CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×13: The Word

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 2×13: The Word

A segunda temporada de The Handmaid’s Tale chega, enfim, ao seu último episódio. Intitulado The Word, o episódio traz apreensões e desperta emoções. Fala sobre quem tem o poder da palavra e qual palavra define o poder. Diferentemente do último episódio da primeira temporada, não encerra com uma esperança ilusória. Assim, mais do que deixar as espectadoras com uma incógnita do que pode acontecer com a protagonista June (Elisabeth Moss), deixa-as com uma pergunta para a próxima e já confirmada temporada: o que ela fará?

>> Leia aqui as resenhas dos episódios anteriores

Handmaid's Tale

Retrospectiva de June

Diante da finalização do livro na primeira temporada, com exceção da adaptação de um epílogo ambientado 200 anos depois da história de Offred, pouco se sabia sobre os fatos a serem narrados nessa continuação. A princípio, parecia que seria uma temporada mais pesada. Se o foi? A carga de violência não foi tão maior do que a vista anteriormente, tampouco foi muito diferente do que se vê na realidade. Mas a imersão da profundidade, nas perspectivas e no passado dos personagens trouxeram uma carga emocional maior. E na proximidade do fim, cada vez mais apreensão com cenas impactantes.

Muito ocorreu desde que a apresentação desse regime autoritário. June/Offred passou uma temporada de introdução às práticas dele, terminando entregue aos olhos. Desse ponto, iniciou-se a segunda temporada. June conseguiu fugir, mas foi capturada. De volta à rotina de Gilead, teve que suportar a violência em meio à incerteza de uma gravidez. Reencontrou sua filha. Fez aliados. Mudou perspectivas. Cresceu sua raiva, mas também sua coragem. Cresceu a vontade de lutar por algo melhor do que Gilead.

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O que foi deixado para trás

Talvez o ápice do penúltimo episódio tenha sido a morte de Eden (Sydney Sweeney). Em primeiro lugar, foi a primeira execução de uma personagem recorrente. Anteriormente, Emily (Alexis Bledel) e Janine (Madeline Brewer) foram punidas e enviadas às colônias. A aia Ofglen, posteriormente descoberta ser Lillie Fuller (Tattiawna Jones), também recorrente, morreu, mas ao causar uma explosão. Assim, Eden foi a primeira personagem bem conhecida pelo público a ser executada pelo regime de Gilead.

Em segundo lugar, choca, desde o início, a idade de Eden. Aos 15 anos ela foi obrigada a se casar com um homem estranho e muito mais velho. E com ele descobriu que o regime de Gilead nada oferecia de amor. E descobriu o amor com outro homem, com quem fugiu. Até que, aos 15 anos, foi executada por não renegar seus atos.

Como herege, Eden foi entregue para alimentar animais, não obstante tivesse servido ao alimento de egos masculinos dotados de poder. Deixou para trás, como tantas outras, roupas e rótulos usados para controle daqueles que dominam. Esposa, aia, martha, rainha, namorada, herege, puta, prisioneira. O que eles não esperavam é que Eden também deixaria revolta.

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As regras que não se deixam conhecer

Ao arrumar as roupas de Eden, Offred encontra uma pequena Bíblia. Diante de um regime que utiliza esse livro como a base de suas leis, poderia não soar estranho encontrar este item. Mas soa. Porque, independentemente do posto ocupado, ela era uma mulher. E mulheres não podem ler. Mulheres não podem conhecer a origem das ordens dadas a elas. Porque conhecimento é poder. E conhecimento ameaça.

Com a Bíblia repleta de anotações de uma adolescente curiosa por um mundo, Offred questiona Serena (Yvonne Strahovski). O que ela fará para proteger Nichole? Trancará Nichole em casa como as orquídeas em sua estufa? O questionamento induz Serena a tomar uma iniciativa audaciosa e perigosa.

Junto a outras esposas, dirige-se ao conselho de comandantes. Uma mulher se dirigindo a homens já seria considerado uma afronta, mas Serena vai além. Suportada por um grupo de mulheres – privilegiadas, sim, mas todas oprimidas pela violência de Gilead –, ela propõe que seus filhos e filhas aprendam a ler a Bíblia. Uma vez que a principal regra de Gilead é viver em conformidade com a Bíblia, o lógico seria permitir que todos tivessem acesso a ela e capacidade de compreendê-la.

Serena afirma que sua proposta é oferecida (offered, talvez em um trocadilho com of Fred e o nome Offred) com o mais profundo respeito. E, de fato, Serena não pretende uma subversão do sistema. Ela não quer romper com os dogmas estabelecidos. Ainda assim, é radical demais para os interesses daqueles homens. Fred (Joseph Fiennes), visivelmente irritado, responde que discutirão o problema. Mas Serena não se contenta. Mostra a Bíblia de Eden e lê parte de gêneses para reforçar sua posição. Posteriormente, diz a Fred que fez isso por Nichole e espera que ele compreenda. Ele, porém, ordena que olhos conduzam Serena.

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O conforto da posição de poder

A posição de poder é mais importante para Fred que qualquer paternidade. Talvez seja a ambição, o desejo pelo poder puro e simples. E parece ser, sobretudo quando ele diz a Offred que regras podem ser burladas por homens como ele, desde que a pessoa favorecida também fizesse favores a ele. Talvez ele esteja tão inserido na dinâmica violenta de Gilead que não a percebe. Talvez sequer deseje perceber em sua posição de conforto. A percepção sempre é diferente para aqueles que sofrem.

Assim, ele não demonstra remorso ao enviar Serena para punição. Do mesmo modo, não demonstra arrependimento o pai de Eden ao revelar que foi sua própria família que denunciou a jovem. Pelo contrário, arrepende-se de não ter educado direito a filha para que seguisse estritamente os comandos daquele governo, erro que não repetiria com a outra filha.

