O problema com a narrativa histórica de “Outlander”

O problema com a narrativa histórica de “Outlander”

AVISO: Contém discussão sobre o primeiro episódio da quarta temporada (NÃO CONTÉM SPOILER)

No episódio de estreia da 4ª temporada de Outlander, a principal heroína, Claire (Caitriona  Balfe), fala poeticamente sobre o “sonho americano” para seu marido Jamie Fraser (Sam Heughan). Claire fala sobre todas as possibilidades que o país irá oferecer para as pessoas e como eles poderão se reerguer. Sendo uma viajante do tempo dos anos 60, Claire já sabe qual o futuro dos Estados Unidos ao olhar as florestas da Carolina do Norte, em 1768.

No mesmo dia em que assisti a esse episódio, Brett Kavanaugh* foi confirmado como o mais novo membro da Suprema Corte. É um fato sobre o qual os organizadores da série não poderiam saber ao criar esta temporada, mas é um exemplo de como Outlander quer ser uma série cuidadosa, mas que tropeça porque não consegue ir muito longe ao fazer críticas.

Durante uma sessão de perguntas e respostas com os fãs, uma jovem trouxe à tona as questões sobre o estupro masculino na série e sua exploração vista no primeiro episódio. A jovem perguntou se os roteiristas estavam mencionando isso por causa do movimento #MeToo. A mulher que estava ao meu lado reclamou, dizendo: “Não tem nada a ver com política!” O produtor executivo, Ronald D. Moore, deu uma resposta cuidadosa, citando uma frase do ex-Presidente Obama sobre como a história está do lado do progresso. Mas como Obama disse em seu discurso de despedida, “nem sempre a História anda em linha reta. Às vezes, ela anda em zigue- zague.” Outlander anda assim, porque a série não tem paciência para realmente esmiuçar as nuances históricas que quer apresentar.

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No dia seguinte eu estava falando com outra repórter que disse que a série não quer fazer nenhum “julgamento” a respeito da escravidão e a respeito dos personagens que irão aparecer na nova temporada e que possuem escravos, como a tia de Jamie, interpretada por Maria Doyle Kennedy, porque “não é necessário dizer às pessoas que a escravidão é ruim.” O que, tudo bem, todos gostaríamos de pensar assim, mas não é esse o caso em 2018. Para uma série que quer ser cuidadosa e que é amada por tantas mulheres pelo fato de ser feminista e de ser uma boa história de amor, Outlander ainda quer apagar da narrativa todas as coisas mais complicadas do que o amor entre Jamie e Claire.

Para mim, essa inabilidade da série em se pronunciar é um problema. Além disso, foi dito que nesta temporada a série não teria nenhum ator Cherokee ou nenhum nativo americano nos papéis de Cherokees, por causa de regras do SAG (sindicato dos atores). De acordo com o site Cheatsheet, a produtora executiva Maril Davis disse: “Fomos para o Canadá onde não havia regras do sindicato e trouxemos mais de 100 atores nativos americanos” e aparentemente eles falaram com líderes Cherokee para garantir que a série “acertasse” em termos da forma como mostra a tribo. “Espero que tenhamos sido sensíveis em alguns aspectos e que tenhamos mostrado a cultura de forma a fazer justiça a ela, mas ainda contando a história que Diana [Gabaldon] escreveu.”

Exceto que, aí está o problema: se a história de Diana Gabaldon é problemática e mostra os Cherokees de forma errada, isto deve ser mudado. “Os Tambores de Outono” foi publicado em 1996; mais de vinte anos atrás. O discurso que havia sobre os povos indígenas, suas comunidades e sua história cresceu e se desenvolveu desde então. Por isso, se o que a autora escreveu é mais ofensivo do que bom, deve ser alterado ou cortado.

Não é suficiente apenas dizer “é muito triste o que vai acontecer aos nativos” quando se tem dois personagens brancos que irão agora participar ativamente disso. Especialmente a Claire, que é nossa heroína feminista e que agora será ativa na colonização, tendo total conhecimento dos genocídios que irão ocorrer. Mas os Frasers irão continuar, em nome de seu futuro e de sua família.

Outlander está se abrindo para discussões sobre raça, gênero, agressão sexual e colonização e eu espero que a série esteja preparada para ter respostas reais, porque é uma série que acerta em muitas coisas, mas também que tropeça de formas que poderiam ser evitadas, especialmente a esta altura.

* Brett Kavanaugh é o juiz que tomou posse recentemente na Suprema Corte dos Estados Unidos. Escolhido pelo Presidente Donald Trump, este juiz foi acusado por três mulheres de tê-las agredido sexualmente.

Tradução do artigo escrito por Princess Weekes, publicado originalmente no site The Mary Sue, no dia 08 de outubro de 2018.  Tradução por Maria Amélia Fleury Nogueira.

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Fundadora e editora do Delirium Nerd. Apaixonada por gatos, cinema do oriente médio, quadrinhos e animações japonesas.
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