Crônicas de São Francisco: identidade, diversidade e amor

Crônicas de São Francisco: identidade, diversidade e amor

A casa que fica em Barbary Lane, 28, em São Francisco, parece um lugar aconchegante, um espaço onde morar significa dividir experiências, dores, descobertas, medos e vitórias; onde amizade significa família. Foi assim no passado e continua assim no presente. Essa sensação habita o sentimento de quem mora/morou ali, mas também de quem assiste à série da Netflix, “Crônicas de São Francisco” (2019), um revival de 10 episódios do clássico LGBTQ+ que conquista a audiência desde os anos 90. A série estreou em 1993 e houve outras duas versões, em 1998 e 2001; as histórias estão baseadas nos livros de Armistead Maupin.

Mesma casa, novos ciclos e diversidade

A casa funciona como o coração da trama e é a partir dela que os as histórias dos personagens se desenrolam.

Nesse novo ciclo, Mary Ann Singleton (Laura Linney), que havia deixado São Francisco, o marido e a filha adotiva de dois anos para investir na carreira de apresentadora, em Nova York, volta para o aniversário de 90 anos de Anna Madrigal (Olympia Dukakis), a grande dama, proprietária da casa. As duas atrizes participaram das três versões da série.

Crônicas de São Francisco
Mary Ann (Laura Linney) e Anna Madrigal (Olympia Dukakis) em “Crônicas de São Francisco” (Imagem: divulgação/Netflix) 

Ao pisar novamente em Barbary Lane, Mary Ann precisa reconhecer quem deixou pra trás e conhecer as novas caras e gerações da casa que, um dia, também foi o lar dela. Ela reencontra o melhor amigo Michael “Mouse” Tolliver (Murray Bartllet) e o ex-marido dela Brian Hawkings (Paulo Gross) e pai de Shawna Hawkings (Ellen Page), a quem não vê desde que a menina era criança. Shawna não sabe que foi adotada e ainda acha que Mary Ann é sua mãe biológica, o que gera mais um enfrentamento para a apresentadora.

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O remake atual pretende, obviamente, atrair a audiência jovem e diversa, seguidora fiel de capítulos e mais capítulos das mais diversas produções seriadas. Ellen Page, através de sua personagem, Shawna, representa a cara dessa nova audiência. “Crônicas de São Francisco” também mostra o relacionamento dela com Claire Duncan (Zozia Mamet), que está interessada em Swanda e nas histórias LGBTQ+ de São Francisco para produzir um documentário. O choque de gerações gera debates interessantes, mas outras questões também são discutidas, como as dificuldades da vida a dois/duas, a descoberta da própria identidade e a luta cotidiana contra as normas sociais.

Shawna Hawkings (Ellen Page) e Claire Duncan (Zozia Mamet)
Shawna Hawkings (Ellen Page) e Claire Duncan (Zozia Mamet) em “Crônicas de São Francisco” (Imagem: divulgação/Netflix) 

Representatividade e inclusão

Além disso, questões como diversidade e representatividade não foram esquecidas. Por exemplo, a produtora da série, Lauren Morelli, decidiu manter a atriz original Olympia Dukakis, que interpreta Anna Madrigal, por respeito a tudo o que a atriz representa, mas disse que se “Crônicas de São Francisco” fosse inicialmente gravada hoje, a personagem seria representada por uma atriz trans, porque Madrigal é uma mulher trans na história. Por conta disso, há vários atores trans na série atual, como Jen Richards, que interpreta a jovem Anna, o escritor Thomas McBee e os/as diretores/as Silas Howard e Sidney Freeland atrás das câmeras.

Crônicas de São Francisco” inclui outras sexualidades, muito além do que é mostrado nos livros de Maupin. Jake Rodriguez (Josiah Victoria Garcia) também é um jovem homem trans que enfrenta dificuldades em seu relacionamento com May Hong (Margot Park), justamente por causa da transição dele, e Morelli, em colaboração com Maupin, tenta ampliar também a diversidade racial na produção. O personagem de Jake existia nos livros, mas o sobrenome Greenleaf foi trocado por Rodriguez.

Crônicas de São Francisco
Jake Rodriguez (Josiah Victoria Garcia) em “Crônicas de São Francisco” (Imagem: divulgação/Netflix) 

Por outro lado, além de Hong, os/as gêmeos/as influenciadores/ as digitais Jonathan/Raven (Chistopher Larkin) e Jennifer/Ani (Ashley Park) são os responsáveis pela representação asiática na série, o que podemos entender como uma clara tentativa de aproximação com a audiência jovem, que quer uma representação autêntica e parecida a ela. Por outro lado, Ben Marshall (Charlie Barnett), o jovem namorado de Tolliver, era um homem branco nos livros e é negro na série. Além das mudanças dos personagens, “Crônicas de São Francisco” mostra também as mutações na própria cidade, como a “invasão” das empresas de tecnologia e o tráfego angustiante.

Crônicas de São Francisco” é, sobretudo, divertida e com personagens humanizados. É um lugar para reconhecer-se, sentir orgulho e seguir em frente, exatamente como a comunidade LGBTQ+ costuma fazer.


Edição realizada por Gabriela Prado.

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Apaixonada por tudo relacionado ao cinema e ao audiovisual. Gosta principalmente de ver mulheres fortes e felizes nas telonas e nas telinhas. Por isso, depois de trabalhar muitos anos em televisão, decidiu estudar mais sobre o assunto e fez um doutorado no tema pra ajudar na reflexão do papel da mulher no cinema, e poder dividir opiniões e pensamentos com mais apaixonadas/os como ela.
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