The Handmaid’s Tale – 3ª temporada: Primeiras Impressões

The Handmaid’s Tale – 3ª temporada: Primeiras Impressões

No dia 5 de junho, a rede de streaming Hulu liberou, então, os três primeiros episódios da terceira temporada de “The Handmaid’s Tale“. A série baseada no livro homônimo de Margaret Atwood deu o que falar no fim de sua segunda temporada. Desse modo, todos aguardavam pelo que viria a seguir, na expectativa de que a série se mantivesse em ritmo e enredo. Os três primeiros episódios já revelam, assim, um pouco do que será a temporada de 13 episódios.

A segunda temporada de “The Handmaid’s Tale” avançou no conteúdo do livro e surpreendeu, ao trazer mais elementos de ruptura dentro do sistema de Gilead. Embora uma continuação do livroO Conto da Aia tenha sido anunciada, até o momento tem-se apenas o término do livro em ponto semelhante ao da primeira temporada da série, além de um epílogo ambientando 200 anos depois. Ainda que os produtores tenham afirmado se basear no epílogo para a continuação da série, é difícil medir até onde vai essa base. Boa parte do que se passou na segunda temporada já não constava na obra de Margaret Atwood e o mesmo ocorre, portanto, com a terceira temporada. 

Aviso: o texto contém spoilers dos três primeiros episódios da 3ª temporada

June e a decisão de ficar em Gilead

June (Elisabeth Moss)
June (Elisabeth Moss) na 3ª temporada de The Handmaid’s Tale (Foto: reprodução)

O final da temporada passada foi controverso. De um lado, todos esperavam que June (Elisabeth Moss) conseguisse fugir finalmente de Gilead e, dessa vez, que levasse sua filha Holly/Nichole. Na primeira temporada de “The Handmaid’s Tale”, este já havia sido o gancho: June/Offred sendo levada pelos olhos, mas com teasers – e os spoilers do livro – de que isto poderia conduzir a uma fuga. Então, foi frustrante, por certo aspecto, terminar a segunda temporada com o mesmo jogo, mas, agora, com a desistência dela. Para quem não se recorda, a temporada termina com June entregando Nichole à Emily (Alexis Bledel) e, enquanto as duas fogem, June retorna a Gilead para salvar Hannah/Agnes (Jordana Blake).

Por outro lado, era compreensível e até esperado que ela fizesse isto. Além da violência contra as mulheres, a maternidade é também um tema em torno do qual orbita a série ou talvez seja justamente porque os corpos femininos são capazes de gestar e, assim, atrelados, culturalmente, à imagem da maternidade. De todo modo, a série se aprofunda nos questionamentos e nas relações, e a dúvida sobre deixar ou não Hannah fora feita no início da temporada.

June entendeu que deixar sua filha para trás era a melhor forma de ajudá-la e que ela teria que compreender mais tarde a sua atitude. No entanto, June estava grávida ainda e não tinha encontrado com sua filha depois da separação. Agora, June podia libertar Nichole sem ter de partir; mas também pesava em sua escolha as palavras de Hannah: “por que você não tentou mais?”. Com uma filha em segurança, portanto, June pode retornar para lutar por sua primogênita.

A criação dentro da estrutura de violência de The Handmaid’s Tale

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June (Elisabeth Moss) (Foto: reprodução)

É possível que alguns se perguntem, assim como June foi questionada em “The Handmaid’s Tale”, sobre a persistência da personagem. Afinal, até o momento não se sabe de violência física contra Hannah. Pelo contrário, a personagem parece muito bem ambientada em seu novo lar. Mas o fato de Hannah estar feliz justificaria a desistência de June? Esta é uma interessante questão abordada na série.

No primeiro episódio da terceira temporada, intitulado “Night, June conversa, então, com a Mrs. Mackenzie (Amy Ladecker). A conversa está longe de ser harmônica, seja pelo contexto geral, seja pelo contexto do momento, mas June pode saber um pouco mais de sua filha. Num ato de ingenuidade motivada pela posição de poder – o que se pode considerar, também, como cinismo -, Mrs. Mackenzie pede para que June deixe Hannah, pois isto a confunde. O ato de violência (coadunar com um sistema que retira crianças de seus lares, não obstante a violência contra as mulheres) torna-se o ato de amor – e o ato da mãe, em busca de sua filha, o de violência.

