La Chimera: Alice Rohwacher e os enigmas do passado

La Chimera: Alice Rohwacher e os enigmas do passado

Em março de 2025 chegou ao catálogo da MUBI, o filme La Chimera, da cineasta italiana Alice Rohrwacher, lançado primeiramente em 2023, mas distribuído para as salas de cinema apenas em 2024. O filme participou da competição pelo prêmio máximo do Festival de Cannes e foi amplamente elogiado pela crítica internacional. O elenco conta com Josh O’Connor no papel principal, além de Isabella Rossellini, Alba Rohrwacher e a brasileira Carol Duarte.

La Chimera (2023), Alice Rohrwacher
La Chimera (2023) | Imagem: Reprodução

La Chimera de Alice Rohwacher

A trama segue em torno de Arthur (Josh O’Connor), um estrangeiro na Itália que faz parte de um bando de ladrões de tumbas Antigas e contrabandistas de artefatos raros.

Pouco se sabe sobre o personagem, apenas que ele acaba de sair da prisão e que é movido por um luto profundo pela mulher que amou, Beniamina. Além disso, Arthur é a principal peça do grupo de ladrões já que possui uma espécie de habilidade sobrenatural em encontrar as tumbas cheias de artefatos históricos. 

Ao visitar Flora (Isabella Rossellini), a mãe de Beniamina, Arthur conhece Itália, uma brasileira que vive na casa de Flora em troca de aulas de canto, enquanto também atua como empregada da senhora. A jovem se interessa por Arthur, apesar da pouca reciprocidade que encontra em um primeiro momento. Mas Itália, na verdade, guarda um segredo que Arthur logo descobre e que o faz se tornar cada vez mais intrigado por sua personalidade singular. 

Carol Duarte e Josh O'Connor em La Chimera (2023)
Carol Duarte e Josh O’Connor em La Chimera (2023) | Imagem: Reprodução

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Partido entre a melancolia do luto por Beniamina e uma espécie de vínculo, ou vício, pela atividade do roubo de tumbas, Arthur fica cada vez mais entre o mundo real e o mundo das almas, representado pelas lembranças que carrega de sua amada. Toda essa agitação interna culmina no grupo desenterrando um artefato como nunca antes haviam encontrado, mas que leva Arthur ao limite da sua sensibilidade. 

“O que fazer com o passado?”

Além de comandar a direção do filme, Alice Rohrwacher também foi a responsável pelo roteiro, assim como em seus outros longas. La Chimera funcionaria então, como uma conclusão para a trilogia que Alice iniciou em 2014 com La Meraviglie, passando também por Lazzaro Felice (2018). Nesta, a cineasta busca apresentar uma questão: O que fazer com o passado? Para isso, ela usa principalmente a região da Itália onde cresceu.

Ao falar sobre a relação entre a escavação literal para o passado, na arqueologia em La Chimera, Alice traça um paralelo com uma escavação interna. Uma busca por o que há de belo dentro de si, assim como o que há de belo debaixo da terra.

Esse movimento é muito presente durante a progressão da história de Arthur, que a todo momento aparece guiado por um fio vermelho, como o fio de Ariadne que guiou Teseu para fora do labirinto. No caso de Arthur, esse fio o leva ao subterrâneo, pois é lá que ele emerge de fato. 

Alice mostra essa relação também no corpo do filme, nos momentos em que Arthur encontra os locais de tumbas e a imagem vira 180°, ficando de ponta cabeça. Como se fosse esse olhar de dentro para fora presente em Arthur.

O filme traz elementos do neorrealismo italiano, mas também, assim como toda a obra de Rohrwacher, pode ser associado a filmes de diretores como Roberto Rossellini, Agnès Varda, Hirokazu Koreeda e até mesmo Karim Aïnuz

Imagens de La Chimera (2023); Le Bonheur (1965), Agnes Varda e A Vida Invisível (2019), Karim Ainuz | Reprodução

O longa faz parte de um mundo de filmes que apresentam uma relação entre as subjetividades das suas personagens e o ambiente em volta, as cidades e campos que envolvem as motivações e objetivos de suas personagens. 

La Chimera é um retorno para si próprio

Os elementos sobrenaturais se misturam ao ambiente cru construído por Alice, que formam a realidade do lugar e da época. Duas coisas que ficam subentendidas, já que não sabemos exatamente onde e quando na Itália a história se passa.

Essa mescla entre realismo e fantasia combinam com a própria cultura apresentada, uma de superstição. Representada principalmente pela personagem de Carol Duarte, Itália. É ela quem dá o aviso a Arthur de que,

“Há coisas lá embaixo que não foram feitas para os olhos dos homens.” 

Isso vem como um aviso da própria história italiana. Itália, é uma mãe imigrante que busca acima de tudo sobreviver e garantir a sobrevivência de seus filhos. Mas sem deixar para trás o que é mágico. É interessante que Alice tenha escolhido esse nome para a personagem, considerando ainda como ela acaba construindo uma espécie de comunidade utópica de mulheres e mães. Talvez, para a cineasta, a verdadeira Itália seja essa

A mescla também nos remete ao título do filme, pois a quimera, além de um monstro mitológico formado por diferentes partes de animais, é também uma forma de se referir a fantasia, a um mundo de imaginação.

Esse é o sentimento que permeia todo o longa, um mundo do qual não temos muita informação, que vai nos apresentando pequenas pistas sobre os seus personagens a partir de músicas e vislumbres do passado, como se fossem uma lenda antiga

La Chimera (2023), Alice Rohrwacher
Josh O’Connor em La Chimera (2023) | Imagem: Reprodução

La Chimera de Alice Rohrwacher é uma viagem para dentro de si, das melancolias que nos constroem, os amores e os medos. Mas também dos espaços físicos que nos cercam e como as suas histórias se conectam com as nossas. 

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Historiadora e Mestre em Cinema e Audiovisual. Pesquisando estética, identidade e como desafiar os padrões. Nerd desde do berço e apaixonada por arte, cinema e educação.
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