A conturbada e problemática jornada de Wanda Maximoff no MCU

A conturbada e problemática jornada de Wanda Maximoff no MCU

Wanda Maximoff é uma das personagens mais poderosas no mundo dos quadrinhos. Suas habilidades despertam emoções controversas daqueles que participam dos universos nos quais se encontra: cautela, respeito, alerta e medo.

Na transição para o Marvel Cinematic Universe, esses sentimentos ainda existem, mas em uma abordagem completamente distinta e muito, muito turbulenta.

O problema encontra-se na base: o whitewashing dos Romanoff

Os irmãos Maximoff, Pietro (Aaron Taylor-Johnson) e Wanda (Elizabeth Olsen), tiveram suas origens refeitas algumas vezes nas histórias em quadrinhos, mas dentre as escolhas que iam e vinham, uma permaneceu: sua origem roma. No Brasil, popularmente conhecido como ciganos, embora o termo não seja o apropriado, os roma tem uma cultura característica, sendo sua singularidade motivo de preconceito e perseguição.

Apenas mencionando um deles, temos o problema do sequestro de crianças roma com tom de pele branca por pessoas do governo, que agem baseados naquilo que apenas pode ser chamado de preconceito, retirando-as dos seus pais e deslocando para lares adotivos noutros pontos da Europa. Eles chegam ao extremo de precisarem obter até testes de DNA para que suas famílias não sejam separadas.  

Pietro e Wanda Maximoff
Pietro e Wanda Maximoff em “Vingadores 2: Era de Ultron” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Mas na escolha para o casting do MCU, Elizabeth Olsen foi escolhida para viver a personagem. Apesar de uma atriz competente, ela é branca e não pertencente aos roma. Sua caracterização nos cinemas não dá enfoque algum em sua origem, que é tão importante não apenas nas HQs como, muito mais, na vida real. É uma representação que não chegou no espaço mainstream e a Marvel escolheu ignorá-la. Marvel e Disney novamente decepcionando no quesito representação e diversidade. Sendo um universo cinemático gigantesco, na época do casting de Elizabeth, podemos dizer que ele era quase que cem por cento branco.

Escolhas assim, propositais ou baseadas na ignorância e descaso com origens, são para agradar um público específico. “Pantera Negra” e “Capitã Marvel” já provaram em números que seu boicote ou desagrado não faz diferença. Quem se sente ofendido por ver nas telas do cinema o retrato do mundo real, ou quem alega não ser este seu mundo, certamente vive numa bolha e sua cabeça está paralisada no apego ao preconceito herdado pelas gerações anteriores e que a este ponto é apenas outra desculpa.

Tanto o descaso quanto a escolha consciente são um pronunciamento contra o sonho de alguém em se ver nas telonas. É uma escolha ficar contra meninos e meninas que tanto desejam ver na cultura que consomem uma representação na qual consigam se reconhecer e se identificar e, a partir de então, ter seu espírito renovado pela perspectiva de que existe um mundo aí fora para chamar de seu. Décadas e mais décadas da TV e do cinema alimentando brancos, mais especificamente homens, dizendo que eles podem ser heróis e ter poder. Enquanto isso, outros grupos são excluídos e ouvem que isso é besteira, justamente daqueles que foram o foco da mídia por toda sua vida.

A conturbada relação Disney vs. FOX e como isso afetou Wanda

Voltando para o caso específico de Wanda, ela pode ter sido produto de uma tentativa dos executivos em tornar a saga o mais “padrão” possível em seu início, ou pode ter sido resultado de um descaso nas origens da personagem, outro sintoma de um sistema que favorece a padronização. É ainda mais agravante por ir contra uma origem inteira. O MCU apagou por completo a origem dos irmãos Maximoff, nos entregando dois atores brancos com sotaques notoriamente forçados e que são apenas reivindicados em “Era de Ultron“, sua primeira aparição, associada com vilania e a HYDRA.

Wanda e Pietro
Wanda e Pietro em “Vingadores 2: Era de Ultron” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Outro detalhe não pronunciado pela Marvel é o de Wanda e Pietro serem de descendência judaica nas suas edições mais importantes e queridas e como são popularmente conhecidos. Associar descendentes judeus a uma instituição com desígnios nazistas é ofensivo, além de uma escolha criativa que não tem compreensão. Ambos roma e judeus eram perseguidos pelo nazismo e sofreram extermínio sob seu regime. Existem contrapontos, como os de que Wanda e Pietro não sabiam onde estavam se metendo, mas devido à falta de estruturação da personagem, nem mesmo isso é esclarecido, deixando espaço para críticas válidas.

Entendemos que na época a Disney não possuía os direitos sobre os X-Men ou o conteúdo vital para tornar Wanda fidedigna à sua original, mas colocar uma mulher de origem roma e judaica como integrante de uma organização nazista? Em qual momento, na mesma Hollywood ou nos filmes da FOX, a origem judaica de Magneto é parte integrante de sua franquia dos mutantes? Não há o que justificar; não havia motivo para não incluir uma diversidade que já acontecia desde os quadrinhos, ficando aqui este argumento contra a famosa resposta pronta “criem novos personagens diversos, não modifiquem o conteúdo original”.

