(Des)Encanto: uma princesa fora da caixa e suas aventuras

(Des)Encanto: uma princesa fora da caixa e suas aventuras

Princesas são um saco. Dito isso, e concordando com a premissa, Matt Groening e sua equipe de desenhistas botaram a mão na massa para criar um universo de contos de fadas com aquele sarcasmo típico de seus trabalhos anteriores, como os Simpsons e Futurama. O tempo agora é outro: estamos na “era das trevas”, e junto com o imaginário de terras médias, com seus reinos, súditos, fortalezas e tabernas, deparamos com morte, praga, crítica e comédia. (Des)encanto é a história da princesa Tiabeanie (Abbi Jacobson) que de princesa, tem apenas o título e a vida tediosa.

Filha do rei Zog de Dreamland, Bean perdeu a mãe pequena – petrificada por um veneno acidental – e viu seu pai bolachão se casar de novo com uma rainha meio humana meio salamandra para estabelecer a paz entre Dreamland e outros reinos. Sem espaço dentro da nobreza, ignorada pelo pai e completamente inconformada com as obrigações maritais de uma princesa, Bean é a garota problema do reino, que mesmo causando confusão em suas festas e bebedeiras, ainda consegue conquistar a simpatia da população plebeia. A relação de Bean com seu pai é grande parte dos motes de sua aventura: Zog frequentemente tenta sabotar as investidas de Bean de ser independente, subestima as capacidades da filha e tenta conformá-la em um casamento real.

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Ao mesmo tempo que Bean causa confusão no reino ao tentar fugir de seus casamentos, a terra dos elfos perde um cidadão, Elfo, que insatisfeito com a constante satisfação no reino feliz de seus conterrâneos, decide sair de sua cidade natal para desbravar as tristezas do mundo real.

Elfo encontra Dreamland no momento em que Bean conhece seu novo companheiro: Lucille, um demônio irônico que é libertado de seu sono e passa acompanhar a princesa pinguça. É na fuga alucinada de seu casório que a amizade entre Bean e as duas criaturas se solidifica: Elfo sendo a voz da bondade e Luci, claramente, o pequeno demônio que a influencia às más decisões.

Agora com dois parceiros de aventura, a resistência de Bean contra as vontades do rei toma mais solidez. Porém, a notícia da presença de um elfo em Dreamland se espalha, e as ganâncias de Zog, interessado nos poderes mágicos de vida eterna contidos no sangue dos elfos, se tornam mais um impedimento para a vida aventureira da filha.

O rei precisa do sangue de Elfo para completar seu elixir para vida eterna e, nesse percurso, descobrimos um pouco sobre o passado de Elfo e sobre a relação de Bean com a mãe: A rainha petrificada também se beneficiaria do elixir.

A jornada pessoal de Bean tem pouco a ver com a ideia romantizada da vida de uma princesa: ela quer ter utilidade, é entediada pela vida fútil a que foi submetida na nobreza, sua intenção é desenvolver suas habilidades, conhecer culturas e mundos, beber e farrear: romance e vida a dois são planos que a princesa pretende postergar.

Ela é guiada por aventuras, pela amizade e pela festa. Bean também sabe lutar, não usa vestidos e não se comporta como “uma dama”. Ela é uma heroína fora da caixa, uma personalidade múltipla, com altas e baixas de caráter, dublada pela voz da inconfundivelmente divertida de Abbi Jacobson, conhecida pela série de comédia Broad City.

Em suas aventuras, Bean encontra uma gama de mulheres e seres diferentes: desde a ama Benta, que praticamente criou Bean, cuida do castelo e de diversos filhos, e costuma enxergar Elfo como mais um de seus filhos pequenos.

A gigante questionadora Tess, que após perder um de seus olhos, recebe de Elfo um olho novo capaz de enxergar toda verdade a sua volta. Passando por um Grifo (parte águia, parte leão, parte humano) que bota ovo enquanto voa.

Até a própria madrastra Oona, cuja presença é explicada como parte de um grande acordo entre os reinos de Dreamland e Dankmire, que resolveu em casamento e construção de um canal a guerra que perdurava desde que a mãe de Bean (a rainha Dagmar) foi petrificada.

Nem João e Maria são poupados, ganhando uma nova história até bastante condizente, e a bruxa má também se investe de novas justificativas.

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A articulação das histórias paralelas criam referências contemporâneas que fazem de (Des)encanto um produto bastante alinhado às novas tendências de comédia, simultaneamente à sensação de familiaridade causada pelo traço famoso dos desenhos de Matt Groening. Bean é uma mistura de Bart e Meggy Simpsons, em trajes de cavaleira, lidando com magia. Zog é um pai emocionalmente distante e abusivo e com o mesmo vício em cerveja e tendência à brigas de bar que Homer.

A primeira temporada termina deixando vários pontos em aberto e os ganchos para a próxima já foram estabelecidos: parece que sabemos realmente pouco sobre o universo de Dreamland e as intenções das personagens que habitam esse mundo.

O drama familiar Zog-Bean-Dagmar ainda possui segredos o suficiente para fazerem dessa temporada apenas um aperitivo do que ainda pode ser explorado. Apesar do demônio Luci ter revelado que nem tudo que a imaginávamos era de fato o que havia ocorrido, ainda são várias brechas da história que foram intencionalmente escondidas.

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É por meio das paródias com contos de fada que a comédia de (Des)encanto chama a atenção, mas a conexão que a série faz com temas relevantes atuais como, por exemplo, a composição das famílias e a criação de laços afetivos, a presença e ausência de pais pouco investidos na vida dos filhos, a tentativa das mulheres de obterem controle sobre as próprias vidas, fazem da narrativa da série um entretenimento leve mas atento às possibilidades de crítica.

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Feminista Raíz
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