Luiz Rosemberg Filho desabrocha um roteiro guardado há 15 anos em um momento que não poderia ser mais frutífero e oportuno. Politicamente, estamos vivendo um tenebroso retrocesso sem precedentes na história brasileira: uma jovem democracia acaba de ser derrocada pelo obscurantismo de setores ultra conservadores da nossa sociedade ainda extremamente patriarcal e colonizada por homens brancos de elite.
Acabamos de sofrer um estupro político (termo cunhado pela filósofa Marcia Tiburi) orquestrado a luz do dia e televisionado como um grande espetáculo midiático que culminou na retirada da primeira mulher legitimamente eleita em um país de base colonial e escravocrata sem que restasse comprovada a prática de qualquer crime de responsabilidade.
A saída desse cenário hostil proposta por Rosemberg neste belíssimo filme, “Guerra do Paraguay”, se dá através dos afetos, mas principalmente pelas mãos, mentes e corpos das mulheres. Inspirado em uma pauta feminista impulsionada pelo diálogo (tão difícil e escasso nos tempos atuais), tão bem trabalhada pelo diretor através de um texto avassalador e acachapante, divinamente performatizado pela espetacular atriz Patrícia Niedermeier, que em um embate verborrágico destrói qualquer guerra estúpida que os homens do alto de suas masculinidades tóxicas insistem em batalhar e ressignificar a todo instante.
Em longos planos sequências de tirar o fôlego, Cavi Borges nos agracia com uma direção de arte inspirada e inspiradora num preto e branco que nos remete ao momento cinzento das guerras outrora vividas e ainda experimentadas. As mulheres do filme, representadas por uma personagem “muda” interpretada por Ana Abbott, remete a todas as vozes por séculos silenciadas pelo machismo atroz que nos golpeia.
O desfecho trágico e pouco acalentador do filme “Guerra do Paraguay” infelizmente ainda é um retrato dessas mulheres que geram e carregam todo o peso do mundo em suas carroças reprodutivas. Mas, é preciso ter esperança em dias melhores. Sempre. Porque esse é o motor da vida e é o que a personagem interpretada por Patrícia Niedermeier nos deixa de legado, não apenas estético, mas intelectual.
Quiçá um dos melhores filmes brasileiros de 2016, “Guerra do Paraguay” é necessário e pungente nessa retomada da carreira do diretor que em “Dois casamento$” já nos brindava com sua alma feminina.