Nebula e Gamora: trauma e superação pelas irmãs mais letais da Galáxia

Nebula e Gamora: trauma e superação pelas irmãs mais letais da Galáxia

Vamos falar sobre abuso. Vamos falar sobre manipulação. Vamos falar sobre ódio, honra e glória. Vamos falar sobre amor, redenção e cura. Quem arriscaria um palpite sobre personagens femininas do MCU (Marvel Cinematic Universe) que se encaixam nesse perfil, caso alguém levantasse as questões anteriores? Se você falou Nebula ou Gamora, estamos seguindo a mesma linha de pensamento. Se nada respondeu, vamos juntas relembrar da história dessas duas irmãs que cresceram moldadas a fogo e ferro.

Não exatamente criadas para proteger

Conhecemos Gamora (Zoe Saldana) no primeiro filme de “Guardiões da Galáxia“, onde ela é uma assassina de renome galáctico, servindo ao seu pai, o Titã Thanos (Josh Brolin). A missão principal de Thanos é reunir as joias do infinito, partindo numa cruzada espacial em busca das ferramentas para seu plano de dizimação. Ele conta com a ajuda de sua equipe e seus seguidores, mais parecidos com devotos. No entanto, seus braços direito e esquerdo são suas filhas de criação, Gamora e Nebula (Karen Gillan), humanoides de alta proficiência quando o assunto é matar.

Gamora
Zoe Saldana como Gamora (Imagem: Marvel Studios/divulgação)

Rosto já conhecido dos grandes fãs de blockbusters, Gamora é dona de uma personalidade séria, reflexos incríveis e força acima de qualquer humano. Ela é enviada para interceptar um orbe, sob comando de Ronan (Lee Pace), mas o faz de maneira relutante. Em sua mente, já levanta sérias dúvidas sobre sua lealdade ao pai e se ele, de fato, detém a melhor solução para os problemas de balanceamento do universo.

Durante o primeiro filme dos Guardiões, presenciamos todo seu questionamento identitário, algo que apenas se aprofunda quando é levada a conhecer um grupo de desajustados prestes a mudar sua vida: Peter Quill (Chris Pratt), um mercenário que não poderia ser definido com outra palavra por ela além de um grande idiota; Rocket (voz de Bradley Cooper), um guaxinim de inteligência genial com capacidade de fala que vive acompanhado por seu parceiro de crime e melhor amigo, a árvore Groot (voz de Vin Diesel); e, por fim, Drax (Dave Bautista), quem havia prometido matar Thanos com suas próprias mãos por vingança pela atrocidade cometida contra sua família, inteiramente assassinada.

Todos os personagens convergem dentro de uma prisão, onde Gamora apenas escapa pela oportunidade que ganha de Quill. Eles traçam uma aliança temporária, cada um tendo seu objetivo em mente, sendo o de Gamora manter o poder contido no orbe o mais distante possível das mãos de Ronan e, consequentemente, de Thanos – quem, naquela altura, já tinha enviado uma comitiva mortal para finalmente a obter. Gamora tem de fazer uma escolha: ir de encontro aos objetivos de seu pai, irmã e antigos aliados, ou proteger aquele grupo de atrapalhados – e ainda mais importante, o mundo.

Alimentando os conflitos internos

Guardiões da Galáxia
Cena de “Guardiões da Galáxia” (Imagem: Marvel Studios/divulgação)

Algo que vamos percebendo conforme acompanhamos a caminhada dos Guardiões é a motivação por trás dos questionamentos de Gamora e o quão intenso é seu conflito interno. Isto porque ali no começo fica apenas implícito o quão poderosa era a influência que Thanos exercia em sua vida. Nebula, por outro lado, já vai sendo apresentada como devota e fiel de toda e qualquer ordem proferida por sua figura paterna, apesar de o ressentir intimamente pelas atrocidades cometidas contra si.

