Mulheres nos Quadrinhos: Colleen Doran

Mulheres nos Quadrinhos: Colleen Doran

Colleen Doran (1964) é uma quadrinista norte-americana que começou sua carreira escrevendo, ilustrando e auto publicando-se. Além de atuar como quadrinista e ter seu nome creditado em trabalhos importantes como “Amazing Spider Man”, “The Walking Dead”, “Guardians of the Galaxy”, “Sandman“, “Mulher-Maravilha“, ela é também uma artista conceitual de filmes laureada pelo Eisner Award e pelo Harvey Award.

A exemplo de outras quadrinistas de talento, seu envolvimento com arte começou aos cinco anos, quando venceu uma competição de arte promovida pela Disney. Naquela ocasião, alimentava o sonho de se tornar uma animadora. Como a vida engendra surpresas, sua experiência de artística a aproximou, aos doze anos, das histórias em quadrinhos e, desde então, seus projetos pessoais adquiriram novos contornos. Naquele mesmo ano, em 1976, Colleen Doran começou a produzir os esboços do seu primeiro quadrinho, a série “A Distant Soil“.

A Distant Soil - Colleen Doran
A Distant Soil – Colleen Doran (Imagem: reprodução)

A primeira fase de sua criação foi marcante para a sua iniciação às particularidades artísticas das histórias em quadrinhos. Além de aprender a tecer os fios narrativos dos quadrinhos, a artista precisou aprender a lidar com a rejeição em virtude da recusa de seu trabalho pela Randon House, segundo entrevista ao site Rescue Time. Longe de provocar sua deserção da vida artística, Doran superou essa experiência assim como várias outras superam as dificuldades para ingressarem no mundo dos quadrinhos.

Aos quatorze anos, a quadrinista participou de convenções de ficção cientifica. Nelas, tomou ciência da existência de mostras de arte em que fãs poderiam expor seus trabalhos. Entusiasmada com a possibilidade de apresentar sua arte, Doran decidiu produzir seu próprio material para aquele público. Para sua surpresa, ao final da sua primeira exposição, todo o material produzido havia sido vendido. A partir daí, ampliou as produções de fanzines, apazines até conseguir um agente para ajudá-la a divulgar seu trabalho.

Algum tempo depois, o quadrinista Keith Ian Giffen, que na ocasião colaborava para “The Legion of Super-heroes”, convidou-a para um teste na DC Comics. Além de continuar autopublicando-se, Colleen desenvolveu importantes trabalhos para grandes empresas, entre elas a The Walt Disney Company, onde cuidou da adaptação quadrinística de “The Beauty and The Beast” em 1991 (Marvel Enterneinment), “Guardians of the Galaxy annual #3” de 1990 a 1995 (Image Comics), “Comic Book Tattoo” em 2008 (Dark Horse), “Troll Bridge” em 2016, entre outras.

Disney's Beauty and the Beast - Colleen Doran
Disney’s Beauty and the Beast – Colleen Doran (Imagem: reprodução)

Apesar da grande quantidade de trabalhos bem-sucedidos, Doran não esqueceu os vários desafios experimentados por ser uma artista mulher entrando num universo pretensamente masculino. Sobre essa questão, em entrevista concedida ao SYFY WIRE, a autora afirma que seu estabelecimento no mercado quadrinístico exigiu dela energia para enfrentar o establishment. Ela ouviu repetidas vezes, durante o início da sua carreira, editores afirmarem que:

“Mulheres não conseguem desenhar porque elas não são visuais e, por não serem visuais, elas não conseguem processar visualmente, elas não conseguem contar uma história e esta é a razão pela qual mulheres não gostam de quadrinhos.”

(Rescue time; SYFY WIRE)

Trata-se de uma variável da representação do feminino que alija as mulheres da capacidade racional de perceber o mundo. Obstinada desde sua juventude, Colleen não deixou que o machismo intimidasse o vigor de sua imaginação artística. A autora conseguiu provar repetidas vezes que seus críticos homens estavam profundamente errados.

Apesar disso, infelizmente, este não foi o único desafio que ela enfrentou por ser mulher. Segundo afirma, isso é apenas o que ela pode legalmente compartilhar. Pelo Twitter, em 13 de dezembro de 2017, Doran postou um artigo publicado pelo New York Times com os seguintes dizeres como legenda:

“Se você quiser saber como foram meus primeiros anos nos quadrinhos, leia este artigo de Salma Hayek sobre suas experiências com Harvey Weinstein. Ela pode pronunciar-se. Eu não posso. Eu assinei um termo de confidencialidade. Mas minhas experiências foram semelhantes. E pior.”

Seus relatos evidenciam como as mulheres, independente dos espaços que procuram ocupar, são amiúde desacreditadas e humilhadas pelo simples fato de serem mulheres.

Colleen Doran no Twitter

A versatilidade de Colleen Doran

“A Distant Soil” é a primeira produção de Colleen Doran e uma das primeiras produções de autoria de mulher a ser considerada “propriedade do criador”. Vale lembrar que a referida série quadrinística começou a ser idealizada quando Colleen estava com apenas doze anos.

Depois de disputas legais sobre direitos autorais e alterações no trabalho com a editora WaRP Graphics e outras tentativas frustrantes de publicação junto a Starblaze Graphics, Colleen decidiu, em 1991, autopublicar-se e criou sua própria empresa, a Aria Press.

