convencional, é um programa protagonizado por cinco homens homossexuais que se propõem a estabelecer vínculos e empatia com os participantes, conhecendo suas dores, seus conflitos de identidade e emocionais e suas relações familiares no intuito de melhorar suas vida e seus estilos. A terceira temporada apresenta o diferencial de adentrar mais no universo feminino, mostrando ao público histórias de mulheres fortes que esqueceram ou que não sabiam o quão incríveis são; além de empoderar e elevar a autoestima das participantes, o reality show se propõe a mudar vidas, dando uma mãozinha para que os participantes encontrem seu lugar ao sol. 


Este artigo é uma parceria entre a redatora Ana Karla Farias e a editora de textos do Delirium Nerd Gabriela Prado.

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