Modificações moderadas, recortes e romance

Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen)
Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, em “Vingadores 2: Era de Ultron” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Outras modificações encontram terreno plausível, como por exemplo: seus poderes foram completamente suavizados. Existem dois prováveis motivos: temos uma Wanda, no começo de sua vida em liberdade, aprendendo a lidar com a dimensão deles. E também é tendência no MCU diminuir o grau de poder dos heróis mais fortes. Se isto é feito para criar uma sensação maior de equilíbrio narrativo, para aumentar a ameaça dos vilões ou para entregar um tempo de tela e poder maior nas mãos dos seus líderes, que não possuem a mesma carga de habilidades, fica para quem assiste e acompanha decidir.

E não apenas de problemas de origem e escolhas criativas vive a Feiticeira Escarlate, que enfrenta outro ponto: a construção do seu romance com Visão (Paul Bettany). Ele é parte central em sua narrativa, sendo ponto de convergência em todas as situações após “Guerra Civil“, e mesmo assim, para muitos, não há apelo. A culpa não é dos atores, sendo que estes promovem juntos e se esforçam para transmitir emoções durante os momentos que dividem. É que não vemos um desenvolvimento como foi realizado com Pepper (Gwyneth Paltron) e Tony (Robert Downey Jr), e não temos o desenrolar de conflito igual foi apresentado por Nakia (Lupita Nyong’o) e T’Challa (Chadwick Boseman). Não há enfoque, apenas cortes temporais e imaginário.

De repente, vemos em tela uma ligação profunda o bastante para fazer ambos tornarem-se fugitivos mundo afora e, sequencialmente, tão forte que conduz Wanda a buscar alternativas para a remoção da joia de Visão, sem que isso afetasse sua existência. Ela acaba pagando o preço ao ser obrigada a matar seu primeiro amor com as próprias mãos, e o peso das decisões de Wanda é gigantesco para os Vingadores, sendo elas baseadas num relacionamento que, apesar de famoso pelos quadrinhos, acaba sendo uma tragédia em ambas as mídias.

Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen)
Wanda e Visão (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

A morte de Visão é responsável por despertar na personagem algo que parecia adormecido desde a “Era de Ultron”: poder bruto. Mas dessa vez, ela tem as rédeas nas mãos e participa de um dos melhores momentos de batalha em “Vingadores: Ultimato“. Sua aparição e brevíssima troca de palavras com Thanos (Josh Brolin) acaba sendo o suficiente para deixar uma forte marca no espectador; afinal, muitas no cinema vibraram ao ouvir que ele iria conhecer quem ela é. Muitos fãs do MCU esperam ansiosamente pelo dia em que Wanda irá evoluir todo seu potencial, mantendo-se no mesmo nível de quando subjuga Thanos de tal forma que ele precisa apelar para recursos bélicos, distraindo ela de seu alvo principal.

Feiticeira Escarlate em Ultimato
Feiticeira Escarlate em “Vingadores: Ultimato”. (GIF: Marvel Studios/Disney/reprodução)

Pela forma apresentada e precedência nos poderes, imaginamos que Wanda e Carol Danvers (Brie Larson) poderiam lidar com a ameaça de Thanos como ninguém. E se Thor (Chris Hemsworth) não estivesse completamente descaracterizado após seu auge em “Thor: Ragnarok“, ele também seria uma ameaça sólida ao Titã. Mas aí não teríamos filme, Tony Stark não teria seu honrado funeral e Steve Rogers (Chris Evans) jamais iria reencontrar Peggy Carter (Hayley Atwell), o amor de sua vida. Eram três horas para nos despedirmos do elenco original fixo e, para tanto, alguns outros precisavam ter sua força moderada ou acabarem um pouco de lado.

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Trauma, dor e descontrole: alicerces na construção de Wanda Maximoff

Wanda Maximoff em Guerra Civil
Feiticeira Escarlate em “Guerra Civil” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Analisando a vida da versão de Wanda no MCU, ela pode ser considerada uma das mais trágicas. Por muito tempo ela e seu irmão foram controlados pela HYDRA e sua liberdade custou um preço alto: a vida das pessoas em Sokovia e de Pietro – que, mesmo sendo velocista, acabou morrendo baleado para proteger outra vida. Velocista morrendo baleado. Tudo bem, Marvel, não precisamos lembrar disso.

É preciso apenas relembrar da experiência traumática, pois ela faz parte da cadeia de eventos trágicos ocorridos com a Feiticeira Escarlate. Após o incidente, ela se une aos Vingadores, onde decide aprender a controlar seus poderes para poder salvar inocentes e a si mesma.

