[CINEMA] “Tanna”: o amor que subverte as tradições (Mostra SP)

[CINEMA] “Tanna”: o amor que subverte as tradições (Mostra SP)

Desde os primórdios dos estudos antropológicos, Claude Lévi-Strauss já se debruçava sobre as relações de parentesco dos povos tradicionais, chamando atenção para o fenômeno da troca de mulheres para o “equilíbrio” e manutenção de poder entre as tribos vizinhas. Mulheres como “moeda de troca” para fortalecimento das relações de poder com arranjos familiares orquestrados por homens eram, e infelizmente ainda são, comuns em praticamente todas as sociedades no mundo. Cada uma do seu modo. Em menor ou maior grau.

“Tanna” essa belíssima ficção etnográfica sobre povos tradicionais que vivem na Ilha de Vanuatu (Oceania), dirigido por Bentley Dean e Martin Butler, é fruto de 6 meses de muita conversa e convívio entre estes povos, que com auxílio de um intérprete local, construíram junto com os diretores, um roteiro de resistência. Para além dos possíveis clichês, é uma trágica história de amor entre dois jovens que desejam se casar e vêem esse sonho ruir quando o Pajé de sua tribo decide que a moça, que acaba de passar pelo ritual que a deixa apta ao casamento, a destina ao matrimônio com o filho do Pajé da tribo vizinha, a fim de evitar mais conflitos.

“Tanna” é um filme de resistência. Todo falado em Nauvhal, idioma de Vanuatu, e atuado pelo habitantes locais que interpretam, quase que em sua maioria, a si mesmos, Dean e Butler, numa magnífica direção de não atores ancorada pela veia documentarista, extraem a complexidade e os sentimentos de pessoas que nunca antes viram filmes ou frequentaram uma sala de cinema.

A belíssima cultura local é exposta com tintas e cores que alternam entre o verde brilhante de uma mata quase intocada ao vermelho e roxo de um vulcão em erupção que metaforiza e exemplifica as relações em ebulição daquelas tribos em pé de guerra. O clima de tensão é construído através de um ótimo trabalho de som que mixa os sons da natureza com as canções locais belíssimas que permeiam toda a trama. Viajamos por essa cultura através dos olhos espertos e atentos da pequena Selim, irmã mais nova de Wawa, a mulher que pode colocar em risco toda a vida da aldeia, caso não se case com o pretendente da tribo vizinha arranjado pelo Pajé.

O ponto alto de “Tanna” é que os diretores valorizam uma sociedade e sua cultura quase desconhecida sem jamais exotizar seus personagens. A solução, apesar de trágica, é baseada em fatos reais que o povo de Vanuatu gostaria de mostrar ao mundo e, portanto, apreendemos que o amor, de fato, é a solução para o fim das guerras. O filme aparece no cenário da filmografia mundial como um sopro de manifestação contra esse capitalismo selvagem que assola a humanidade.

Vencedor de melhor fotografia e do prêmio da Semana da Crítica no Festival de Veneza de 2015, o filme de estreia dos diretores no gênero ficcional é também o indicado da Austrália para concorrer a uma das vagas na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2017.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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