[EVENTO] Crau da Ilha e a memória das mulheres quadrinistas (2º Encontro Lady’s Comics)

[EVENTO] Crau da Ilha e a memória das mulheres quadrinistas (2º Encontro Lady’s Comics)

Pra começar nossa série de textos sobre o 2º Encontro Lady’s Comics, que aconteceu em Belo Horizonte, dos dias 29 a 31 de julho, vamos voltar ao início. Como assim, se a gente nem começou nada? Pois bem, quero dizer que vamos falar de mulheres que foram nossas precursoras, que começaram a fazer quadrinho no Brasil quando muitas de nós nem éramos nascidas.

O coletivo Lady’s Comics, formado por Mariamma Fonseca, Samanta Coan e Samara Horta, além de várias colaboradoras, realiza um trabalho de preservação da memória da produção de quadrinhos por mulheres. Parte desse trabalho foi publicado na Revista Risca! #1, financiada através do Catarse em 2015. A gente volta a falar da revista em outro post, mas primeiro…

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Crau da Ilha sob o olhar atento de Samara Horta, Samanta Coan e Mariamma Fonseca.

No 2º Encontro Lady’s Comics, a cartunista Crau da Ilha participou da mesa “As Precursoras” e contou sobre sua trajetória nos quadrinhos. Foi aos 18 anos que Maria Cláudia França Nogueira, que adotou “Crau” como assinatura, saiu de Ilhabela para um viagem pelo Norte do país e começou a desenhar o que via em um caderno. Ao voltar à São Paulo percebeu que tinha feito um quadrinho com a mesma piada de um dos números do Pasquim. Foi quando pensou que, portanto, era capaz de ser parte daquela publicação.

Crau levou seu caderno e suas ideias ao Pasquim, onde sugeriram que se apresentasse ao cartunista Fortuna, na época editor da revista “O Bicho”, que publicava autores independentes. A partir daí, Crau passou a fazer parte da publicação, entre artistas conhecidos como Laerte, Angeli, Chico Caruso. Ela desenhou, respondeu cartas, editou, tudo isso com 19 anos, acreditando que sua arte não era boa o suficiente.

Era 1975 e a ditadura ainda assombrava as publicações por todo o país. Embora Crau acreditasse que a arte era uma forma de questionar o que estava errado, a falta de liberdade que experimentou fazia com que todos buscassem sempre uma auto censura, para não acontecer o pior. “Você não podia escrever, o cartum falava sem precisar escrever. Desenhar era muito poderoso“, lembra a artista.

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Folheando um exemplar de “O Bicho”

Porém Crau não se sentia uma mulher no meio de homens. Para ela, todos ali eram a mesma coisa. Foi só quando foi impedida de subir a um quarto de hotel para uma reunião com a equipe de “O Bicho” e alertada pelos seus colegas sobre o quanto aquilo era sexista, foi que Crau passou a perceber seu próprio gênero e o quanto ele influenciava no seu meio. “Eu ia para os encontros e não me sentia bem, mas achava que era porque eu era uma desenhista muito ruim“, conta a cartunista. Mas deixou claro que hoje ela estava ali, sentada no centro da mesa do Lady’s Comics, se sentindo ótima e sabendo que estava no meio de suas iguais.

Depois do fim da revista “O Bicho”, Crau ainda participou de outras publicações quando voltou à Ilhabela e em 1995, num exposição sobre a revista que a lançou, voltou à questão da representatividade das mulheres nos quadrinhos, já que só havia ela de mulher no evento. Provocada por comentários dos colegas de que as mulheres não persistiam nesse universo, Crau decidiu que ia descobrir onde elas estavam e fazer uma revista só com mulheres. Foi então que surgiu a revista “As Periquitas”, com a participação de 40 mulheres, reunidas por Crau, que só foi publicada em 2014 com a edição de Franco da Rosa.

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Primeira edição de “As Periquitas”

O cenário das mulheres nos quadrinhos brasileiros está mudando graças a iniciativas como “As Periquitas” e coletivos como o Lady’s Comics, que surgiram da inquietação das próprias mulheres. Crau da Ilha, assim como outras quadrinistas dos aos 60 e 70, mal tem seus nomes lembrados junto aos homens que fizeram história na época e continuam até hoje. Mas seu reconhecimento está sendo resgatado através de outras mulheres.

Vida longa à “As Periquitas” e à memória das mulheres que vieram antes de todas nós, abrindo espaço e fazendo parte ativamente da história do quadrinho brasileiro!

periquita-claudia

Site oficial Lady’s ComicsFacebookRevista Risca!

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39 Textos

Bagunceira e bagunçada, por dentro e por fora. Prefere ver séries em maratonas, menos Game of Thrones, porque detesta spoiler. Totalmente apaixonada por desenho e animação. Tem mania de citar filmes em conversas, conselhos, brigas ou onde couber uma referência. Prefere gastar dinheiro com quadrinhos do que com comida, sendo muito entusiasta do quadrinho nacional e graphic novels em geral. Formada em Jornalismo, mas queria mesmo trabalhar com roteiro e ilustração.
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