No entanto, numa missão durante “Guerra Civil”, ela acaba acidentalmente por atacar um edifício repleto de civis. Toda essa linha de eventos catastróficos que vinham acontecendo desde o ataque em Nova York, acaba sendo usado para que seja assinado um acordo entre o Governo e os Vingadores. O desenrolar da trama é famoso e foi ali onde Wanda escolheu seu alinhamento: não ia se submeter ao tratado, mesmo depois de feita prisioneira voluntária dentro de uma mansão organizada por Tony Stark, lugar do qual ela posteriormente foge, usando de seus poderes para tanto. Neste filme é estabelecida a conexão de Wanda com o “time” do Capitão América, por quem ela luta na batalha entre os companheiros no mesmo filme.

Feiticeira Escarlate gif
Feiticeira Escarlate (GIF: Marvel Studios/Disney/reprodução)

Como resultado, Wanda torna-se uma fugitiva e Visão vai com ela. É de se supor que, durante esse tempo, ambos aprofundaram sua conexão amorosa, mas justo por haver essa falta de dedicação em tela aos dois, muitos não conseguem sentir seu peso. Há ainda o fato de Visão ser uma tecnologia humanoide, que nunca chegou a ter sua humanidade desenvolvida propriamente diante dos nossos olhos. Existem cortes no desenvolvimento amoroso onde quem assiste tem de supor, sendo que isso enfraquece o vínculo e a resposta do público ao relacionamento de Wanda e Visão. Essa deve ser, inclusive, uma das razões pela qual a Disney escolheu determinados personagens para suas séries: preencher e criar uma conexão com aqueles preteridos nos filmes dos Vingadores.

WandaVision, uma nova chance

Feiticeira Escarlate e Visão
Vision e Feiticeira Escarlate em “Guerra Infinita” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

A Disney tem uma oportunidade única de reparar ao menos alguns dos seus erros com a nova série “WandaVision“, que está sendo produzida e nos trará enfoque na história de Wanda e seu parceiro, Visão. Elizabeth Olsen, que volta para a personagem novamente no formato de série, se diz bastante empolgada com o projeto. Ela revelou que ele terá seis horas de duração e que a imagem revelada no painel da Disney+ mostra os personagens com caracterização dos anos 50.

A atriz falou ainda sobre a extensa pesquisa nos quadrinhos para fundamento e ambientação do seriado, que de acordo com especulações, pode ter seu como centro a história da Dinastia M. Para os fãs de HQs, o conto é um clássico. Para os mais desacostumados ou não muito agradados pela leitura de quadrinhos, trata-se de uma realidade criada por Wanda, cuja leitura é recomendada e sempre presente nas indicações para os leitores e leitoras.

É esperado que a turbulenta e recortada trajetória de Wanda seja mais explorada agora em sua própria série e, em breve análise, as séries que virão pela Disney+ parecem tentar recompensar os fãs de personagens ignorados nos cinemas: Falcão (Anthony Mackie) e Soldado Invernal (Sebastian Stan). Ambos possuem considerável tempo de tela, mas sempre em prol do Capitão América, sem um desenvolvimento personalizado. Já Wanda e Visão, possuem um desenvolvimento no âmbito da imaginação, sendo que Wanda sequer chegou a potencializar seus poderes. E, por fim, a suposta série do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), outro personagem que desapareceu durante vários eventos ou nunca teve um plot importante fora da sua amizade com Natasha e da sua família/casa na fazenda.

Gif: REX Features/Metro (reprodução)

Existe ainda a série confirmada de Loki (Tom Hiddleston), sendo este um dos favoritos dos fãs, que agora tem a chance de estrelar suas aventuras distante de Thor. Provável que a empresa esteja investindo ou para compensar os cinemas ou para, no futuro, dependendo da resposta da audiência, acrescentar a devida importância a tais personagens. Importância devida a Wanda Maximoff, um dos seres mais poderosos de uma galáxia repleta de elementos e com habilidades inimagináveis.

Ainda há de se fazer justiça para a Feiticeira Escarlate, e agora com a aquisição da FOX pela Disney, a empresa possui direitos o suficiente para acrescentar elementos que iam valorizar muito sua jornada, que ainda não tem previsão de acabar. A nova fase do MCU parece finalmente interessada no protagonismo feminino, então fica a esperança de que sua série e futuros momentos no cinema não pretendam girar solenemente ao redor de um romance, mas da Feiticeira poderosa e cheia de momentos promissores em meio à batalhas, da magia que faz a audiência curiosa, e do amadurecer de alguém que não pode mais ser considerado novo neste universo cinematográfico.

A tragédia provocada por Thanos parece ter despertado um lado dela que ainda não vimos. O seu luto por Visão talvez seja o seu catalisador numa jornada repleta de turbulências, mas que conquistou parte do público, ainda esperando para ver uma versão evoluída e sólida que não explore apenas a dor de Wanda Maximoff, mas que seja capaz de entregar uma saga digna e com muito mais enfoque em suas habilidades para a poderosa Feiticeira Escarlate.

Wanda em Guerra Civil
Feiticeira Escarlate em “Guerra Infinita” (GIF: Marvel Studios/Disney/reprodução)

Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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