E não é isto que as estruturas de violência tentam passar? A inversão dos valores é uma premissa da aceitação. Tentam justificar nem sempre o ato originário, mas suas consequências, sob o discurso de que é tarde demais para voltar atrás. Claro, a criança não possui culpa alguma sobre o que aconteceu, mas como poderia June simplesmente aceitar e se resignar? O que é ético? Deixar sua filha crescer “feliz” sob mentiras e dentro de um sistema que a viola? Ou romper com o conto de fadas, ainda que lhe cause dor, para reparar as violações anteriores?

Os sacrifícios exigidos na luta pela liberdade em “The Handmaid’s Tale”

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Serena Joy (Yvonne Strahovski) na 3ª temporada de The Handmaid’s Tale (Foto: reprodução)

O dilema sobre a maternidade e os filhos roubados de suas mães biológicas não é novo nem mesmo em “The Handmaid’s Tale”. Este dilema já havia se desenvolvido entre June e Serena Joy (Yvonne Strahovski) quanto à maternidade de Holly/Nichole. No entanto, ganha uma nova perspectiva a partir do modo como a segunda temporada termina e traz implicações para as duas personagens.

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Serena Joy permitiu que June fugisse com Nichole. Ela compreendeu que, se Nichole fosse criada em Gilead, estaria limitada às mesmas restrições que ela. Nichole seria vista como um corpo manipulável, disponibilizado para atender aos interesses dos homens no comando – e não apenas a separação da filha, por quem tanto esperou, algo parece quebrar dentro de Serena. É como se todas as suas crenças, enfim, se partissem. A personagem já vinha num desenvolvimento de rompimento com Gilead. Ainda estava, contudo, oscilante. Agora, todavia, ela parece, de vez, dar-se conta.

Seu casamento está em ruínas depois de assumir que ajudou June, porque era o melhor para Nichole. Sem June/Offred, sem sua filha e sem seu marido, o que Serena Joy pode fazer? Na tentativa de superar a dor, ela vai à casa de sua mãe, mas encontra a mesma resignação que ela própria manifestava. Não há espaço para afeto sincero dentro dos padrões de Gilead. Lutar, entretanto, pode ser arriscado. Ela já tentou lutar, mas isto lhe custou um dedo. O que mais é necessário, então, sacrificar? E será que Serena é capaz de deixar Gilead queimando como deixou sua casa?

Fuga de Gilead

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Moira (Samira Wiley) (Foto: reprodução)

Enquanto isso, Emily consegue chegar com Nichole ao Canadá, embora com dificuldade. Afinal, precisa escapar da vigia de Gilead e atravessar a fronteira com um bebê, mas retornar à vida de que um dia foi retirada não é uma tarefa fácil. Além dos impactos psicológicos causados pelos traumas em Gilead, Emily precisa lidar com o fato de que o tempo não parou.

A sensação que passa a todos os que veem as personagens de “The Handmaid’s Tale” é de que a suas vidas estão suspensas. Todas esperam voltar à liberdade para voltar a viver. No entanto, quem já está livre está vivendo e talvez nem todos estejam esperando como Luke (O-T Fagbenle) e Moira (Samira Wiley) esperam por June. Emily, então, precisa criar coragem para enfrentar os efeitos adversos de Gilead e, assim, retomar o contato com sua esposa e seu filho.

A guerra em “The Handmaid’s Tale”

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Nick (Max Minghella) (Foto: reprodução)

Outro ponto de destaque nos três primeiros episódios de “The Handmaid’s Tale” é a guerra travada por Gilead. É interessante que, a cada temporada, novas facetas do regime são mostradas. Na segunda temporada, a série mostrou um pouco mais do lado de fora, os refugiados no Canadá. Ao que tudo indica, agora mostrará um pouco mais da guerra travada com os Estados Unidos.

Embora pouco mencionado, Gilead começou como um regime dentro dos Estados Unidos que cresceu paralelamente ao Estado, tomando seu território. Então, nem todo o país segue o regime teocrático de Gilead. Contudo, este está em expansão e o que não conseguiu pela aceitação, conseguirá pela guerra. Em mais de três momentos a guerra contra Chicago é mencionada na série. Inicialmente, parece apenas uma menção, através da fala de uma aia cujo comandante será enviado para lá. Depois, todavia, há referências em um planejamento de guerra e, por fim, o envio de Nick (Max Minghella) para lá. Então, é possível que, até o final da temporada, mais dessa guerra seja explorado.

