Fleabag – 2ª temporada: o feminismo reconstruído no século 21

Fleabag – 2ª temporada: o feminismo reconstruído no século 21

Fleabag” é uma série da BBC Three/Amazon, lançada em 2016, que atualmente conta com dois temporadas com 12 episódios no total. Criada pela dramaturga e atriz britânica Phoebe Waller-Bridge, adaptando uma peça de mesmo nome exibida no festival de teatro Fringe, em Edimburgo, a produção narra a vida de Fleabag (Phoebe Waller-Bridge), uma mulher na faixa de 30 anos com posturas morais questionáveis e relações familiares e afetivas disfuncionais.

De onde paramos!

Há cinco anos, praticamente, ninguém fora do circuito televisivo britânico conhecia a atriz, dramaturga, roteirista e produtora de 33 anos, Phoebe Waller-Bridge. Em um curto espaço de tempo, ela emplacou três séries elogiadas pela crítica e público.

Tudo começou com a descolada série “Crashing”, que, para muitos, é um tipo de piloto para “Fleabag”. Nessa série, Phoebe interpreta Lulu, uma mulher desempregada e emocionalmente instável que, acompanhada de um grupo de pessoas peculiares, forma um tipo de amizade desajustada. Depois veio “Fleabag“, que mostrou seu talento para o mundo. Sua mais recente criação, “Killing Eve”, é um sucesso de crítica e deu o Globo de Ouro 2019 de melhor atriz para Sandra Oh.

Não deve ser uma tarefa fácil fazer uma obra que misture humor com drama, ainda mais com uma protagonista como Fleabag. Assim como na primeira temporada, ela continua sendo uma pessoa sarcástica e hiperativa; a diferença é que os acontecimentos da primeira temporada provocaram uma reviravolta emocional na personagem. Esses anos de espera entre as temporadas valeu a pena. Com seis episódios de 26 minutos, a segunda temporada serve de continuidade e encerramento para os acontecimentos da primeira.

O padre (Andrew Scott) na 2ª temporada de “Fleabag”. Imagem: BBC/Amazon Prime Video/reprodução

O primeiro episódio começa com um salto temporal de 371 dias, 19 horas e 26 minutos. Fleabag e Claire (Sian Clifford) estão separadas e Claire não encerrou seu casamento com Martin (Brett Gelman), mesmo depois da traição dele. A vida vai seguindo seu curso normal, até que as duas são obrigadas a se reencontrarem num jantar de celebração do noivado do pai (Bill Paterson) com a detestável Madrinha (Olivia Colman).

Nesse episódio, todos os elementos que fizeram de “Fleabag” um sucesso são retomados. Temos tiradas bem-humoradas, a quebra de quarta parede e o absurdismo das situações familiares. Ainda no primeiro episódio surge um novo personagem: o Padre (Andrew Scott). Como uma figura aleatória no jantar, o padre é um homem completamente fora dos padrões, fala palavrão e tem uma personalidade irônica e gentil, e imediatamente surge uma conexão entre ele e Fleabag. Durante suas aparições, podemos enxergar uma tesão sexual forte entre os personagens, que também serve como um meio para uma discussão sobre sexo e religião.

O feminismo reconstruído em “Fleabag”

Se na primeira temporada a série faz uma crítica severa ao feminismo liberal como imposição comportamental, nessa segunda temporada a obra mostra um outro lado do movimento.

No terceiro episódio da temporada, conhecemos Belinda (Kristin Scott Thomas), uma mulher na casa dos 50 anos bem-sucedida e lésbica que, mesmo ganhado o prêmio de Mulher de Negócio do Ano, se sente injustiçada pela condição de vida imposta às mulheres, em especial às da sua idade. Belinda é uma mulher bem autoconsciente do seu lugar no mundo e de suas emoções, portanto é uma pena que ela tenha pouco tempo em cena, pois sua personagem poderia render outras boas discussões.

Belinda (Kristin Scott Thomas) e Fleabag (Phoebe Waller-Bridge). Imagem: BBC/Amazon Prime Video/reprodução

Claire é uma personagem que serve como uma metáfora para como as mulheres, mesmo após conseguir ascender aos postos de trabalhos mais altos, ainda vivem sobre as correntes do machismo. Sendo tão bem-sucedida, a personagem não possui autoconsciência e nem respeito pelas suas próprias emoções. Seu relacionamento com Martin é horrível, pois ela suprime seus próprios desejos por falsas ideias de normalidade e estabilidade.

No quinto episódio, temos uma situação que resume muito bem toda essa questão sobre o medo feminino de enfrentar os seus próprios desejos: desgostosa com a vida, Claire corta o cabelo como uma forma de sentir que tem controle sobre o seu mundo, só que no final ela percebe que cabelo não é tudo e o problema está na forma que ela lida com suas emoções.

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Durante toda a temporada de “Fleabag” percebemos um amadurecimento da protagonista. Sua jornada de luto produziu uma necessidade de pedir perdão a si mesma. Através da parceria com o padre, podemos observar sua tentativa de sair da artificialidade do sexo casual para construir algo significativo. Sua relação com o padre, sem dúvida, foi uma as melhores coisas dessa segunda temporada e ambos os atores possuem muita química em cena.

No feminismo reconstruído de “Fleabag“, o companheirismo entre as mulheres, o amor como esperança e o enfrentamento das suas próprias emoções e desejos são os pilares que devemos cultivar para uma vida saudável emocionalmente. A segunda temporada termina como um grito de esperança e aceitação para todas as mulheres.

Fleabag
Cena da 2ª temporada de “Fleabag”. Imagem: BBC/Amazon Prime Video/reprodução

A segunda temporada da série confirmou o que todas já sabiam: “Fleabag” é uma das melhores comédias dramáticas da década. Contudo, a possibilidade da terceira temporada é pequena, pois em entrevista ao The Hollywood Reporter, a atriz Sian Clifford, que vive Claire, declarou que a obra não passará da segunda temporada. De qualquer maneira, a última temporada foi um excelente encerramento para obra magistral de Phoebe Waller-Bridge.


Edição realizada por Gabriela Prado.

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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