As irmãs entram em combate físico e psicológico, alimentado por intrigas íntimas, já que Nebula visivelmente é afetada pela predileção de Thanos por Gamora. Exímio manipulador, ele coloca as duas em duelos constantes, onde a cada derrota de Nebula, ela tem uma parte do seu corpo substituída por algum apetrecho tecnológico, com a intenção de, algum dia, superar Gamora. O plano funciona, criando uma rivalidade entre as duas e alimentando os sentimentos negativos que Nebula sente pela irmã adotiva.

Mas Gamora foge dessa armadilha em sua primeira aparição nos cinemas e, continuamente, desliza para longe das garras do seu passado, que tenta a todo custo alcançá-la. Os Guardiões da Galáxia não salvaram “apenas” o mundo após o embate com Ronan, eles também salvaram sua melhor combatente. Há um resgate de seu espírito, uma renovação de laços sentimentais e a perspectiva de um futuro diferente diante dos olhos da outrora conhecida apenas como filha de Thanos – ou assassina mortal.

Ela se envolve e cativa os membros de seu grupo, gradualmente desenvolvendo verdadeiro afeto e amizade por todos eles, sendo mais famoso dentre esses laços o romance com Peter Quill, um dos prediletos entre os fãs do MCU.  A narrativa entre eles é lenta e envolve música, cenários fantásticos, cores vívidas e muitas farpas. Quill tenta se provar enquanto Gamora tenta resistir ao que sente. Ambos jamais falam com todas as palavras o que está acontecendo entre eles, motivo pelo qual a cena envolvendo a declaração de amor em “Guerra Infinita” tem uma força maior. Gamora está indo em território inusitado, vocalizando sentimentos, algo que nunca teve a chance antes, quando o único afeto que pode ser considerado real durante sua vida como órfã foi o compartilhado entre ela e Nebula.

Um inusitado recorte sobre o laço entre irmãs Nebula e Gamora

Nebula e Gamora

A história de Nebula e Gamora foge do padrão narrativo da Marvel nos cinemas e que as mulheres estão acostumadas a receber como um todo no audiovisual. Não é muito comum encontrarmos histórias que se preocupam em dar um arco completo para duas irmãs. No caso em pauta, ambas receberam um tratamento que foi desde o estranhamento até a genuína amizade e lealdade, selada em “Vingadores: Ultimato. O filme finaliza a construção de uma parceria entre elas, a volta de Gamora e um arco especial para a irmã mais ranzinza e querida do espaço.

Através de Nebula e Gamora, vemos um relacionamento muito difícil de ser mostrado nos cinemas; irmãs geralmente não atraem muito a atenção dos grandes produtores de blockbusters. Irmãs no espaço é algo inusitado. Irmãs adotivas e assassinas no espaço, com um arco que vai da rivalidade à cumplicidade, passando por todas as etapas? História única.

A Marvel tem nas mãos a oportunidade de trabalhar esse relacionamento que fomenta a vida das duas personagens, pois mesmo que Gamora tenha dito amar Quill mais do que qualquer coisa, foi por Nebula que voltou para as mãos do homem que mais temia e tinha asco. Foi por Nebula que lutou e por quem continuou lutando em seu nome, depois da morte trágica da pessoa que conseguiu marcar profundamente sua vida e selar um sentimento de amor genuíno antes de falecer.

Gamora e o protagonismo além dos Guardiões

Gamora
Gamora em cena de “Guerra Infinita” (Imagem: Marvel Studios/divulgação)

Gamora teve um dos maiores destaques em “Guerra Infinita”, onde finalmente conhecemos suas origens, presenciando o Titã devastando metade da vida em seu planeta, antes de tomar a garotinha sob sua guarda. Neste filme, entendemos que sim, Thanos é o que ela e Nebula compreendem como pai, mas essa figura não mais vale para Gamora. Depois do tempo de convívio com os Guardiões, ela finalmente entende não existir nada de amoroso no seu antigo relacionamento familiar. Não havia nada de padrão, ou correto, e ela decide lutar contra tudo que Thanos significava.

