O Que Está Por Vir (no original “L’avenir”) é um daqueles filmes onde tudo nele pode servir de pauta para debates e reflexões, desde a direção e roteiro de Mia Hansen-LØve (que tem apenas 36 anos), passando pelo momento político/econômico onde o filme está inserido, até chegar nas questões vividas pela protagonista, Nathalie Chazeaux (Isabelle Ruppert). É sobre o viés da protagonista que dividiremos nossas impressões sobre o filme.
Poucas atrizes incorporam tanto a noção de mulher bem resolvida e determinada quanto Isabelle Huppert. Seus trabalhos, sempre impecáveis, oferecem ao público a imagem de uma mulher complexa, indecifrável, e muitas vezes, até mesmo indiferente. A persona feminina encarnada pela atriz francesa frequentemente dá a impressão de que ela entende e aceita a ideia de que o destino dos seres humanos é apenas o de passar pela vida. E ela faz isso com elegância e sabedoria inigualáveis.
“O Que Está Por Vir” tem como pano de fundo a Paris de 2010: Sarkozy enfrenta manifestações públicas e greves por parte de estudantes e trabalhadores, que se opõem a sua proposta de uma reforma no sistema previdenciário francês, e determina o aumento da idade mínima da aposentadoria de 60 anos para 62 anos.
Em meio a esse cenário, Nathalie tenta continuar dando suas aulas de filosofia no colégio onde leciona, porém, será confrontada pelo seu ex-aluno Fabien (Roman Kolinka). Incentivado por ela, ele escreve livros sobre filosofia, ao mesmo tempo em que busca uma forma alternativa ao modelo de vida da professora, uma pessoa típica da classe média alta francesa, de valores burgueses.
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Nathalie é uma mulher na meia idade, casada há 25 anos com Heiz (André Marcon), também professor. Mãe de dois filhos adultos – que já não moram mais com os pais – a protagonista divide seu tempo entre as aulas no colégio e os cuidados com a mãe doente. Porém, sua vida muda de forma inesperada quando, quase simultaneamente, seu marido pede o divórcio e sua mãe vem a falecer. A personagem se encontra diante de um grande e tardio desafio. O que fazer com sua nova condição de mulher livre?
Em uma cena pontual do filme, a protagonista confessa para Fabien que nunca foi tão livre como nesse momento de sua existência. A constatação parece vir acompanhada de certo espanto. A liberdade é algo sempre desejado pelos seres humanos. Desde que tomamos consciência de que somos seres autônomos, almejamos sermos livres para ir e vir, decidir quem seremos, para onde iremos, por quais causas lutaremos.
E a pergunta é: como ser livre em meio a todas as relações de interdependência que nos rodeiam? Nathalie é uma mulher moderna, bem sucedida e independente, mas que ao longo de seus 25 anos de casada nunca escolheu a música para ouvir no carro, durante suas viagens para a casa de campo da família do marido, na Bretanha. Os afetos construídos em vida tornam-se também fonte de angústia, exemplificado na dificuldade que ela encontra para se livrar do gato herdado de sua mãe.
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A mãe de nossa protagonista também merece destaque, já que estamos falando em liberdade. Yvette (Edith Scob) foi casada por três vezes, e Nathalie é filha do segundo casamento, que durou 2 anos. Ela nunca teve a oportunidade de estudar. A beleza que ostentava na juventude, a levou a trabalhar como modelo e figurante. No mais, sacrificou grande parte de sua vida trabalhando para proporcionar a única filha, Nathalie, um futuro diferente do dela.
Passamos grande parte de nossa vida buscando a liberdade, mas ser livre é uma experiência que nos é estranha. E quando nos vemos diante dela, o que sentimos é um grande vazio, talvez até uma inaptidão em lidar com o cenário. Afinal, temos um conceito restrito sobre liberdade, de que ser livre implica apenas em escolher caminhos ou ter independência econômica. Talvez para sermos livres teríamos que renunciar coisas e pessoas a quem nos apegamos e acreditamos ao longo de nossa jornada, e que muitas vezes são o elo que temos com o significado do que somos.
Nathalie não lamenta o fim de seu casamento, não sofre com a saída de seus filhos de casa, e não tem grandes questões de consciência a respeito de sua vida burguesa. Ela entende que deve se manter firme e aceitar a vida como ela se apresenta, porém, não estava preparada para ser livre, ter tempo e buscar novos propósitos. Ela, na verdade, acreditava que o jogo estava ganho, e que era só relaxar em seu voo de cruzeiro. Para ela, o que viria depois, era somente sua aposentadoria.