Três Sombras: perda e aceitação

Três Sombras: perda e aceitação

A vida é movida por inícios e términos de ciclos. Desde o primeiro suspiro, toda criatura viva sabe, mesmo que apenas dentro de seu íntimo, que um dia tudo irá acabar. Essa certeza vive escondida e camuflada atrás de momentos vívidos e prazerosos, sendo evitada por muitos, para que a melancolia não venha a atrapalhar a grande jornada rumo ao desconhecido. Três Sombras, quadrinho do desenhista francês Cyril Pedrosa, é uma daquelas obras que comovem o leitor não apenas pelo texto que versa sobre a partida, mas também pela sutileza como a temática da morte é trabalhada.

Três Sombras

Joachim e seus pais vivem no campo e levam uma vida tranquila e adorável, cercada de conforto, diversão e muito carinho. Um dia o garoto, de imaginação muito plural, diz ter visto três sombras na colina próxima a casa, o que o deixa apavorado, mas não surte o mesmo efeito no pai e na mãe, que chegam a rir da aflição do menino. O pai cogita que as sombras, na verdade, não passariam de árvores, mas Joachim está certo de que algo muito ruim está por vir.

A presença das três sombras não cessa e é intensificada pelo surgimento de uma névoa que, aos poucos, vai se aproximando ainda mais da casinha de Joachim, Lise e Louis. A narrativa dá uma guinada quando a mãe do garoto procura saber o que realmente está acontecendo, recorrendo à ajuda de Dona Pique, uma curandeira conhecida da família e que revela algo aterrador sobre o futuro do filho.

Três Sombras

A partir deste momento, Louis decide correr contra o tempo e se afastar o mais longe possível das três presenças fantasmagóricas, a fim de que o filho fique a salvo. Embarcam, então, numa viagem de navio repleto de pessoas solícitas, malvadas, privações e lembranças de momentos que, na mente de Louis e Joachim, nunca mais voltarão.

O texto de Três Sombras é simples, acessível, sutil e conta muito mais por meio das imagens, do que pela escrita em si. Há quadros muito minimalistas, principalmente em cenas que retratam a vida rural de Joachim e família, e que se tornam sombrios, ao passo que o futuro das três personagens principais vai se revelando. 

Mesmo não trabalhando profundamente a personalidade de cada uma das personagens, nota-se um amadurecimento muito grande de todos eles que, estando confortáveis em uma bolha de calmaria, precisam tomar atitudes que jamais tomariam pelo bem do outro. Lise, de aparência pequena e frágil, mostra-se forte e determinada em contrariar o marido ao sair de casa e procurar auxílio longe de onde vivem, ao passo que Louis vai aos poucos perdendo a casca de “homem durão” e transparece fragilidade e preocupação extrema para com o bem de sua esposa e filho.

Impossível não se emocionar ao ver como a família, que já é unida desde o início da estória, passa a se apoiar ainda mais e faz o possível e impossível para que tudo dê certo. As metáforas presentes na obra auxiliam na comoção gerada no desfecho que, em uma sequência de páginas sem fala alguma, rouba o fôlego – e lágrimas – do leitor.

Um ciclo se fecha para que outros comecem. Cyril Pedrosa sabiamente mostra que, se há amor e companheirismo entre pessoas, até a mais difícil das dores pode ser suportada e transformada em boas lembranças.

Três Sombras


Três Sombras

Companhia das Letras

Ano: 2011.

268 páginas

Onde comprar: Amazon

Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
Veja todos os textos
Follow Me :