Se a pergunta a respeito do futuro de Nichole deixou Serena em uma posição incômoda, pouca diferença fez para Fred. Isto porque Serena já foi agredida, submetida às ordens de outros homens, e sabe o que acontecerá com sua filha. Sabe que, se ousar falar, perderá um dedo. Sabe que ela será obrigada a cumprir um papel. E que, se descumprir com esse papel, deixará para trás roupas e rótulos, talvez uma Bíblia com suas notas e os registros de seus “pecados”.

Fred, por sua vez, deseja apenas que Deus lhe envie uma mulher obediente. Apenas ordena que Offred observe seu tom, em reconhecimento da subordinação. E reforça sua conduta com um tapa. Mas Offred revida. E quando ele afirma que as mulheres são a miséria de todos os homens, ela sorri. Enquanto há uma ameaça, há uma esperança.

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Um rompante de fúria

Enquanto isso, Emily está apreensiva com seu novo comandante. O cansaço pela vida levada em Gilead é evidente. Quando confessa que tem sonhado com o filho Oliver, em função da proximidade do aniversário dele, e quando ela se diz grata por ter voltado e reencontrado June, o discurso soa como uma despedida. Intui-se logo que, em breve, Emily fará algo para se rebelar.

A primeira cerimônia com seu novo comandante chega. Despercebidamente, Emily rouba uma faca da cozinha e esconde-a em suas vestimentas. Sua intenção é usá-la em Joseph Lawrence (Bradley Whitford). Todavia, seu plano é frustrado quando ele se recusa a prosseguir com o rito. Ele não fará isso com ela. Tia Lydia (Ann Dowd) é uma personagem controversa. Por vezes, parece compreender minimamente a dor das aias. Ao mesmo tempo, contudo, é responsável por uma doutrinação de resignação cruel. Após a suposta cerimônia, ela vai ao encontro de Emily. Comenta que Lawrence qualificou-a com esplêndida, mesmo que sequer tenha ocorrido. E afirma que Deus é piedoso com Emily por tê-la colocado numa casa como aquela. A piedade de Deus e de tia Lydia é condicionada por um sistema de tortura constante.

A raiva de Emily, então, é liberada. O que ela planejava fazer com Joseph Lawrence, faz com tia Lydia. Enfia uma faca em suas costas. Empurra-a andar abaixo. Agride-a. E observa sua face de agonia. Mas logo é encontrada pela martha, que a tranca em um quarto e chama o comandante. “O que faremos com você?” Lawrence pergunta enquanto conduz leva Emily a algum lugar incerto.

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Nolite Te Bastardes Carborundorum

A morte de Eden, de algum modo, aproximou as mulheres da casa dos Waterford. Criou nelas laços de empatia ao denunciar a violência a que estão submetidas. E, por isso, ressalta-se novamente o quão importante foi essa morte. Serena e Offred aproximaram-se na perspectiva de um futuro melhor para Nichole. Mas também Offred e Rita (Amanda Brugel) se aproximaram. Ambas poderiam ter feito mais por Eden. E, ao mesmo tempo, não podiam ter feito mais do que fizeram.

Uma noite, Offred está amamentando Nichole quando avista chamas em uma casa próxima. Rita aparece para lhe dizer que precisa se apressar. Amigas, marthas, esperam-na para uma fuga. É interessante observar como os papéis atribuídos às mulheres às separam, mas levam-nas a formarem grupos dentro das diferentes classes. E esses grupos podem se auxiliar numa luta maior.

Offred retorna para pegar roupas e a foto de Hannah. Também deixa uma mensagem para o comandante, uma que foi o estopim de sua trajetória. Quando ele percebe, tarde, demais, o que está acontecendo, depara-se com a ausência de Nichole e de Offred. E também com a frase: nolite te bastardes carborundorum.

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Os que precisam partir e os que precisam ficar

Seguindo as instruções de Rita, Offred/June busca sua liberdade. Cruza com Nick (Max Minghella), que assente em incentivo. E quando está prestes a sair, depara-se com Serena. É uma cena comovente. Depois de ser mutilada, Serena ainda resiste em admitir a violência de Gilead, mas já não pode ignorar. Ela tentou garantir um futuro para Nichole, e falhou. E precisa decidir se o amor por sua filha é altruísta o suficiente para deixa-la partir. Ela esperou tanto tempo para ter uma filha, descobriu o que era amar e zelar e precisa deixa-la para que ela tenha um futuro melhor.

June, então, segue em frente. Encontra diversas marthas em seu caminho de fuga. Todas mulheres dispostas a ajudar uma delas a se libertar. E quando está quase livre, June olha para a foto de sua outra filha, aquela que ela deixaria ali, sem futuro. Ela mostra a foto de Hannah à filha e fala “talvez você a conheça um dia”. Mas muda o discurso e, com determinação afirma “você a conhecerá um dia”.

Pouco tempo depois, um carro aparece. Emily é deixada pelo comandante Lawrence no mesmo local que June. Ele, arquiteto das colônias, talvez se arrependa de tudo que ajudou a construir. E sua última ordem a Emily é que ela viva. E ela está disposta a viver. Sobe em um caminhão, rumo a uma sociedade mais livre. E espera por June e sua filha. No entanto, a angústia da possibilidade de que June permaneça aumenta, dando lugar a uma certeza. Ela entrega sua filha a Emily e pede para que ela se chama Nichole, em lembrança ao amor de Serena pela criança. E permanece em Gilead por Hannah. Para garantir o futuro de sua outra filha.

https://youtu.be/rx3LTjdOA0s

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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