Portal: a complexa relação feminina na franquia (com spoilers)

Portal: a complexa relação feminina na franquia (com spoilers)

Portal é um jogo de ficção científica em primeira pessoa, desenvolvido pela Valve Corporation em 2007, e lançado pelo pacote The Orange Box para diversas plataformas. Por possuir uma física incomum relacionada à jogabilidade, e dar aos gamers um sistema de puzzle diferenciado dos demais, Portal é considerado um dos jogos mais marcantes da geração. Embora tenha se passado 11 anos desde o lançamento do primeiro jogo, o sucesso de Portal persistiu por muito tempo, principalmente após a sua sequência: Portal 2. O segundo game não decepcionou, mantendo sua singular mecânica de jogo e, para a felicidade de todos, trouxe uma narrativa mais rica e completa.

A história de Portal (Com Spoilers)

Resultado de imagem para portal gun portal

A história da franquia Portal inicia de uma maneira relativamente simples: tudo se passa em um futuro, dentro da empresa Aperture Science e seu “Centro de Enriquecimento”, destinado a realizar testes dos produtos da empresa com humanos. A princípio só há dois personagens na trama: Chell e GLaDOS.

Chell é a silenciosa protagonista controlável da saga Portal. Pouco se sabe sobre Chell, como, por exemplo, de onde ela veio, quem ela é, ou como foi parar lá. E, aparentemente, a própria personagem não sabe as respostas. Entretanto, mesmo se soubesse, talvez essa informação não seria divulgada, pois Chell se mostra extremamente quieta, não possuindo falas em toda a saga, deixando uma incógnita não só sobre seu passado mas também sobre a especulação dela ser muda. A única informação dada é que Chell é uma cobaia dos “Test Chambers” e da “Portal Gun”.

Resultado de imagem para chell portalChell em Portal 1

 

 

 

Resultado de imagem para chell portal

Chell em Portal 2

O jogo possui diversas “Test Chambers”, que são salas que colocam o indivíduo dentro das mecânicas de jogo e dos puzzles. Para abrir caminho e passar por todas é necessário utilizar a “Aperture Science Handheld Portal Device” (ASHPD) ou mais conhecida como “Portal Gun”. A “Portal Gun” é uma arma cujos disparos cria portais de cores distintas (laranja e azul) que são interligados, permitindo que Chell, ao entrar em um portal, saia pelo outro, ou seja, os portais são interespaciais.

Resultado de imagem para test chamber

“Test Chamber”

Imagem relacionada

“Portal gun”

Em termos de leigos, coisinha rápida entra, coisinha rápida sai.” é como GLaDOS (Genetic Lifeform and Disk Operating System) explica à Chell durante o jogo. GLaDOS trata-se de uma robô e uma das principais personagens da trama, que está presente em toda a franquia. Dublada por uma voz feminina, GLaDOS é quem introduz Chell ao seu objetivo, de passar por todas as “Test Chambers” e usar a “Portal Gun”. Para encorajá-la, a robô afirma que, caso Chell consiga cumprir o objetivo, ganhará uma recompensa: bolo.

Resultado de imagem para glados portal

GLaDOS

 

O início de Portal 1 cria uma ambiguidade, atribuindo aos poucos profundidade na relação entre Chell e GLaDOS. A princípio, a trama traz a sensação de que GLaDOS é sua amiga, o que faz completo sentido, já que ela é a única personagem além de Chell, podendo ocupar a posição de apoio à protagonista. Ainda que seja agradável receber o prometido bolo de GLaDOS, na situação de Chell, essa recompensa é, no mínimo duvidosa. GLaDOS aos poucos deixa de se preocupar com o bem-estar da humana, especialmente quando Chell precisa enfrentar perigos mortais como robôs atiradores e lasers. Além disso, em momento algum GLaDOS se propõe a oferecer liberdade para Chell, fazendo a protagonista escolher apenas entre continuar presa em Aperture Science ou enfrentar as Test Chambers e receber o apreciado “bolo”. E é nesse ponto que a relação se mostra diferenciada, já que GLaDOS, mesmo sendo a única personagem além de Chell, talvez não seja tão confiável como você pensa.

