Vita e Virginia: o amor entre duas mulheres que viveram no mundo das letras

Vita e Virginia: o amor entre duas mulheres que viveram no mundo das letras

Durante as quase duas horas de duração de “Vita e Virginia”, podemos dizer que estamos assistindo à um poema na tela. A narrativa, assim como as personagens e paisagens do filme, nos levam à uma imersão poética num mundo real que parece distante da realidade. Vita (Gemma Arterton) e Virginia (Elizabeth Debicki), aparentemente opostas, se moldam uma na outra para encaixar nesse relacionamento: rápido, explosivo e que deixou marcas profundas.

Com direção de Chanya Button e roteiro de Button e Eileen Atkins, o filme é baseado na história de amor real entre a poeta, romancista e paisagista Vita Sackville-West, e a escritora, ensaísta e editora Virginia Woolf.

Vita é energética, curiosa, vivaz. Parece conectada com o mundo, quer estar no mundo, quer ser do mundo. Enquanto isso, Virginia parece ter seu próprio mundo e sortudos daqueles que têm a permissão de entrar. E Vita consegue! Se num primeiro momento ficava batendo na porta, sua insistência e capacidade de sedução (intelectual) lhe garantem passe livre para o mundo de Virginia, que se deixa encantar por alguém tão diferente de si, mas que, ao mesmo tempo, lhe dá ferramentas para poder ser quem é.

Vita e Virginia (2019) crítica
Vita (Gemma Arterton) e Virginia (Elizabeth Debicki) em cena. (Imagem: reprodução)

“O que é uma esposa, se não um papel?”

Claramente, Vita e Virginia e seus respectivos maridos, Harold Nicolson (Rupert Penry-Jones) e Leonard Woolf (Peter Ferdinando), estavam a frente de seu tempo. No que diz respeito à sexualidade e monogamia, Vita e Harold fugiam dos padrões esperados para um casamento aristocrático, como era o caso deles. Os dois tinham um casamento aberto  – para desespero da família tradicional britânica da época – e, em nenhum momento (da ficção e pelo que sabe da realidade), fizeram esforços para esconder ou camuflar sua bissexualidade.

Já Virginia e Leonard Woolf não eram adeptos de práticas sexuais. Sim, isso mesmo. Contam registros (inclusive trazidos para o longa “Vita e Virginia”) que o desejo sexual de Virginia Woolf era inexistente, até conhecer Vita Sackville-West. E, portanto, o relacionamento dos Woolf esteve baseado em livros, editoração, companheirismo e muita amizade.

Claro que, se em 2019 os casamentos modernos têm problemas, imagine na década de 1920. Por mais desconstruídos e longe de padrões, inclusive de gênero – como quando, após sair de um compromisso, Vita vai embora dirigindo seu próprio carro e seu marido vai embora de táxi – o longa nos deixa a sensação de que o relacionamento de Virginia e Vita era visto por seus maridos e seu círculo social, de uma maneira geral, como um grande passatempo.

Portanto, é dada a impressão que, para o mundo exterior, são apenas duas escritoras buscando conteúdo para seu próximo trabalho, como se elas precisassem de inspiração; além da questão sexual, quando é afirmado para a Virginia que lhe faria muito bem um pouco de sexo, pois seria bom também para seu trabalho. Ou seja, a atemporalidade do discurso que afirma que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são apenas fases está também presente em “Vita e Virginia“: seja na ficção, seja na realidade.

Vita e Virginia: “Será que você existe ou eu inventei você?”

Vita Sackville-West (Gemma Arterton) e Virginia Woolf (Elizabeth Debicki)
Cena de “Vita e Virginia”. (Imagem: reprodução)

Mais importante do que a maneira que o círculo social enxergava o relacionamento de Vita e Virginia, era como elas enxergavam a si mesmas e seu relacionamento. Elas pareciam estar dentro de um turbilhão de sentimentos, sensações e, no caso de Virginia, descobertas. Viviam clichês lésbicos que, inclusive, se mostram bem no roteiro: o relacionamento a distância, a insegurança, o desespero e a intensidade.

Logo nos primeiros minutos do filme, a mãe de Vita – uma mulher do seu tempo- nos conta sobre as experiências afetivo-sexuais de Vita com outras mulheres. Ou seja, Vita já havia tido outros relacionamentos com mulheres (durante seu casamento com Harold Nicolson), mas, principalmente, fica claro como esse comportamento já havia sido alvo de muita polêmica. Já Virginia, reclusa e distante, começa a descobrir um quê de vida com Vita.

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O longa, roteirizado a partir das cartas trocadas entre essas duas mulheres, nos traz a visão de um relacionamento poético, encantador, porém baseado, na maior parte do tempo, em palavras: Vita acompanhava seu marido nas viagens diplomáticas, passando grandes períodos fora de Londres e longe de Virginia. Isso, no entanto, não impediu que a comunicação entre as duas tenha sido marcada, marcante.

Nessa correspondência – e a forma que foi registrada no longa-metragem – é possível ver o quanto as duas se tornaram necessárias uma para outra, além da afetividade, além do sexo, como companheiras, confidentes, amigas. Isso é demonstrado quando, mesmo depois do fim do relacionamento amoroso, Virginia convoca Vita e a usa como referência e inspiração para uma de suas maiores obras, “Orlando”.

Vita Sackville-West e Virginia Woolf
O verdadeiro casal, Vita Sackville-West (esquerda) e Virginia Woolf (direita). (Imagem: reprodução)

Orlando, uma biografia” é, sem a menor sombra dúvida, mais do que uma carta de Virginia para Vita, é uma declaração de amor. Fica claro para quem assiste ao filme que, além de ser baseado na história de Vita, é uma demonstração pública de como Virginia apreciava e vivia Vita. Claro, com a genialidade no trato com as palavras, digna de Virginia Woolf e apenas dela. Mas o que o filme não mostra, contudo, é que a amizade das duas durou até o fim da vida de Virginia, anos depois.

Vita e Virginia” tem uma fotografia incrível e parte técnica irretocável, embora nos deixe com a ressaca literária de uma história fora de seu tempo, mas adequada à sua época.


Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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