Pouco a pouco, vemos a antiga assassina ir suavizando, mas sem perder o gênio ou os traços que formam sua personalidade. Ela protege os seus companheiros de maneira destemida e também é comumente a voz da razão por trás das confusões que o grupo se enfia. Foi Gamora quem percebeu existir algo sórdido por trás da máscara do pai de Peter, em “Guardiões da Galáxia vol.2“. É também Gamora quem se adianta aos planos de Thanos durante “Guerra Infinita” e explica todo o plano dele para os Vingadores. Gamora é, acima de tudo, uma guerreira.

A luta que nunca acaba e um amargo sacrifício imprevisto

Gamora criança

E toda a saga de Gamora é uma contínua luta: contra a sombra de seu pai e das ameaças externas para proteger seus amigos, o seu amado e sua irmã. Trágico e doloroso que sua luta encontre fim no desfiladeiro da joia da alma, a qual requer um sacrifício em nome de obter a pedra. Uma alma por uma alma. O conceito aplicado é o de que Thanos ama Gamora o suficiente para que a entidade lhe entregue a joia após sacrificar sua filha; mas é bem difícil de tragar.

Enquanto se compreende a necessidade do plot avançar, também é possível levantar outras perguntas: o quanto se verdadeiramente ama alguém que você está disposto a sacrificar em troca de poder? Que espécie de amor é esse? Manipulação e egoísmo são formas válidas de amar? Era Gamora, de fato, “tudo” para Thanos? A resposta mais razoável é: não. Não é válido e ele não a amava de verdade.

Tanto que, em “Ultimato”, Natasha (Scarlett Johansson) e Clint (Jeremy Renner) literalmente se envolvem numa batalha para quem vai se sacrificar, de tanto que um ama o outro. Não vemos nenhuma sombra desse mesmo engajamento na atitude de Thanos, mas por qualquer motivo que tenha levado a essa decisão dos roteiristas, este foi o final de Gamora: morta nas mãos de quem abusou dela por toda a vida, de quem a privou de uma vida ao redor da verdadeira família, de um genocida que dizimou metade do seu povo.

Novamente um sacrifício heroico é usado pela Marvel, mas este talvez tenha sido o mais cruel de todos. Ela morreu sozinha, longe de todos que amava, em choque, e assim ficou toda audiência que não esperava por uma cena dessas. Muitos dirão que guerra é guerra, mas é completamente plausível questionar e se sentir mal diante da cena. O desconforto tem múltiplas camadas, não apenas pelo apego à personagem, mas pelo simbolismo do cenário. A vitória de Thanos ali foi sentida num gosto amargo e pessoal.

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Nebula, a questão do abuso e a recriação de sua própria existência

Nebula e Gamora
Nebula e Gamora (Imagem: Marvel Studios/reprodução)

Nebula, sozinha, possui uma das melhores evoluções deste mundo cinematográfico. Quando a encontramos pela primeira vez, ela é uma assassina robotizada que age com subserviência e se alimenta da rivalidade implantada com sua irmã; conforme suas participações acontecem, a personagem ganha mais espaço, dando oportunidade para Karen Gillan criar uma das figuras mais carismáticas em seus próprios termos.

É notória a comoção e torcida pela vingança de Nebula, sendo ela uma das preferidas por muitos para cortar a cabeça de Thanos ao final do último filme. Todos queriam vê-la fazendo pagar por anos e anos de um abuso tão profundo, que foi responsável por moldar toda sua personalidade, motivações e sentimentos. Graças a Gamora, ela vai percebendo ser muito mais do que uma mera ferramenta de assassinato, que existe uma história a ser vivida e ela não precisa ser guiada pelas mãos sádicas da criatura que a fez conhecer nada além da dor. Graças ao público-alvo da Disney, não presenciamos explicitamente muito das torturas sofridas por ela, mas ainda assim é Nebula a vítima das cenas mais desconfortáveis.