Com o desenrolar da trama, descobre-se que GLaDOS é uma inteligência artificial (IA) bastante desenvolvida e com fortes tendências sociopatas, revelando uma personalidade hostil e que não pensaria duas vezes em destruir Chell. É perceptível que GLaDOS está corrompida, já que em diversos momentos ela – ainda que de maneira robótica – muda seu tom de voz, alterando entre uma voz feminina atraente e uma voz “bugada” e grossa. Além disso, ela dá risadas histéricas e faz piadas extremamente sarcásticas sobre aniquilar Chell. Não é nítido o real motivo da robô possuir essa atitude e tampouco se sabe se GLaDOS possui alguma angústia especificamente com Chell, mas é fato que a robô quer aniquilá-la. Já a protagonista, não se abala com a vilã em momento algum, mostrando novamente outra característica peculiar da relação entre as personagens: estão em lados opostos, mas nenhuma apresenta com clareza os motivos para tal situação.

À partir dessa revelação, o objetivo do jogo é destruir GLaDOS e sair da Aperture Science. Ao cumprir o objetivo, é possível ver um flash de Chell no mundo exterior, sendo arrastada para o interior do que aparenta ser novamente a Aperture Science. Os créditos do game contam com uma música cantada pela GLaDOS, deixando a entender que esta ainda está viva e com objetivos de caráter exterminador. Segue abaixo a música:

Em Portal 2, isso se mostra verdade quando estamos na mesma situação do primeiro jogo: Chell sendo acordada por um robô estranho e precisando novamente enfrentar as “Test Chambers”, que agora estão parcialmente destruídas. Entretanto, desta vez o robô se chama Wheatley.

Resultado de imagem para Wheatley

Wheatley

Dublado por uma voz masculina, Wheatley possui bastante personalidade. Além de ser um robô com sotaque britânico, extremamente falante e nada inteligente, ele é apresentado como um companheiro com o propósito de ajudar a protagonista, levando-a até uma “Portal Gun”, para que novamente destrua GLaDOS, que de fato ainda está viva. Entretanto, ao tomar o lugar de GLaDOS no controlador geral da Aperture Science, Wheatley quebra as promessas sobre ajudar Chell a fugir e coloca GLaDOS em uma bateria de batata, jogando ambas nas ruínas da antiga Aperture Science.

Wheatley se mostra como o antagonista do jogo, fazendo com que GLaDOS e Chell tenham que se juntar para destruí-lo. A partir daí a relação das duas personagens se concretiza como complexa já que mesmo sendo o único momento de união, não se pode dizer que há sororidade, pelo menos não da parte de GLaDOS. A robô não demonstra empatia ou companheirismo, deixando claro que ao retomar o controle do local irá destruir Chell.

GLaDOS x Chell: uma complexa relação feminina

Imagem relacionada

Em Portal 1, GLaDOS não perde a chance de tentar manipular Chell, seja com informações sobre o passado da protagonista, com promessas de um bom psicólogo ou ganhar bolo. Talvez o ponto que deixa mais nítido que GLaDOS não gosta de Chell ou não se importa com o bem estar dela, trata-se do momento em que você encontra o “Weighted Companion Cube” ou “Cubo Companheiro” pela primeira vez.

Resultado de imagem para companion cube

Uma palavra que define o cubo companheiro é simpatia, seja pela aparência fofa com o coração rosa, ou pelo próprio nome “cubo companheiro”. Diferente dos outros, a aparição do cubo companheiro traz à tona diversas questões psicológicas, pois GLaDOS afirma que uma reação comum é o surgimento de uma afeição pelo cubo companheiro, mesmo que este seja um objeto inanimado e que não fala, caso contrário, é necessário ignorar os conselhos do objeto. 

Durante a trama, o cubo realmente não faz qualquer interação com Chell, entretanto, isso não o impediu de conquistar o coração dos gamers, apresentando posteriormente uma situação extremamente angustiante: você precisa se livrar do cubo para avançar para o novo “Test Chamber”, ou como a GLaDOS diz: “eutasianá-lo”. Isso deixou algumas pessoas extremamente tristes e incomodadas, justamente por terem criado uma afeição com o cubo companheiro.

O cubo pode ser de fato apenas um cubo, mas caso Chell tenha sentido a mesma angústia que diversas pessoas sentiram, ao se livrarem do cubo companheiro, só reverbera as discussões sobre a manipulação psicológica de GLaDOS no game. Induzir Chell a novamente fazer escolhas que colocam em jogo a sua vida e liberdade, apenas reforça a ideia de que, até o momento, GLaDOS carrega uma personalidade maldosa. E o posicionamento de Chell perante à toda situação é um mistério, pois não há falas ou cutscenes (animações) que mostrem qualquer sentimento da parte da protagonista. Essa “neutralidade” da parte de Chell contribui para que sua relação com GLaDOS seja ainda mais peculiar, pois, em momento algum vemos a protagonista hesitar perante a robô, tanto no que diz respeito a confiar em GLaDOS, quanto aniquilá-la.

