“Derry Girls” é uma série disponível na Netflix, criada por Lisa McGee. A história começa em 1992, numa cidade da Irlanda chamada Londoderry ou apenas Derry e mostra o cotidiano de um grupo de cinco adolescentes. A sinopse talvez não tenha chamado sua atenção no catálogo, nem deve ter sido indicada por amigos, mesmo considerando o interessante contexto da época, lembrado por muitos.
A história ocorre na época em que os protestantes, maioria da população e favoráveis à permanência do país como parte do Reino Unido, estavam em conflito com os católicos, que almejavam a reunificação com a República da Irlanda do Norte e tinham como braço armado o famoso IRA – Exército Republicano Irlandês.
Em episódios com cerca de vinte e cinco minutos é impossível não ter rompantes de gargalhadas com Erin (Saoirse-Monica Jackson), Michelle (Jamie Lee O’Donnell), Clare (Nicola Coughlan), Orla (Louisa Harland) e a quinta “Derry Girl” James (Dylan Llewellyn) que além de não ser de Derry é um garoto.
Estudantes de um colégio de freiras, as garotas desafiam a instituição e os adultos de suas famílias em situações quase inacreditáveis, normalmente iniciadas por mentiras (que só aumentam) ou por pequenos atos inconsequentes. Tudo vai ganhando um corpo absolutamente hilário e elas acabam sempre juntas e, claro, de castigo.
Expressivas, exageradas, dramáticas e sagazes, são alguns adjetivos das adolescentes, mas cada uma tem seu tom e as diferenças são ressaltadas pelo roteiro com altas doses de ironia e ótimas interpretações. Vale conhecer uma a uma. Inclusive, abandona-se qualquer tentativa de indicar (ainda que brevemente) como elas são, o que roubaria as ótimas surpresas da trama. Porém, como boas adolescentes, nem tudo são flores. Elas se criticam, discutem, magoam umas às outras, se perdoam e seguem prontas para as próximas situações no estilo “Monty Phyton“.
Adultos? Não, obrigada.
No entanto, é possível que as personagens de “Derry Girls” tenham todas as características consideradas irritantes pelos adultos. Seria, contudo, injusto se limitar a isso.
Em meio à implicância que poderia surgir, se revela a beleza de se ver um indivíduo, ter desejos, inseguranças, rebeldia e lidar com todas as limitações sociais, dos pais, de comportamento, aquele quando eu sair de casa e os mil planos seguintes. Também é provável que alguns eventos sejam vistos como tolices, meras “confusões” de adolescentes“, mas que já foram muito importantes nesta complicada fase da vida, para quem está “apenas” crescendo.
A propósito, os adultos da série são os personagens mais desinteressante, quase entediantes, não fosse pela freira coordenadora da escola, a “Irmã Michael” (Siobhan McSweeney), que é uma mistura de pura impaciência com cinismo e, em alguns momentos, a Tia “Sarah” (Kathy Kiera Clarke), numa sucessão de divertidas vaidades e futilidades. Enquanto as frases da primeira soam como pensamentos que deveriam ficar guardados pelo bem do convívio social, as da tia facilmente passariam por piadas, ainda que ela fale a sério.
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Derry Girls é um flash back dos anos 90
Embora as personagens usem uniforme em muitos episódios, a série é uma viagem no tempo para quem viveu nos anos noventa, seja para matar a saudade, seja para se envergonhar ou para ver o que já voltou a ser moda, como as presilhas no cabelo, os brincos de argola, as tiaras, ou as gargantilhas (hoje rebatizadas de choker).
Take That com “Back for Good”, The Cranberries com “Dreams” e “Ode To My Family” garantem a trilha sonora dessa nostalgia e seguem acompanhados por Blur (“Girls and Boys”), R.E.M. (“Losing My Religion”), Ace of Base (“All That She Wants”), pela quase repetição de “Alright”, da banda Supergrass, e claro, pela rainha Madonna ao lado de Enya (sim, Enya!).
As “chicletes” ame ou odeie sobram: Ice Ice Baby (Vanilla Ice), Jump Around (House of Pain), Just Can’t Get Enough (Depeche Mode), Unbelievable (EMF), I’m Too Sexy (Right Said Fred), Mr. Loverman (Shabba) e The Rhythm Of The Night (Corona).
E se até aqui foram boas lembranças, há uma faísca. Questões delicadas como homossexualidade e o tratamento de pessoas de distintas nacionalidades são retratadas de forma muito diferente da que hoje se almeja lidar. A discussão séria com certa mudança de mentalidade, preocupando-se com aquilo que alguns chamam de politicamente correto e outros de respeito, é deixada de lado e despida de qualquer cautela. A série não perde seu brilho nem humor por isso. Fica a impressão de que esses anos nos fizeram bem.
Risos em tempos de cólera
Com duas temporadas de seis episódios cada, há uma promessa da terceira pelo Channel 4 (canal britânico que exibiu as anteriores). Todavia, a segunda temporada chega a ser melhor e a ter mais ritmo que a primeira. O quinteto segue com seu humor britânico quase irritante, afetado e estridente, apesar de todo conflito ao redor. Portanto, qualquer semelhança com os temos atuais não é mera coincidência.
A questão política também está presente na maioria dos episódios, com patrulhamento da cidade e de estradas, ameaças de bomba, pronunciamentos na televisão acompanhados pela população, mudanças na rotina dos personagens – que toma corpo ao longo deles, sem, entretanto, tirar o protagonismo delas.
Vale muito dar uma chance às Derry Girls e lembrar o quão engraçado pode ser crescer. Ou apenas gastar esses minutos com algo como elas: leves, divertidíssimas e adoráveis!