Ela é desprovida de todo livre arbítrio, mesmo o do seu corpo, sempre que Thanos decide usá-la para algum plano. Seu físico há muito foi, nas palavras dele, “aprimorado” por acessórios cibernéticos e tecnologias incorporadas ao seu organismo, mas tal aperfeiçoamento para matança veio com o custo da sanidade, da criação de uma pessoa completamente afastada de empatia ou algo remotamente sensível. Durante a projeção de “Ultimato“, a maior violência em tela é o momento onde Thanos mantém sua versão do passado completamente incapacitada e a tortura atrás das memórias acumuladas pela Nebula do futuro. Os gritos que ecoam na voz de Gillan deixam claro que esse não é um processo indolor. Ela foi submetida a uma vida repleta de ações invasivas, cruéis e de escolhas que não eram suas. 

Do antagonismo coadjuvante aos braços do público

Nebula
Rocket e Gamora em cena de “Ultimato” (GIF: Marvel Studios/reprodução)

Graças ao trabalho da atriz, percebemos o quanto Nebula é retraída e… crua, bruta, despida de boas maneiras, de meia volta, de um senso de humor aprimorado, e nessa falta de humor é criada uma ponte ao cômico sem exageros, suas reações provocando situações novas e curiosas. Por isso mesmo acaba sendo um alívio observar a filha de Thanos brincando com Tony Stark de um jogo qualquer, inventado por eles quando estão presos numa espaçonave, sem perspectiva de serem salvos. A cena provoca sorrisos e certa alegria justamente pela compreensão de que Nebula está mudando, crescendo. Mais importante do que isso: está se libertando.

A humanoide traçou um caminho longo, que deve continuar no próximo filme dos Guardiões, grupo ao qual agora pode chamar de seu, sendo Rocket um dos membros do qual mais se aproximou por ambos serem os únicos a terem sobrevivido ao apagamento de Thanos. Após “Vingadores: Ultimato“, fácil arriscar que ela tenha se tornado uma das favoritas de muitos, visto o apelo multidimensional da personagem.

Liberdade para uma e incertezas no futuro para outra

Nebula e Gamora
Nebula e Gamora em “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (Imagem: Marvel Studios/divulgação)

As irmãs guerreiras estão finalmente livres. Thanos foi apagado, e uma versão do passado de Gamora parece estar presa ao presente. O destino em liberdade das irmãs será decidido no terceiro filme dos Guardiões, que teve um grande escândalo em sua produção, mas continua nos planos da Marvel. É de se esperar que Gamora seja o ponto gravitacional do filme, pois não sabemos ao certo se essa versão nova apresentada será fixa ou se haverá algum tipo de busca ou o luto envolvendo a personagem.

Dada a trajetória até aqui, é esperado um bom tratamento de ambas no final da trilogia – que não sabemos se será, de fato, uma trilogia. Nebula e Gamora foram partes cruciais no envolvimento do público com os Guardiões e não merecem apagamento ou que sejam tratadas de modo dúbio, como James Gunn parecia ter gosto por piadas de cunho sexista, que fizeram o segundo filme dele ser desconfortável em diversas partes.

Nebula e Gamora ganharam muito material nos filmes que encerram a saga do primeiro time dos Vingadores, sendo natural esperar muito mais vindo delas, pois ganharam espaço no coração de muitos – ou, no mínimo, que o possível encerramento de um ciclo do seu time seja feito de maneira respeitosa e honre todo esforço das irmãs, agora amigas e de laço mais forte do que nunca. Sem elas, sequer haveria Galáxia para ser protegida pelos Guardiões em sua próxima aventura nos cinemas.

Nebula e Gamora
Nebula e Gamora em “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (GIF: Marvel Studios/reprodução)

Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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