Em Portal 2, após a revolta de Wheatley, GLaDOS retorna ainda mais ácida do que quando foi vista no primeiro game. Mesmo que o jogo permaneça sem falas e cutscenes da parte de Chell, quando GLaDOS é colocada na delicada situação da bateria de batata, talvez é um dos poucos momentos em que é insinuado que a humana possui algum sentimento/emoção, pois é nítido que Chell possui muitos motivos para abandonar a robô, entretanto, ela não faz isso. Obviamente, esse fato é um recurso para o jogo operar da maneira que foi planejado, mas se Chell conseguiu destruir GLaDOS sozinha no primeiro game, poderia muito bem largar a robô batata e tentar destruir Wheatley da mesma maneira, principalmente após toda a manipulação e agressão física/verbal da parte de GLaDOS. 

Durante toda a jornada até Wheatley, a robô descobre detalhes sobre seu passado, inclusive, de que possui uma parte humana dentro de si: a mente de Caroline – a última CEO da Aperture Science, após Cave Johnson. Entretanto, mesmo com uma mente humana inserida na IA e sendo influenciada por esta, GLaDOS mantém sua personalidade ácida e homicida, e Chell não manifesta qualquer reação perante a situação. 

File:Chell and GLaDOS Size Comparison.png

No final de Portal 2, quando GLaDOS e Chell destroem Wheatley, e a primeira retorna ao controlador geral da Aperture Science é o ápice da complexidade na relação entre GLaDOS e Chell. Ainda que a robô tenha demonstrado um profundo ódio em relação à protagonista, GLaDOS afirma no final da saga que pensava que Chell fosse sua pior inimiga, quando na verdade foi sua melhor amiga. Após isso, a robô deleta sua parte humana (Caroline) do sistema e libera Chell para o mundo exterior.

Ao sair do local, um Cubo Companheiro é jogado para a superfície junto a ela, demonstrando, talvez, que GLaDOS possui alguma compaixão em relação ao sentimento de Chell (ou do jogador/jogadora) pelo Companion Cube. Logo após isso, as portas do elevador são fechadas violentamente, deixando a entender que GLaDOS não quer a humana de volta por ali. Chell, durante todo esse percurso e já na superfície, não demonstra qualquer emoção.

Assim como as personalidades, a relação entre Chell e GLaDOS é, no mínimo, complexa. A construção das personagens, tanto em Portal 1 quanto em Portal 2, quebra diversos paradigmas, contradizendo constantemente a ideia de “humanos dotados de emoção” e “robôs com natureza apática e padronizada”. Além disso, em momento algum da franquia é possível dizer exatamente o que Chell pensa sobre GLaDOS ou o que GLaDOS pensa sobre Chell. A neutralidade da humana e o sarcasmo da robô impede certezas sobre que tipo de sentimento elas alimentam uma pela outra e, talvez, a única semelhança entre Chell e GLaDOS consiste no fato de que ambas são personagens fortes e determinadas, mesmo que estas estejam, em tese, de lados opostos.

Em suma, a franquia Portal é uma obra de arte. Os dois jogos da saga se destacaram pela belíssima narrativa, pela inovação na mecânica para resolver os puzzles, e pela ótima representação da protagonista feminina, que não é, em momento algum, sexualizada ou frágil. E, especialmente relação das personagens, traz um caráter completamente inconclusivo, atribuindo à saga uma profundidade que justifica todo o motivo para ser tão respeitada até os dias de hoje.

Portal 1 está disponível para Microsoft Windows, Android, Linux, Xbox 360, PlayStation 3, Mac OS Classic, SteamOS. Portal 2 está disponível para PlayStation 3, Xbox 360, Mac OS Classic, Microsoft Windows, Linux. Ambos podem ser adquiridos na Steam.

Gostou da análise? Confira os trailers dos jogos:

Escrito por:

4 Textos

Estudante de jornalismo, cacheada, vegetariana que é viciada em chá gelado e adora comida. Geralmente passa as horas vagas jogando no PC, lendo livros, assistindo documentários na Netflix e fazendo seu papel de otaku curtindo um anime ou mangá aleatório.
Veja todos os textos
Follow Me :