Meu Bebê: um olhar delicado sobre a maternidade

Meu Bebê: um olhar delicado sobre a maternidade

De Stella Dallas a Joan Crawford, a maternidade sempre foi um tema recorrente no cinema. De mães abusivas, como a interpretada por Faye Dunaway em “Mamãezinha Querida”, até a maternidade enquanto redenção, esse assunto quase sempre foi discutido com o olhar masculino, muitas vezes condenatório e misógino. Mas como as mulheres enxergam a maternidade? E o que acontece quando seus filhos crescem e saem de casa para viver suas vidas? Essas foram algumas perguntas que a diretora Lisa Azuelos tenta nos responder por meio de seu filme mais recente, “Meu Bebê. Ele faz parte da programação da edição 2019 do Festival Varilux de Cinema Francês.

“Meu Bebê” marca o retorno da diretora às telas. Seu último trabalho foi na cinebiografia da cantora egípcia Dalida, um filme que também fala sobre maternidade em determinado ponto da trajetória da biografada – e como não ter tido filhos para ela, trocando uma vida comum por uma carreira, era um fantasma que a assombrava.

Meu Bebê
Héloïse (Sandrine Kiberlain) e Jade (Thaïs Alessandrin) em “Meu Bebê” (Imagem: reprodução)

Maternidade na vida real e na ficção e a – constante – ausência da figura paterna

De acordo com este artigo do site Mulher no Cinema, Lisa inspirou-se na própria vida para dirigir “Meu Bebê”. Assim como Héloïse (Sandrine Kiberlain), a diretora também sofreu com a saída da filha de casa, aliás, a própria filha de Azuelos, Thaïs Alessandrin, dá vida à Jade, a menina que vai sair debaixo da asa da mãe. Essa simbiose entre vida real e ficção oferece um tom melancólico, mas sem deixar o humor de lado ao filme. “Meu Bebê” intercala cenas no passado e no presente para entendermos a relação entre Jade e Héloïse.

Em “Meu Bebê” acontece uma mistura interessante de clichês sobre a maternidade, mas com um toque de subversão. Isso quer dizer que Lisa utiliza a ideia de que “ser mãe é padecer no paraíso” para mostrar como é problemático o fato de mulheres abrirem mão das próprias vidas em prol dos filhos e como a sociedade só espera que elas façam isso.

Héloïse é mãe de três filhos e Jade é a mais nova. Ela vai partir para o Canadá depois de terminar a escola, já que foi aceita em uma universidade nesse país. Talvez por isso mesmo a partida da garota cause mais tristeza do que quando seus irmãos saíram de casa. Porém, logo que Héloïse recebe a notícia de que Jade foi aceita, um problema aparece: eles precisam de dinheiro para custear os estudos dela. Em uma cena curta, mas muito emblemática, Héloïse liga para o pai da filha pedindo ajuda, porém ele não está muito disposto a fazer algo, já que sua nova esposa vai ter um filho.

O que percebemos dessa cena é que Jade e seus irmãos têm um pai ausente. Ele é uma consequência de tantos homens que não conseguem lidar com a paternidade, muito porque acabaram voltando sua atenção para brincadeiras violentas, desde sempre estimulados a serem vencedores e não demonstrarem sentimentos. Como bem coloca este artigo, a paternidade é uma escolha. Meninos não crescem cuidando de objetos, não chamam esses objetos de “filhos”; já as meninas, desde cedo, são ensinadas a cuidar, como se estivessem preparando o destino delas.

Meu Bebê
Cena de “Meu Bebê” (Imagem: reprodução)

A dedicação de uma mãe com seus filhos e o descaso masculino com tal assunto

A ausência do pai de Jade sobrecarregou Héloïse, é claro. Em diversas cenas de flashback, presenciamos a protagonista se virando em muitas para conseguir cuidar dos três filhos. Infelizmente, não é possível descolar a maternidade da jornada dupla das mulheres. Héloïse não só precisa trabalhar fora, mas também ser uma mãe presente para os filhos. Um ponto muito bacana do filme de Azuelos é mostrar como, mesmo com essa rotina insana, Héloïse ainda consegue cuidar um pouco de si. Ao longo do filme, ela sai com alguns homens, estimulada pelas amigas.

Em uma noite, ela acaba dormindo com um rapaz que conheceu em um bar. Em outro, ela leva o “boy” à sua casa, mas ele não pode fazer barulho porque os filhos dela estão dormindo. Ao pisar nos brinquedos, o rapaz diz que vai ter que “tomar uma vacina”, o que acaba sendo um momento muito revoltante no filme, pois mais uma vez vemos como os homens são incapazes de entender o peso que a maternidade é.

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Mesmo tendo um pouco de tempo para si, Héloïse ainda vive para os filhos. A partida de Jade é um momento catalisador para a mudança da protagonista, pois ela percebe ali que não teve nenhum tipo de vida e precisa cuidar de si. Mas como cuidar de si quando você nem sabe direito quem é? Se é difícil descolar você de seus filhos? É um desafio pelo qual Héloïse precisa passar.

Outro ponto interessante levantado pelo filme é a nossa relação com a memória. Em “Meu Bebê”, Héloïse começa a registrar a vida da filha em seu celular para guardar uma lembrança dela quando esta estiver fora. São filmagens de Jade estudando, tomando café da manhã, fumando, ações cotidianas em geral.

Meu bebê
Héloïse (Sandrine Kiberlain) em “Meu Bebê” (Imagem: reprodução)

A tecnologia e as memórias: uma relação questionável

Nós nascemos nos anos de 1990, ou seja, ainda vivemos mais um pouco a era dos filmes de 36 poses e dos álbuns de fotografia. Pensando no contexto de hoje, parece que isso aconteceu há 300 anos. Naquela época, as lembranças eram físicas. Acumulávamos muitos álbuns, por vezes até temáticos. Atualmente, a memória não é mais física. Ela reside em aplicativos em nuvem, onde guardamos nossas vidas, por isso ela nos parece tão fugaz.

Quando Héloïse perde o celular, ela fica desesperada, pois suas lembranças simplesmente desapareceram. É impossível descolar a nossa existência do celular. O interessante da cena do celular é que ela termina de forma inesperada: Héloïse desiste de procurá-lo e pede um abraço aos filhos, que a acompanharam na busca. Esse abraço é, de certa forma, simbólico, pois ele é a lembrança física. Héloïse está criando uma lembrança física, sem precisar do celular.

Em um momento em que filmamos absolutamente tudo, desde um show até mesmo um velório, é de se questionar quais memórias estamos criando. Será que viver os momentos pode ser muito melhor do que registrá-los para posteridade? Fica a questão.

Os filmes de Azuelos sempre falam sobre mulheres e não é por acaso. Em “Dalida, seu último trabalho, ela expôs como a fama afeta as mulheres, que cada passo de uma famosa é muito mais vigiado do que um famoso. Já em “Meu Bebê, a diretora celebra as mães, que ela considera heroínas. De fato, se formos pensar o que uma mãe sofre constantemente em uma sociedade misógina, ela realmente é uma guerreira.

Meu Bebê” mostra a relação saudável entre mãe e filha, duas mulheres que se compreendem e respeitam, e isso é um sopro em meio a tantos filmes condenatórios à maternidade que vemos por aí.


Edição realizada por Gabriela Prado.

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Tradutora e noveleira. Criou, em 2014, o canal sobre cinema clássico no YouTube, o Cine Espresso, para espalhar na Internet o amor pelos filmes esquecidos. Gosta de chá preto acompanhado de um bom livro.
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