A artista colheu bons frutos com essa experiência. No entanto, em virtude de uma crise no mercado quadrinístico, a autora viu as portas se fecharem para as pequenas editoras. Naquele momento, em 1995, a Image Comics se ofereceu para publicar a série e, diferentemente do que outras editoras haviam feito até então, propuseram-se a respeitar todos os direitos da criadora.

A Distant Soil
A Distant Soil – Colleen Doran (Imagem: reprodução)

Outra informação interessante sobre “A Distant Soil” é o fato de que a produção se tornou conhecida como uma das primeiras produções em quadrinhos de autoria de mulher, dos Estados Unidos, a apresentar abertamente personagens LGBTQ. Em 1995, quando indagada em uma entrevista concedida a Comics Buyer’s Guide sobre o fato de ter “sugerido” um relacionamento amoroso entre pessoas do mesmo sexo na série em quadrinhos, ela afirma:

“Eu não sugeri. Eu pensei que estivesse bastante óbvio. Rieken e D’mer são amantes e bissexuais. Jason não é gay. Eu pretendo explorar questões sobre os direitos dos gays mais demoradamente no futuro. Os direitos dos gays são direitos humanos e não me importo se as pessoas pensam que sou lésbica. Apenas mostra quão homofóbicos eles são.

Como as pessoas heterossexuais não podem apoiar direitos dos homossexuais! É como dizer que os homens não podem ser feministas! Realmente estúpido.”

Em linhas gerais, a trama de “A Distant Soil” gira em torno da história de um casal de irmãos, Jason e Liana, que possuem poderes especiais e estão confinados num hospital psiquiátrico, onde são sujeitados a experimentos secretos. Eles escapam dessa prisão psiquiátrica e passam a ser perseguidos por alienígenas, que igualmente possuem poderes atípicos. Ao longo da trama, Liana é forçada a ocupar o trono num mundo alienígena onde seu poder único faz dela uma arma viva de destruição em massa.

Embora afirme preferir desenhar a mão, a quadrinista faz o uso de tecnologia para compor seus trabalhos. Sua preferência por trabalhos desenhados a mão não a impediu de abraçar projetos como a webcomic “Finality” (2016), produzida em parceria com Warren Ellis e disponibilizada gratuitamente pela Webtoon. “Finality” é um quadrinho que aborda a vida dos investigadores Felicity Rockall e Amy Ash, onde ambos estão envolvidos na investigação de um assustador caso de assassinato.

Finality - Colleen Doran
Finality – Colleen Doran (Imagem: reprodução)
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Snow, Glass, Apples” (2019) é seu trabalho mais recente em parceria com o autor Neil Gaiman. Trata-se da adaptação de um conto publicado em 1994 por Gaiman, onde o autor conta a história da Branca de Neve sob o ponto de vista da madrasta, descrita na história tradicional como a nêmeses da princesa.

Doran e Gaiman já trabalharam juntos em uma história de “Sandman“, intitulada “Fassade”, na década de 1990, e na adaptação de “Troll Bridge” (2016), um outro conto de Gaiman que havia sido publicado originalmente em 1993, na antologia “Snow White, Blood Red”.

Snow, Glass, Apples - Neil Gaiman e Colleen Doran
Snow, Glass, Apples – Neil Gaiman e Colleen Doran (Imagem: reprodução)

Doran também colaborou com a ilustração da autobiografia ficcional “Amazing Fantastic Incredible Stan Lee: A Marvelous Memoir” (2015), produzido em parceria com o próprio Stan Lee (1922-2018) e Peter David, uma obra que apresenta uma estética cartunesca e cômica, segundo nossa artista.

Em 2020, será publicado pela Image Comics e em parceria com Matt Hawkins, o sci-fi thriller “The Clock“. A obra discorre sobre um possível vírus capaz de provocar câncer e de ceifar a vida centenas de pessoas em apenas três semanas. Contudo, um pesquisador pode ser a chave para desvendar o problema ao investigar um complô capaz de detonar a Terceira Guerra Mundial. A obra é aguardada por leitoras interessadas em ficção científica e investigações.

Autobiografia Ficcional de Stan Lee
Autobiografia Ficcional de Stan Lee (Imagem: reprodução)

Ao longo de incrível experiência artística, Colleen Doran enfrentou e superou desde muito cedo os obstáculos reservados às mulheres obstinadas. Sua rica produção é uma marca indelével para a história dos quadrinhos feitas por mulheres. Como muitas outras, a artista não deixou que sua capacidade criativa fosse minada pelas dificuldades, a maior parte delas vindas de posições limitadas que empobrecem o universo dos quadrinhos ao tentarem excluir as mulheres. Como outras, Doran certamente as venceu e outras vencerão inspiradas em seu exemplo.

The Clock - Colleen Doran
The Clock – Colleen Doran (Imagem: reprodução)

Para saber sobre a data de lançamento dessa obra e conhecer mais sobre os trabalhos de Colleen Doran, visite seu site clicando aqui ou acompanhe seus trabalhos pelo Twitter ou pelo Instagram.

Outras referências:

  • GOMES, Betsy (Org). She changed comics: the untold story of the women who changed free expression in comics.  Bekerley: Image Comics, 2016.
  • ROSEMBERG, Aaron. The library of graphic novelist: Colleen Doran. New York: Rosen Pub Group, 2005.

Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

Jaqueline Cunha é Pesquisadora de Histórias em Quadrinhos de autoria feminina, Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás e membro da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS). Jaqueline também se interessa por temas relacionados a Literatura, cinema e estudos acerca dos feminismos, identidades de gênero e sexualidade.
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