[LIVROS] A Traidora do Trono: As mulheres e a revolução na continuação de Alwyn Hamilton

[LIVROS] A Traidora do Trono: As mulheres e a revolução na continuação de Alwyn Hamilton

A Traidora do Trono, continuação de A Rebelde do Deserto, da canadense Alwyn Hamilton, gerava apreensão, como boa parte das continuações intermediárias. Parece haver uma maldição a perseguir os segundos livros das trilogias, por vezes dotados de histórias que apenas visam explicar fatos do livro anterior e introduzir o último por meio de conflitos forçados e pouco interessantes. E este parecia ser o caminho de uma história repleta de personagens femininas impactantes. Todavia, a história publicada pela editora Seguinte surpreende e demonstra que é possível construir continuações tão boas quanto a obra inicial e com ainda mais poder feminino.

[CONTÉM SPOILERS]

O final de A Rebelde do Deserto (Leia AQUI a resenha) não teve um cliffhanger que servisse de gancho ao próximo livro, embora ainda houvesse muito a ser explicado. Assim, talvez tenha sido difícil começar a continuação. A história se inicia com mais uma separação amorosa, como tantas ficções juvenis, e por um momento é possível pensar que seguirá nesse ritmo.

Talvez esta seja a maior crítica da histórias, pois destoa do restante. A apreensão logo é substituída pelo alívio de ver que a autora é coerente no posicionamento das personagens descritas anteriormente. E os conflitos amorosos, ainda que retomados posteriormente, não se prolongam para além das páginas iniciais, tampouco roubam o enredo principal.

A protagonista Amani já não é mais a jovem nascida e criada na dura vida do deserto, que apenas deseja fugir para uma cidade em que pensava que poderia viver sem se submeter aos desejos masculinos. A revolta dos rebeldes cresceu, chegando à capital. Contudo, cresceu também o poder de repressão do sultão, um governante sem escrúpulos, que é capaz de fazê-la confrontar seu próprio pai e até mesmo de invocar seres imortais para manter seu poder.

Em A Traidora do Trono, Amani conheceu mais pessoas como ela, demdjis – filhos dos seres primordiais intitulados djinnis -, encontrou o um amor no príncipe estrangeiro Jin, uma família rebelde guiada pelo príncipe Ahmed, quase foi morta por seu recém descoberto irmão, lutou por uma causa maior que os sonhos de liberdade individual e aprendeu a lidar com seus poderes. Desse modo, o que se encontra é uma protagonista muito mais madura do que aquela do primeiro livro.

Quando Amani é levada ao palácio do sultão e possui seus poderes restringidos, uma nova faceta da personagem é apresentada. No entanto, não é somente dela que se possui uma melhor visão. A autora utiliza os eventos para explorar mais cenários da realidade que constrói e para abordar, também, a visão de personagens femininas ainda mais diversas.

Através da ficção, Alwyn Hamilton consegue explorar a relação das mulheres entre si e com a sociedade, de modo a revelar de que maneira a sociedade contribui para a separação e submissão da mulher. Três cenários distintos na vida de Amani, proporcionam três diferentes reflexões sobre a simbiose entre sexismo e meio.

Em Vila da Poeira, Amani perdeu a mãe, executada pelo assassinato do violento marido. Lá ela conheceu a violência no seio familiar e a disputa imposta às mulheres através da vontade de satisfação dos homens. Enquanto objetos, mulheres devem se esforçar para fazer valer sua serventia e se mostrar mais úteis que as demais.

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A amizade não é uma escolha. No acampamento, por outro lado, as mulheres estão unidas em torno de um ideal de liberdade. A unidade não as torna iguais, mas as fazem compreender e superar as diferenças. Junto a outras mulheres fortes, ela descobre que pode haver mais para ela no mundo, que ela pode ser guerreira, líder, amante, e não apenas uma esposa submissa ou uma fugitiva.

E então ela é presa e conduzida ao harém, onde retorna ao local de inimizade. Apesar de tudo, a sensação não é a mesma de quando estava em Vila da Poeira, pois ainda mais relações de poder se constituem. Até mesmo inimizades de sua vida anterior podem se aproximar de um companheirismo em prol da sobrevivência.

Ali, mulheres disputam não somente os postos adquiridos pelo matrimônio, mas o status conferido pela maternidade. O problema é que a maternidade é o meio pelo qual as mulheres fornecem herdeiros aos homens de poder, e uma vez que exercem seu papel, são consideradas descartáveis e utilizadas em nome da dominação.

Ainda que a história não seja explicitamente sobre mulheres, é impossível não perceber o modo como a autora desenvolve o tema na sua ficção. Não obstante a maior parte das personagens seja femininas, as de mais destaque o são.

As lutas são em geral protagonizadas por mulheres, de modo a se contrapor ao clichê mulheres sábias e homens fortes. Alwyn Hamilton descreve que as mulheres podem ser ambas as coisas. Com Amani, Shazad, Hala, Delila, Imin, Shira e até mesmo a duvidosa princesa Leyla, constroí diferentes e importantes personalidades.

 A Traidora do Trono
A autora, Alwyn Hamilton.

A continuação surpreende. A história de uma revolta prende a atenção da leitora ao inserir personagens bem desenvolvidos que fogem do clichê e uma mitologia diferente. A história se constrói em cima de bastante ação, o que torna a leitura ágil, mas também consegue inserir adequadamente reflexões sobre as relações sociais, como explicitado acerca do papel feminino, além do preconceito com as diferenças e das relações políticas entre diferentes Estados.

Enfim, A Traidora do Trono consegue fugir da maldição dos segundos livros. A história é tão boa por si quanto a primeira. Consistente e bem conduzida, finaliza de modo melhor que a predecessora, deixando a ansiedade pela obra finalizadora, intitulada Hero at The Fall (Herói na Queda em tradução literal).

Os direitos de filmagem foram comprados por Willow Smith, filha de Will Smith, mas ainda não há notícias sobre a produção de uma possível adaptação.


A Traidora do TronoA Traidora do Trono

Autora: Alwyn Hamilton

496 páginas

Editora Seguinte / Companhia das Letras

Este livro foi cedido pela editora para resenha.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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