Corpos Adiante: Noirblue – deslocamentos de uma dança

Corpos Adiante: Noirblue – deslocamentos de uma dança

“Noirblue – deslocamentos de uma dança”, documentário ensaio de Ana Pi, se constitui através do deslocamento, que se confirma no movimento de chegada (ou seria retorno?) ao continente africano, em que a diretora-personagem se ressignifica, se reencontra e se redescobre.

A poética com a qual a câmera-corpo vai encontrando caminhos para o autoconhecimento, a partir de novos signos e símbolos revelados pelos países percorridos nessa jornada empreendida de forma totalmente independente, coloca em relevo também a questão costumeiramente suscitada na possibilidade de mulheres viajarem sozinhas.

O encontro de Ana Pi com a sua negritude e o seu apaziguamento com a africanidade é um dos gestos cinematográficos mais delicados e pungentes produzidos recentemente no cinema brasileiro, ao lado de curtas como “Travessia” de Safira Moreira e “Kbela” de Yasmin Thayná. A montagem privilegia um tempo outro, num evidente experimento espaço-temporal, acompanhado de uma narrativa cadenciada que transmuta o bailar que a diretora pretende imprimir na tela.

O filme sintetiza, portanto, uma experiência sensorial no encontro de corpos negros e no relevo geográfico próprio daqueles que se viram diante da experiência diaspórica. De acordo um um estudo recente feito pelo Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília, o índice de suicídios entre jovens e adolescentes negros (10 a 29 anos) passou de 4,88 mortes por 100 mil, em 2012, para 5,88 em 2016. Ou seja, a cada 10 jovens que se suicidam no país, seis são negros. Uma das formas de reverter esses números é criando novas representações através de representatividades como as apresentadas por Ana Pi nesse filme.

“Corpos Adiante” é a temática que norteia a 22ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. Nas palavras dos curadores “o cinema, como linguagem e espaço de reiteração de narrativas e experiências discursivamente condicionadas, se estabelece como um campo de disputa. E essa disputa coloca em jogo não só os corpos representados, mas, sobretudo, o próprio modo como se constituem as estruturas de suas narrativas.” Tendo em vista essa perspectiva, foram programados quatro curtas-metragens que, de alguma forma, propõem, no deslocamento geográfico dos corpos, uma alternativa para existir e resistir às violências físicas ou simbólicas que um mundo imerso na necropolítica propõe.

Assista abaixo a realizadora apresentando seu filme na sessão de estreia no Cine-Tenda da Mostra Tiradentes.

Ficha Técnica:

Direção: Ana Pi

Sinopse: No continente africano, Ana Pi se reconecta às suas origens através do gesto coreográfico, engajando-se num experimento espaço-temporal que une o movimento tradicional ao contemporâneo. Em uma dança de fertilidade e de cura, a pele negra sob o véu azul se integra ao espaço, reencenando formas e cores que evocam a ancestralidade, o pertencimento, a resistência e o sentimento de liberdade.

>> Confira aqui mais sobre a 22ª Mostra de Tiradentes!

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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