Mary and Martha

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(Foto: reprodução)

Além do gradual aprofundamento nos contextos do regime de Gilead, “The Handmaid’s Tale” também desenvolve melhor, a cada temporada, as castas que a compõem. Na segunda temporada, viu-se um pouco mais dos grupos de esposas e de suas articulações dentro de Gilead e no final da temporada todos foram surpreendidos com a organização das Marthas, melhor abordadas na terceira temporada.

As Marthas são menos visíveis que as esposas e as aias. Empregadas nas tarefas domésticas, podem circular com maior liberdade e em áreas restritas da cidade, o que, contudo, está longe de ser liberdade, pelo contrário. Assim como são menos visíveis, são mais descartáveis. Qualquer erro, portanto, pode significar seu descarte. Acontece que a invisibilidade também lhes permite criar uma rede de comunicações e transporte mais elaborada. Desse modo, elas podem traficar comidas ou podem, por exemplo, enviar pessoas e materiais para um resistência interna.

O novo comandante de June

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Lawrence (Bradley Whitford) e June (Elisabeth Moss) (Foto: reprodução)

June é envolvida na resistência interna de Gilead quando encontra com o Comandante Lawrence (Bradley Whitford), o mesmo comandante que auxiliou Emily na fuga. Ao ver que June desistiu de subir na caminhonete, Joseph Lawrence vai falar com ela e, posteriormente, acaba requerendo-a como sua nova aia. O personagem foi um dos mais intrigantes da segunda temporada, pois ajudou Emily, mas também foi o idealizador das colônias, e isto gerava, então, o questionamento acerca das suas motivações. Afinal, era ele um homem obrigado a compactuar com o regime, que se utilizava da posição de poder para ajudar outras pessoas, ou um homem que ajudava as pessoas para diminuir a sua culpa?

A verdade é que, pelo que foi mostrado até o momento, ele não é nada disso, mas mais ainda deve ser mostrado sobre esse personagem. Sabe-se que a sua influência é grande e que ele ainda possui poder sobre as estratégias de Gilead. Ele, por exemplo, cuida do envio de mulheres às colônias e, embora tenha ajudado Emily, é um homem arrogante e misógino, assim como os demais comandantes.

Joseph Lawrence não hesita em chamar June de inútil, revelando que realmente acredita em uma diferenciação de capacidades cognitivas entre homens e mulheres, e não hesita também em humilhá-la. Ao mesmo tempo, entretanto, permite que as marthas mantenham uma rede de resistência em sua casa. Seria, então, apenas para dar a falsa ideia de que a resistência é possível, amenizando uma investida maior? Trata-se de um desejo individual pelos jogos de poder ou apenas a arrogância de um homem que acha que pode brincar com as vidas de mulheres?

A resistência em “The Handmaid’s Tale”

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June (Elisabeth Moss) (Foto: reprodução)

June precisa entender com quem está lidando para saber o próximo passo, mas também para saber se Lawrence é um aliado ou um inimigo ainda maior que Fred Waterford (Joseph Fiennes). Ainda assim, se ela quiser derrubar Gilead, precisará de todos os aliados possíveis; precisará romper com a distinção e desconfiança artificial entre marthas, esposas e aias. Afinal, tudo isto faz parte de uma estratégia de dispersão das mulheres, para que a reunião de forças seja menor – e precisará fingir submissão para estudar o objeto de seu ataque.

Em uma conversa com Lawrence, ele lhe pergunta por que as mulheres não querem ser definidas por seus corpos, mas se utilizam dele para conseguir o que querem; June lhe responde, então, que elas não estão usando seus corpos, os homens é que se distraem facilmente, e ela usará a arrogância deles para derrubar Gilead. As mulheres estão ali, submissas e subservientes, mas também estão observando, à espera do momento certo. No seu jogo de poder com Lawrence, June descobre que pode usar a ignorância a ela atribuída a seu favor. Se Lawrence acha que ela é uma inútil, incapaz de escolher pela vida de outras mulheres, ainda que tenha que entregar outras tantas à morte, ela utilizará isto como vantagem e encontrará, químicas, advogadas, médicas e mulheres que não são melhores do que as outras, mas que podem contribuir para a resistência contra Gilead.

Por fim, a terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” começa menos impactante que as anteriores. Para quem já estava acostumada com a dose dolorosa de violência, contudo, é um alívio ver episódios com mais desenvolvimento. Há indícios de que haverá mais ação, todavia. Resta aguardar para descobrir se a ação será acompanhada de um bom enredo e de críticas construtivas.

https://youtu.be/RcTvQx1Wot0


Edição realizada por Gabriela Prado.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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