Fim de Festa: o carnaval como símbolo da polarização

Fim de Festa: o carnaval como símbolo da polarização

Não é novidade que o carnaval é motivo de dissidência pelo país. Quem não lembra do vídeo da jornalista Raquel Sheherazade que viralizou alguns anos atrás? Nele, Raquel afirmava que “o carnaval já foi bom, mas isso foi nos tempos de outrora”, e seguia fazendo críticas ao que considera falta de ordem pública e consequências da baderna e libertinagem promovidas pela festa. Tal sentimento apenas se radicalizou nos últimos anos, com o próprio presidente do país dando vexame ao se pronunciar sobre o que considera ser o carnaval.

Não é a toa que o diretor Hilton Lacerda escolhe essa data para ser o tema de seu novo filme (com estreia também calculada para estrear logo após o carnaval). Assim como em “Tatuagem“, seu primeiro longa, Hilton retrata em “Fim de Festa” um momento político de polarização. Antes a ditadura militar dos anos 70, agora a nova guinada à direita que resulta numa população polarizada. Se antes Fininha era o soldado que andava em meio aos artistas vanguardistas, agora é Breno (Irandhir Santos), um policial, que habita essa posição no meio do fogo cruzado.

A trama de “Fim de Festa”

Breno tem que voltar mais cedo de suas férias para investigar o caso de uma francesa que foi assassinada durante o carnaval. Só que encontra, hospedados em sua casa, os amigos que seu filho conheceu no carnaval. Breno compreende os jovens, que se encaixam perfeitamente nos moldes progressistas, com seus cabelos estranhos e ideais de amor livre, pois vê neles um espelho de si próprio no passado, infelizmente hoje perdido. Só que o trabalho na polícia e os sentimentos misteriosos que ainda nutre por sua ex-esposa o colocam em uma situação de conflito.

Fim de Festa (crítica)

O indivíduo como símbolo

Hilton parece querer representar no microcosmo individual uma simbologia do conflito maior da nação e de suas questões políticas. Ao redor de Breno, os vizinhos destilam frases paranoicas, como “o carnaval prejudica o PIB!” e voam drones espiões nas janelas do prédio. Pessoas na rua impedem que as amigas de Breninho (o filho, nomeado tal qual o pai) façam topless na praia. Ao mesmo tempo, um podcast sensacionalista dá notícias falsas sobre a investigação do assassinato da francesa antes da própria polícia, alarmando a população.

Em contraposição a isso, os amigos de Breninho praticam amor livre e discutem questões políticas entre si, ao mesmo tempo em que vemos claramente a admissão do privilégio dos que são brancos, quando falam sobre suas babás. Hilton escancara esses detalhes com frases explícitas, bastante didáticas, para deixar bem clara a posição de seus personagens.

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Fim de Festa (crítica)

Por outro lado, a vida interna de Breno pai permanece sendo o único mistério. A ex-esposa é mencionada várias vezes, mas sem indicações do que realmente se passou entre eles, e o que ainda assombra Breno segue nebuloso. Esse contraste entre vida externa explícita e vida interna contida causa um certo incômodo, porque permite aferir um paralelo entre os dois muito mais discursivo que orgânico na composição do filme.

Mais naturalismo e menos fantasia

Diferentemente de “Tatuagem”, “Fim de Festa” aposta menos em cenas lúdicas. Porém, estas continuam sendo o maior forte do diretor. As montagens visuais do podcast Dracma e as cenas em câmera lenta do carnaval são as partes em que conseguimos nos conectar mais visceralmente às sensações que o filme pretende invocar, como o sensacionalismo pretendido pelo primeiro, e a nostalgia e melancolia da segunda.

“Fim de Festa” estreia hoje (05/03) nos cinemas.


Edição e revisão por Isabelle Simões.

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Cineasta, musicista e apaixonada por astronomia. Formada em Audiovisual, faz de tudo um pouco no cinema, mas sua paixão é direção de atores.
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